Opinião
A Educação pode ser privatizada?
Em última análise, se o governo português for mesmo obrigado a retirar aos cidadãos funções sociais consideradas fundamentais por todos, será a democracia e o seu significado substantivo neste país que perde.
Além da resposta constitucional que tem vindo a ser dada a esta pergunta existe uma resposta política. É preciso ver que existe um consenso alargado na sociedade portuguesa que é contra a privatização do sistema de ensino público. Não costumo apresentar dados nas crónicas que escrevo, mas tendo em conta a discussão que se avizinha sobre as funções do Estado, que se adivinha muito ideológica, acho que vale a pena tentar contribuir para este debate com alguns dados sobre a opinião pública em Portugal.
De facto, no último inquérito pós-eleitoral realizado pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, no seguimento das eleições legislativas de Junho de 2011, representativo do conjunto de portugueses com mais de 18 anos, foram colocadas algumas questões cujas respostas são úteis – e actualizadas - para a discussão sobre a reforma do Estado.
E o que é mais interessante ainda e relevante do ponto de vista político é que praticamente não há diferenças quando analisamos os mesmos dados, mas tendo em conta os partidos em que as pessoas votaram nas últimas eleições. Senão vejamos: dos inquiridos que votaram no PSD – sim! no PSD - em 2011, 81% acha que o sistema de saúde deve ser controlado pelo Estado, e 77% acha o mesmo sobre o sistema de ensino. 85% dos votantes de Passos Coelho consideram que o Estado devia gastar o mesmo ou mais em saúde e 84% pensa o mesmo sobre os gastos na educação. Olhando mais à direita, o eleitorado do CDS-PP não se distingue do do PSD nestes domínios. Para 76% dos votantes de Portas o sistema de ensino deve ser controlado pelo Estado e 91% acha que o Estado devia gastar o mesmo ou mais em educação. Não vale a pena enunciar as percentagens correspondentes para os eleitores de esquerda. Como é evidente são semelhantes e nalguns casos superiores aos valores dos votantes do CDS e do PSD. É certo que as perguntas apresentadas não cobrem exaustivamente o que está em causa. Além disso, a politização por parte dos partidos será fundamental na tentativa de (re)-ideologização desta enorme maioria.
Mas o ponto é este: o Estado social bem financiado e controlado pelo Estado congrega à sua volta um consenso que une os portugueses. Diria mesmo que a defesa do Estado social constitui o núcleo duro do apoio à democracia em Portugal, pois não haverá muitos temas sobre os quais haverá tanta concordância no nosso país.
Postas assim as coisas, o que podemos esperar deste debate que agora vai iniciar sobre a reforma do Estado, leia-se sobre a redução das funções e serviços sociais do Estado em Portugal? Em primeiro lugar, a haver uma tentativa de privatização das funções sociais do Estado – nomeadamente do ensino obrigatório – este será o segundo momento "TSU" deste governo. Da mesma forma que Setembro foi um mês negro para os partidos do governo nas sondagens, o momento do anúncio dos 4 mil milhões de cortes no Estado social vai contribuir para o afundamento dos dois partidos de governo, PSD/CDS-PP nas sondagens.
Resta saber se António José Seguro vai conseguir capitalizar este enorme consenso que tendencialmente o favorece a si e ao seu partido. Em última análise, se o governo português for mesmo obrigado a retirar aos cidadãos funções sociais consideradas fundamentais por todos, será a democracia e o seu significado substantivo neste país que perde.
Politóloga
marinacosta.lobo@gmail.com
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