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A advocacia e o mandato parlamentar: incompatibilidades reforçadas

Deixará de ser possível a um deputado exercer funções como advogado ou prestar consultoria junto de uma autarquia local, questão objeto de inúmeros pareceres da Subcomissão de Ética no passado recente.

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Estão concluídas as votações na especialidade realizadas na Comissão para a Transparência. Aprofundaram-se as obrigações declarativas dos titulares de cargos políticos, alargou-se o regime de incompatibilidades e impedimentos e fez-se a primeira regulação do "lobbying" em Portugal. De todas estas alterações é o exercício de funções como advogados por deputados à Assembleia da República que tem sido objeto de maior discussão.

 

Verifica-se, porém, que muitas das análises realizadas partem do pressuposto de que as alterações aprovadas teriam viabilizado um regime que pouco altera ou que, até, abriria novas possibilidades de exercício de atividade. Nada mais longe da realidade. O regime aprovado alarga as proibições existentes, na linha do que resultava do programa eleitoral do PS e de outros partidos. O resultado final não só não se tornou mais permissivo como, antes pelo contrário, restringiu substancialmente a possibilidade de exercício da atividade de advogado por deputados.

 

Na redação hoje em vigor, a lei só impede os deputados de exercerem o mandato judicial como autores nas ações cíveis, em qualquer foro, contra o Estado. Com as alterações agora introduzidas, passará a ser totalmente proibido prestar serviços, exercer funções como consultor, emitir pareceres ou exercer o patrocínio judiciário nos processos, em qualquer foro, a favor ou contra o Estado ou quaisquer outros entes públicos, o que acarreta três inovações de relevo.

 

Em primeiro lugar, deixa de ser só em relação a ações com o Estado que o regime se aplica, passando a ficar abrangidos todos os entes públicos. Em segundo lugar, a proibição deixa de ser apenas a de litigar contra a entidade pública, passando a estar também incluídos os litígios em que a representação é feita em benefício dessas entidades. Em terceiro lugar, passam a estar também inibidas a prestação de serviços, a consultoria e a emissão de pareceres em causas que envolvam entidades públicas, onde antes só se limitava o patrocínio judiciário.

 

Estas medidas são ainda reforçadas pela proibição de intervenção nas atividades referidas que sejam desenvolvidas por sociedade à qual o deputado preste serviços ou da qual seja sócio, para evitar que se tente, por essa via, contornar a proibição: não pode haver de futuro qualquer contacto com o processo, a que título for. Adicionalmente, deixa também de ser possível a um deputado ser titular de mais de 10% ou de mais de 50.000 euros do capital de sociedades quando estas interajam com entes públicos nos termos descritos.

 

Finalmente, para além das normas dirigidas ao exercício de funções como advogado, terão ainda aplicação as disposições que inibem a contratação de deputados para prestação de serviços a entidades públicas. Deste modo, deixará de ser possível a um deputado exercer funções como advogado ou prestar consultoria junto de uma autarquia local, questão objeto de inúmeros pareceres da Subcomissão de Ética no passado recente.

 

Apesar de todas estas alterações, tem sido feita uma leitura invertida dos resultados a partir de uma proposta que o PSD apresentou como condição de viabilização das alterações e que passou pela não extensão das proibições às próprias sociedades de advogados, de forma a prevenir eventual inconstitucional. Na realidade, esta alteração não impede a passagem a um regime muito mais apertado de incompatibilidades, melhores meios de controlo e maior transparência. Ainda que não seja a solução que preferiríamos, e esperando que possa ainda ser objeto de reponderação, é aquela que permite dar um passo em frente e assegurar uma maioria de aprovação dos projetos que dão resposta ao problema.

 

Vice-presidente do grupo parlamentar do PS

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