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03 de Dezembro de 2015 às 20:20

O trabalho, o capital e tudo o resto

Em Portugal, os salários são reduzidos e as taxas de juro são elevadas para os padrões europeus. A definição de salários e remuneração do capital estará relacionada com a produtividade dos fatores trabalho e capital, respetivamente.

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A produtividade pode ser descrita como o acréscimo de produto resultante da utilização de mais uma unidade de trabalho ou de capital. Por outro lado, segundo o modelo de crescimento de Solow, um dos mais populares na literatura macroeconómica, o crescimento do produto por trabalhador, ou seja, a sua produtividade, depende da contribuição do crescimento do capital utilizado por trabalhador e de uma variável residual, que tipicamente se designa por produtividade total dos fatores.

 

O salário em Portugal é cerca de um terço do observado na Alemanha e aproximadamente metade do registado em Espanha, refletindo a proporcionalidade relativa da produtividade do trabalho entre estes três países. O progresso da produtividade é instrumental para o incremento de rendimento. E como evolui a produtividade do trabalho? Primeiro, ao contrário da Espanha que registou um avanço significativo da produtividade no decurso da presente crise, ao longo dos últimos anos, a produtividade do trabalho portuguesa registou muito modestos progressos. Segundo, o "stock" de capital utilizado por trabalhador é baixo, o mais reduzido das economias periféricas europeias. Terceiro, a despeito de importantes desenvolvimentos ao nível da produtividade total dos fatores, esta permanece reduzida.

 

O capital utilizado por trabalhador é baixo, porque a economia portuguesa não é uma economia rica. Nunca foi. Considere-se um indicador facilmente observável do nível de riqueza de um país, por exemplo: arte pública e privada. Constata-se que, Portugal, ao contrário de Espanha ou Itália, tem relativamente poucas manifestações de arte pública ou privada. Quantas obras-primas literárias, de arquitetura, pintura ou escultura desde a Idade Média? Quantos génios científicos? Ao longo das décadas, não parece ter havido suficientes meios para promover estas atividades. Aliás, algumas das maiores manifestações artísticas portuguesas coincidem com períodos de relativa pujança económica. Mais, no presente, além da dotação de capital ser escassa, o nível de endividamento é elevado, colocando obstáculos à acumulação de capital através de resultados retidos, enquanto a fiscalidade privilegia dívida sobre capital.

 

O trabalho e a sua capacitação evidenciam igualmente o baixo nível de riqueza da sociedade portuguesa. Enquanto a maioria dos países europeus erradicou a analfabetismo ao longo do séc. XIX, em Portugal o analfabetismo é ainda na atualidade um fenómeno com expressão. A qualificação da mão-de-obra observou progressos notórios nos últimos 50 anos. Mais recentemente, o rácio de licenciados e doutorados ou os números de abandono escolar precoce revelam tendências muito encorajadoras.

 

Os sinais do lado do trabalho e educação são favoráveis; contudo, a este nível, como no que respeita ao capital, falta um elemento relevante: a dimensão ou massa crítica para os progressos ganharem tração e frutificarem. Além da ausência de massa crítica, importa salientar outros fatores. Com efeito, a produtividade total dos fatores surge frequentemente associada à qualidade das instituições, indissociável do envolvimento dos cidadãos e cultura de participação cívica.

 

No final do séc. XIX, Portugal, Finlândia, Suécia ou Irlanda registavam rendimentos per capita relativamente semelhantes. Volvido mais de um século, os registos são muito diferentes. As duas principais diferenças que parecem emergir como explicação da divergência são: desempenho educativo e desenvolvimento institucional. Os países dominados pelo feudalismo revelam maiores fragilidades institucionais que as economias escandinavas ou anglo-saxónicas, pela aparente maior dificuldade de as instituições se tornarem inclusivas e favorecerem um crescimento económico mais equilibrado em termos de distribuição de rendimento. O sucesso recente da educação em Portugal afigura-se resultar da constatação do prémio que mais anos de escolaridade oferecem no que respeita a rendimento futuro. Se os mercados de fatores, de bens e serviços, a justiça, o Estado de direito e o acesso aos bens públicos forem inclusivos, transparentes, com mecanismos de controlo e responsabilização, os agentes económicos tomam o futuro nas suas mãos.

 

Em paralelo com a disponibilidade de capital e qualidade do fator trabalho, os aspetos institucionais são determinantes para a produtividade. Se as oportunidades estiveram ao alcance dos agentes económicos, a qualificação da mão-de-obra melhora e o capital aumenta, nomeadamente pela entrada em cena de novos participantes, residentes ou não-residentes. Em Portugal, a abertura ao exterior, por via de entrada de concorrentes externos no mercado doméstico ou a procura de mercados alternativos por agentes internos, resultou sempre em aceleração de crescimento por via da produtividade (e.g. melhores técnicas de gestão). Importa possuir instituições que estimulem novos agentes a emergir. E, tipicamente, cada país tem as instituições que merece, que fez por ter, que construiu, sendo um espelho da sociedade.

 

Economista

Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

 

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