Opinião
Brasil: as "causas" deram lugar aos "casos"
No Brasil de hoje, numa espiral estonteante e vertiginosa que conduzirá inevitavelmente ao desastre coletivo, as denúncias sucedem-se a um ritmo vertiginoso, envolvendo políticos, empresários, banqueiros e profissionais de comunicação.
Nas últimas semanas dei por mim a lembrar-me por diversas vezes de "Anos Rebeldes", uma série que a Globo produziu no início dos anos 90 e que, inspirada num livro de Zuenir Ventura ("1968, o ano que não terminou"), mostrava, através da saga de um grupo de adolescentes oriundos da burguesia carioca dos anos do regime militar, um Brasil claramente de causas e de convicções, em que ideias e ideais se sobrepunham a qualquer outra coisa, muitas vezes juntando o que aparentemente seria à primeira vista incompatível e unindo as várias razões e motivações à volta de uma "bandeira" abrangente e única.
Dia após dia, notícia atrás de notícia, um país que já foi um país "de causas" passou agora irremediavelmente a ser um país unicamente "de casos" - um país onde a generalidade, para não dizer a totalidade, da sua classe política está enredada em complicados e abjetos esquemas de corrupção que abalaram definitivamente o índice de confiança que os brasileiros possuem no sistema e nas instituições democráticas.
No Brasil de hoje, numa espiral estonteante e vertiginosa que conduzirá inevitavelmente ao desastre coletivo, as denúncias sucedem-se a um ritmo vertiginoso, envolvendo políticos, empresários, banqueiros e profissionais de comunicação. Todos "delatam" todos, quase sempre visivelmente em busca de um perdão ou redução de previsível pena, apressam-se a expor a podridão de um sistema que não era segredo para ninguém e com que todos, poder judicial incluído, sempre pactuaram indiferentes.
No meio de tudo isto, existe algo que não contribui em nada para que se encontre uma solução - se é que ela existe... É que o Brasil de hoje, extremado, fraturado, dividido, tem a particularidade de possuir uma das direitas mais imbecis do planeta, a par de uma pretensa esquerda ("desideologizada", diga-se de passagem...) mais arrogante e deslumbrada que alguma vez me foi dado ver por esse mundo fora. E a junção destes dois factores, aliada à inexistência de um centro político forte e equilibrado, que possa garantir uma governabilidade moderada e sustentada, faz temer o pior e abre o caminho ao populismo, seja ele de esquerda ou de direita. Basta olhar para as sondagens e para quem se perfila como presidenciável para as eleições do próximo ano, para percebermos que só um "milagre" pode levar o Brasil a retomar o trilho da sensatez. Quando vemos que as primeiras filas da "grelha" de partida desta "corrida" ao Palácio do Planalto são ocupadas por um Lula que nada tem que ver com o Lula que com algum pragmatismo governou o Brasil nos seus mandatos, e que hoje deu lugar a um Lula que acha que as ruas "pesam" mais do que qualquer eleição; por uma alucinada Marina Silva, cujo pensamento político se resume a uns salmos de uma qualquer igreja evangélica misturados com umas palavras de ordem contra o desmatamento da Amazónia; por um João Dória, cujo discurso anti-político levou-o de um programa de televisão e das organizações de conferências e seminários à prefeitura de S. Paulo há cinco meses, cidade que governa através do Facebook e mascarando-se ora de homem do lixo, ora de cobrador de autocarro; por um tal de Bolsonaro, uma excrescência emanada do pior que sobrou da direita militar e cujo discurso fascizante faria certamente corar de vergonha o Sr. Le Pen pai; ou pelo apresentador de televisão Luciano Huck, que é assim um misto de Fernando Mendes e Cristina Ferreira, pouco mais há para dizer. Talvez, para quem é crente, reste pedir pelo Brasil à Senhora da Aparecida. Mas mesmo isso - perdoem-me a heresia... - que o façam antes de juiz Moro (também ele um "presidenciável" a ter em conta e a representar um certo "populismo jurídico" que faz escola um pouco por esse mundo for,) não aparecer por aí também a obrigar a padroeira do Brasil a depor no âmbito da Lava Jato...
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Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico