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Chamem o Paxton

Caberia ao Estado português investir cerca de 750 milhões de euros. É quase nada – só em garantias já concedeu cerca de 6 mil milhões. Senhor primeiro-ministro, é hora de convocar o Paxton que há em si.

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Suponho que o Governo de António Costa não conheça, pelo menos em grande detalhe, a história de Joseph Paxton, botânico inglês que começou como aprendiz de jardineiro e terminou com o seu nome feito frase comum – se existia tarefa que parecia impossível de executar, dizia-se assim: “Ask Paxton.” A covid-19 é uma boa desculpa para o Governo mergulhar na história.

O que tornou Paxton tão especial foi o seu sentido prático, em particular a forma como desatou a trapalhada em que os ingleses se lançaram ao anunciar a organização da primeira Exposição Universal apenas um ano antes da sua inauguração (1851). Foi o caos. Começaram por grandes planos e macroestratégias para concluírem que não existia sequer capacidade instalada para produzir os tijolos necessários à empreitada. Paxton entrou na história durante um jantar informal e, no dia seguinte, apareceu com rascunhos de um enorme, mas simples, pavilhão em vidro e ferro. Foi um sucesso (é ver na net “crystal palace 1851”). O Governo português precisa de convocar este sentido prático.

Segundo o Banco de Portugal, cerca de 22% das empresas aderiram à moratória (a média europeia é 7,9%) e quase metade reportam quebras no negócio até 50%. Ou seja, falta-lhes negócio. Dinheiro. No plano de resiliência, porém, a grande aposta parece ser a digitalização da indústria e a geração de grandes consórcios empresariais. Não se trata de discutir se essas prioridades estão certas ou erradas, trata-se de ter consciência de que levam tempo, como os tijolos. Dirá o Governo, com razão: é do sentido prático que saem medidas como a suspensão do pagamento de impostos, o lay-off ou as moratórias. Mas a pergunta é outra: que abordagem adicional produziria efeitos mais rápidos.

O sentido prático de Paxton sugeriria provavelmente o seguinte: orientar a bazuca para aliviar o desafio das empresas em moratória. Como? Via capital de risco especializado em reestruturação. Reparem nas contas (bem simples, como gosta Paxton): cada 20 milhões de euros investidos por este tipo de capital de risco reestrutura, em média, 6,6 vezes esse valor em dívida (rácio do fundo de capital de risco CoRe Restart que os meus sócios e eu lançámos em 2018). Ou seja, 20 milhões “resolvem” 131 milhões em dívida. O crédito total em moratória nas empresas, diz-nos a Deloitte, vale 21 mil milhões de euros. Expurguem-se os 10% que se estima existam hoje em empresas zombie (chamam-lhes assim porque nem com capital de risco se salvam) e o desafio vale cerca de 17 mil milhões de euros. Com base no rácio de 6,6 vezes, seriam necessários 2,6 mil milhões de euros em capital de risco para reestruturar estas empresas (isto na hipótese impossível de todas precisarem de resgate). Bem sei: esta dívida está no balanço dos bancos, que estariam a trocar 21 mil milhões por 2,6 mil milhões. Paxton diria: a alternativa é receberem zero, e por isso os bancos têm, de forma tão competente, reduzido o rácio do seu malparado. Note-se que é a própria União Europeia que aponta este caminho: no verão entregou cerca de mil milhões de euros ao Fundo Europeu de Investimento para selecionar fundos especializados em reestruturação e capitalização. O que espera o Banco de Fomento nacional para criar um fundo de fundos?

O modelo, mais uma vez, é bem simples: os governos aportam 50% do capital a entidades que tragam, em capital privado, os 50% adicionais, eliminando o risco de alguém brincar com dinheiro público. Nas contas de cima, caberia ao Estado português investir cerca de 750 milhões de euros. É quase nada – só em garantias já concedeu cerca de 6 mil milhões. Senhor primeiro-ministro, é hora de convocar o Paxton que há em si.

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