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Ajuste direto e critérios materiais: receios injustificados?

o uso de critérios materiais deve ser assumido pela entidade adjudicante mais vezes. Só assim se criam boas práticas e assegurando uma correta inovação.

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A escolha do ajuste direto, nos termos do Código dos Contratos Públicos, só pode ser efetuada tendo em atenção o valor ou, excecionalmente, um critério material. Conforme resulta da jurisprudência nacional e europeia, a interpretação desta exceção à regra, que é o uso dos critérios materiais, na lógica de salvaguarda da concorrência e da igualdade no acesso aos mercados públicos, deve ser entendida de forma estrita, reservando a adjudicação a circunstâncias excecionais e inequivocamente fundamentadas. Vejamos as duas situações mais comuns: a urgência imperiosa e os motivos artísticos.

 

No primeiro caso, estão em causa três requisitos principais, que se interligam entre si: (1) A existência de "urgência imperiosa"; (2) A existência de "circunstâncias imprevisíveis"; (3) A não imputabilidade dos factos à entidade adjudicante. Para além destes três requisitos principais, há mais dois: (4) o ajuste direto apenas pode ser feito na "medida do estritamente necessário"; e (5) apenas é possível quando "não possam ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos".

 

Não obstante ser pacífico que os requisitos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 24.º do Código dos Contratos Públicos são cumulativos, o decisor tem optado pelo uso dos critérios materiais apenas quando encontra fundamento ou em lei ou em decisão do Conselho de Ministros. Se o uso da lei não é correto, uma vez que implica a multiplicação de alterações ao Código, o recurso frequente a decisões de fundamentação pelo Conselho de Ministros é menos aconselhado.

 

Quanto aos motivos artísticos, falamos de contratos que só podem ser executados por alguém com mérito próprio para elaboração de uma obra artística, que não pode ser feita por outrem. Torna-se necessário demonstrar que a prestação objeto do contrato "só pode ser confiada" a uma entidade determinada. Também neste caso a interpretação deve ser estrita, mas não deve ser proibitiva. A restrição apenas deve obrigar o decisor a fundamentar, mas não devendo prevalecer questões de "gosto". O legislador está apenas a prever que a execução do contrato não deve ser fungível, algo que requer fundamentação do decisor.

 

Em suma, os receios pelo uso dos critérios materiais no ajuste direto são injustificados, uma vez que a restrição e excecionalidade apenas implicam um dever de fundamentação mais apurado e, consequentemente, mais transparente. Ora, se há mais exigência na fundamentação, o decisor não deveria ficar mais garantido por estar a cumprir o dever de transparência próprio dos contratos públicos? Por tudo isto, o uso de critérios materiais deve ser assumido pela entidade adjudicante mais vezes. Só assim se criam boas práticas e assegurando uma correta inovação.

 

Advogado na Macedo Vitorino & Associados

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