Opinião
Efeitos da insolvência na responsabilidade tributária subsidiária
A Lei Geral Tributária (LGT) admite a responsabilidade subsidiária de terceiros para pagamento de dívidas tributárias. Esta chamada ao processo de execução fiscal através de um processo de reversão depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários.
Ou seja, quando num determinado processo de execução fiscal se constata que não existem bens penhoráveis ou haja indícios fortes de que os bens penhorados não são suficientes para integral pagamento da dívida.
O artigo 24.º da Lei Geral Tributária diz-nos que podem ser responsáveis subsidiários os administradores, diretores, gerentes de direito ou de facto de pessoas coletivas ou entes fiscalmente equiparados, bem como os revisores oficiais de contas e os técnicos oficiais de contas.
A responsabilidade e respetivo ónus de prova variam consoante a data limite de pagamento das dívidas fiscais em execução ocorra durante o exercício do seu cargo. A saber:
– Cabe à administração fiscal o ónus da prova da culpa na insuficiência do património relativamente às dívidas tributárias cujo facto constitutivo se verificou no período de exercício do cargo de gerente ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após o seu mandato.
– Cabe ao contribuinte o ónus da prova de que a falta de pagamento não lhes é imputável quanto às dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo.
Aferição da culpa
Para aferição da culpa, devemos recorrer ao conceito do "bonus pater familiae" e atender a todos os factos e condicionalismos presentes naquela situação concreta. Tem sido, aliás, este o sentido da nossa jurisprudência: "Na responsabilidade subsidiária dos gerentes (...), é de reportar o padrão da culpa em abstrato ao modelo do bom pai de família, tal como se consigna no art.º 487.°/2 do C. Civil. Só que no desenvolvimento e aplicação do critério normativo desse padrão de culpa à situação concreta haverá que particularizar o modelo de homem – tipo, moldando-o pela veste de um gerente competente e criterioso." 1
Do supra disposto decorre que, em caso de sucessão de gerência ou administração, pode ser responsabilizado subsidiariamente não só o gerente ou administrador que exerça funções na data de pagamento voluntário da dívida fiscal mas também o gerente ou administrador que exerceu funções à data da constituição da dívida.
Subjacente a este regime está o facto de que "são os gerentes que agem em nome da sociedade, como seus órgãos, estando assim organicamente ligados à prática dos atos de que deriva a obrigação do tributo e à apresentação das respetivas declarações, através das quais, por via de regra, a administração tributária toma conhecimento dos elementos necessários à liquidação."2
A extensão da responsabilidade dos gerentes ou administradores não só relativamente aos impostos que vencem à data de pagamento voluntário mas também daqueles que se constituíram durante o exercício do seu pagamento voluntário decorre do facto de a insuficiência para o pagamento tanto poder resultar de factos que decorreram durante o período em que a dívida se constituiu ou próximos da data de pagamento voluntário.
Importante também é a consideração que podem ser responsabilizados aqueles que exerçam, "ainda que somente de facto" as funções de gerentes ou administradores. Atentos à letra da lei, alarga-se a responsabilidade a terceiros que exerçam, efetivamente, funções de gestão administrativa e financeira da sociedade.
Do exercício efetivo das funções de administrador ou gerente como pressuposto da responsabilidade subsidiária decorre também que a mera titularidade da gerência ou administração de uma sociedade não é suficiente para aplicar o presente instituto. O gerente ou administrador tem que exercer efetivamente as suas funções.
O presente regime está, no entanto, sujeito a regras especiais quando o devedor é declarado insolvente.
Efeitos da declaração de insolvência no processo de execução fiscal
A declaração de insolvência é um ato de natureza judicial com fortes implicações jurídicas sobre o devedor, créditos, negócios em curso e processos judiciais que corram contra a entidade ora declarada insolvente.
À semelhança dos demais processos judiciais, declarada a insolvência serão sustados e apensos ao processo de insolvência os processos de execução fiscal que se encontrem pendentes e todos os que de novo vierem a ser instaurados contra a mesma empresa, logo após a sua instauração (artigo 180.º n.ºs 1 e 2 do CPPT). Estabelece-se, no entanto, uma exceção para os créditos vencidos após a declaração de falência que seguirão os termos normais até à extinção da execução (n.º 6 do mesmo artigo).
Ora, atendendo a que o processo de reversão contra os responsáveis subsidiários corre os seus termos no âmbito do processo de execução fiscal, daqui decorre que o processo é também sustado e apenso ao processo de insolvência.
Encerrado o processo de insolvência sem que o crédito reclamado no processo de execução fiscal tenha sido pago, as execuções anteriormente instauradas contra os responsáveis subsidiários por dívidas tributárias constituídas antes da insolvência, podem prosseguir. Com efeito, a declaração de insolvência da sociedade originária devedora não implica a extinção das dívidas que se tenham constituído anteriormente, pelo que podem prosseguir os processos de reversão instaurados nos termos do n.º 2 do artigo 23.º da LGT.
Para permitir o prosseguimento do processo de reversão, o n.º 4 do artigo 180.º determina que, cessado o processo insolvência, os processos de execução fiscal avocados serão devolvidos no prazo de oito dias ao respetivo órgão da execução fiscal.
O legislador estabelece, no entanto, um pressuposto adicional a respeitar pelo órgão de execução fiscal. Além da prova das fundadas razões para concluir pela inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal prevista no n.º 2 do artigo 23.º da LGT, o órgão de execução fiscal deve também demonstrar que o insolvente ou os responsáveis subsidiários adquiriram bens posteriormente à data da declaração de insolvência (n.º 5 do artigo 180.º). Se esta prova não for feita, o processo de reversão não pode prosseguir.
Em conclusão, a declaração de insolvência altera substancialmente as regras do processo de reversão: além da suspensão imediata dos processos e diligências de penhora, exige-se ao órgão de execução fiscal, para prosseguimento da execução após o encerramento do processo, a prova de que o responsável subsidiário adquiriu bens em data posterior à declaração de insolvência.
1) Acórdão do STA, de 12/03/2003, Rec. n.º 1209.
2) Acórdão do STA de 14/10/2002, Rec. n.º 14526.
Amândio Silva, jurista da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas