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Ano 2023: a resiliência da sustentabilidade veio para ficar

Houve, nos últimos anos, vários desenvolvimentos positivos em todo o mundo que sinalizam progresso em prol de um futuro mais sustentável, e que abrangem vários setores, incluindo energia renovável, conservação, tecnologia, política e consciencialização dos cidadãos.

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Perguntam-me várias vezes como vejo este ano que agora termina: houve progressos, na mesma ou retrocesso?  Apesar de um contexto com fortes ventos contrários (inflação, recessão, guerras), acredito firmemente que a consciência do problema (especialmente das alterações climáticas e das desigualdades sociais) aumentou e foram tomadas medidas relevantes. Há cada vez menos espaço para aqueles que tentam contrariar esta tendência imparável para uma sociedade que precisa de respeitar o Planeta e as Pessoas.

 

Dito isto, 2023 confirmou todos os desafios que um futuro mais sustentável precisa de superar, e os vários fatores que têm impedido um progresso mais rápido. Para citar alguns: 

  • Segurança energética vs. sustentabilidade: a crise energética mundial, agravada pela guerra Rússia-Ucrânia, e a instabilidade no Médio Oriente levaram alguns países a regressar ao carvão e à energia nuclear, colocando desafios aos objetivos do Acordo de Paris. Tal reflete o equilíbrio complexo entre segurança energética, preços acessíveis e transição energética sustentável. 
  • Aumento dos desafios financeiros para a adaptação: o aumento da frequência e da gravidade das catástrofes relacionadas com o clima conduz a custos mais elevados de adaptação, especialmente nos países com rendimentos mais baixos. Catástrofes ambientais e desastres naturais aconteceram em todo o mundo (já não se trata de uma questão geográfica) e aumentaram em 2023 o peso do apoio financeiro necessário para os esforços de reconstrução e recuperação. Mas pelo menos, há aqui uma consequência positiva: aumenta a sensibilização e a consciência públicas da necessidade para agir agora. 
  • Desafios económicos e financeiros: a transição para uma economia sustentável exige investimentos significativos e a atual conjuntura económica inflacionista não ajuda. Em muitos casos, os custos iniciais da infraestrutura de energia renovável, tecnologia sustentável ou iniciativas verdes podem ser altos e abre caminho à resistência de indústrias que dependem de práticas tradicionais e menos sustentáveis. 
  • Hesitação e incoerências políticas: a vontade política é crucial para o desenvolvimento sustentável, nem todos os governos dão prioridade à sustentabilidade e alguns podem ter interesses contraditórios, particularmente em regiões onde a economia é fortemente dependente dos combustíveis fósseis ou de práticas insustentáveis. O ano de 2023 não deu sinais de alteração nesta preocupante tendência e em muitas regiões do mundo, o poder político está a deslocar-se para ideologias com visões diferentes sobre a urgência destes desafios. 
  • Falta de uma ação global coordenada: a COP 28 acabou de terminar e só os muito otimistas podem ver quaisquer progressos a serem feitos. Muitos acordos e compromissos foram assinados, mas convido apenas o leitor a dar uma vista de olhos em tudo o que foi acordado pelo menos nas últimas três COP e tentar monitorar o progresso alcançado. O que nos faz acreditar que desta vez é diferente? Apenas palavras, mais uma vez? Demasiada fé na expressão "transitioning away from fossil fuels in energy systems"… 

Pode parecer um paradoxo, mas é precisamente por causa deste contexto negativo em 2023 que tenho esperança. Porquê? Porque, apesar de tudo isto, assistimos a progressos em muitas áreas. Para citar alguns: 

  • Crescimento das energias renováveis: registaram-se progressos significativos na adoção de fontes de energia renováveis, como a energia solar e eólica. Países como a China, os EUA e a União Europeia fizeram investimentos substanciais em energias renováveis, levando a uma diminuição do custo dessas tecnologias. 
  • Entraram em vigor diretivas europeias de "compliance" e "report" ESG, o que acelerará a necessidade de as empresas lidarem com esses indicadores e definirem políticas para alcançá-los. As empresas que apenas as encarem como "compliance" ("Vou reportar porque é obrigatório") e não como uma oportunidade de mercado para obter vantagem competitiva, certamente sofrerão no futuro e deixarão de fazer parte da maioria das cadeias de abastecimentos de governos e multinacionais. 
  • Veículos elétricos (EVs) e tecnologia de baterias: a indústria automóvel assistiu a uma mudança significativa para veículos elétricos de que Portugal é um bom exemplo, sendo a Tesla o veículo mais vendido no mês Novembro, um indicador mensal que nunca tinha acontecido antes. Os principais fabricantes de automóveis comprometeram-se a eletrificar as suas frotas, e os avanços na tecnologia das baterias vão tornando os veículos elétricos mais acessíveis e eficientes. 
  • Iniciativas de redução do plástico: muitos países e empresas iniciaram medidas para reduzir os resíduos de plástico: a proibição dos plásticos descartáveis, o aumento dos esforços de reciclagem e o desenvolvimento de alternativas ao plástico biodegradável ganharam ímpeto. 
  • Agricultura sustentável e sistemas alimentares: há uma ênfase crescente em práticas de agricultura sustentável, que inclui a promoção de dietas à base de plantas, práticas de pesca sustentáveis e inovações em tecnologia alimentar, como carne cultivada em laboratório. 
  • Avanços na economia circular: o conceito de economia circular, centrado na reutilização, reciclagem e redução de resíduos, ganhou força, há inovações em design de produto, conhecimentos de materiais e modelos de negócios que apoiam essa abordagem. 
  • Sensibilização e educação do público: a sensibilização para as questões da sustentabilidade aumentou, em parte devido à influência das redes sociais e dos movimentos globais, que conduziram a escolhas mais informadas dos consumidores e a uma maior pressão sobre os governos e as empresas para agirem de forma sustentável. 

Atendendo a tudo isto, acredito que o caminho para uma sociedade mais sustentável está a mostrar um nível muito elevado de resiliência e aqueles que acreditam num caminho de volta estão enganados. A resiliência da sustentabilidade veio para ficar. A nossa experiência no Center for Responsible Business and Leadership da CATÓLICA-LISBON de lidar com empresas a operar em Portugal, confirma isto: 2023 mudou definitivamente o debate de "Isto é realmente importante?" para "o que é que tenho de fazer?". De um "nice to have" a um "must do" com uma clara compreensão de que a sustentabilidade precisa de ser integrada no centro das estratégias de negócio.

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