Opinião
Eles estão espavoridos
Detesto é estas avezinhas toldadas, amamentadas pelo generoso leite de Abril, que se encostaram aos partidos e neles trataram da vidinha.
A direita, a direitinha e a direitona não param de carpir mágoas com a eventual subida ao poder, em Portugal, de uma União de Esquerda. O presidente do Partido Popular Europeu, que reúne toda a direita, inclusive a extrema, pronunciou o seu agastamento com uma frase hirsuta: "É preciso cuidado!" O homem mais parece um negociante de facas e cutelos; mas é o que há. Em Madrid, Mariano Rajoy comentou: "Espero que isto não se espalhe por Espanha." Cá, em Portugal, há comentários demenciais para todos os gostos. O anafado Durão Barroso, ex-maoista convertido aos acenos e proventos do capitalismo, e tido e havido, na Europa, como levemente tolo, chamou a atenção para os perigos que Portugal corre. A charanga não pára.
Em quarenta anos de democracia amolgada, é a primeira vez que o sufoco da "alternativa" sem "alternância" sofre um abanão. A cumplicidade sórdida de políticos, de abjurantes, de jornalistas emasculados, de comentadores sem eira nem beira, e a "ressurreição" de outros (como no caso do desacreditado Miguel Relvas, embalado com doçura pela TVI) talvez forneça o retrato moral de uma política que, em quatro anos, dissolveu o que era considerado padrão e virtude.
O anticomunismo protozoário é tão letal como a recusa, em bloco, da literatura e das ideias contrárias. Estou à vontade. Fui e sou leitor de Ernst Jünger, de Brasillach, Bardèch, Drieu La Rochelle, de Rebatet, de outros, muitos outros, que tocavam e ouviam outro banjo. Nunca fui grande apreciador de Céline, cujo romance. "Viagem ao Fim da Noite", aliás elogiado por Trotsky, não me parece merecer os encómios quase generalizados. Sei que são tinetas, mas não me impeçam de as ter. Creio, modestamente o creio, que nunca me assoberbei com pessoas cuja honradez e integridade moral não eram manietadas pelas suas opções políticas. Detesto é estas avezinhas toldadas, amamentadas pelo generoso leite de Abril, que se encostaram aos partidos e neles trataram da vidinha. Estão aí, alapados e não é agora que os desalojam. A endemia do facilitismo alastrou. E, até, pessoas que presumíamos sérias e dignas claudicaram, como aquele escrevinhador de maus romances, ex-comunista, que aceitou, há tempos, do dr. Cavaco, um penduricalho de latão.
As coisas seguem o seu rumo e se, por vezes, a História é uma deusa cega, a verdade é que ela avança. Não vale a pena desistir.
Um livro admirável sobre um homem admirável
A excelente editora Parsifal acaba de lançar uma cuidadosa e bem documentada biografia de Vítor Alves, um dos mais impolutos e generosos Capitães de Abril. O autor, Carlos Ademar, procedeu a minuciosa investigação da vida de um homem que jogou tudo no regueirão da liberdade. O volume, profuso de documentos e de fotografias, devolve a imagem de uma época e o retrato de um homem culto, modesto, mas com um carácter e uma fibra invulgares. Conheci muito bem Vítor Alves e sua mulher, Teresa, a companheira de uma vida, que o amparou e fortaleceu nas horas mais dramáticas das suas existências. Nada do que hoje se vê, pelos peralvilhos que treparam ao poder, se compara com este cavalheiro sem mácula, que se entregou, abnegado e firme, aos ideais que ambicionavam a transformação de Portugal num país asseado e limpo. Não foi assim. O egoísmo individual e os interesses ocultos cedo se revelaram, com a conivência de quem não devia. Talvez agora as coisas retomem o rumo certo. Nessa esperança relembro Vítor Alves, redivivo neste livro singular pelo cuidado e pelo rigor com que foi escrito.
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