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Porque é importante divulgar as declarações dos gestores da Caixa 

Há uma semana, a propósito da polémica que envolve os administradores da Caixa Geral de Depósitos, escrevi aqui num tom de crítica implícita que as leis portuguesas de transparência são das mais draconianas na Europa.

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É verdade que são - mas há boas razões para isso. Estas linhas servem para corrigir o tiro e dar pistas ao leitor sobre o que está em causa.

 

Entre vários países europeus, só a Suécia tem um enquadramento legal semelhante sobre a entrega e a divulgação das declarações de rendimentos e património de titulares de cargos públicos. Na Alemanha, esses titulares não têm de apresentar as declarações - o direito à privacidade e a protecção de dados são razões mais fortes (*). Bélgica, França ou Espanha exigem a entrega, mas conferem sigilo ao património.

 

Percebo a relutância de qualquer pessoa em ver expostas ao público as suas contas bancárias, as suas casas, os seus carros - o seu património. Eu também não gostaria. A publicitação tem um aspecto incontornável, e indesejável, de voyeurismo. Mas a publicitação oferece uma grande vantagem: o escrutínio público.

 

Em primeiro lugar, o escrutínio público sobre os titulares de cargos públicos, em Portugal feito sobretudo pelos jornais (é verdade, os jornais). As declarações podem ser um ponto de partida para investigações jornalísticas - foi assim no caso do Correio da Manhã e de José Sócrates quando este foi para Paris. A publicitação no início e no final das funções permite desenterrar potenciais conflitos de interesses, detectar omissões nas declarações ou identificar enriquecimentos bizarros no exercício de cargos públicos. A publicitação é crucial para percebermos o circuito fechado em Portugal entre a política e as grandes empresas públicas e privadas. 

 

Mas a divulgação permite, ainda, outro escrutínio: o das instituições públicas que têm como obrigação escrutinar as declarações e os respectivos titulares. Sem publicitação é muito mais difícil perceber se tapam erros ou se não vêem o que deviam ver. Isto é ainda mais importante quando um relatório divulgado este ano pelo Grupo Contra a Corrupção do Conselho da Europa sublinhou a crónica falta de meios do Ministério Público para fiscalizar as declarações - em Julho de 2015 o Tribunal Constitucional estava a avaliar as declarações preenchidas em 2012 (!).

 

Numa cultura de opacidade e num meio pequeno como o português, as vantagens deste escrutínio público superam as desvantagens. Saindo da discussão jurídica formal em causa na Caixa Geral de Depósitos - saber se a alteração ao Estatuto do Gestor Público isenta os gestores das obrigações declarativas da lei de 1983 -, estas são as razões que devem justificar a entrega das declarações e uma visão estreita de um eventual sigilo (o TC já conferiu, de resto, sigilo no passado em casos de património conjunto com terceiros).

 

Ao pendurar em público os gestores da Caixa a quem deu uma garantia, estudada juridicamente, o Governo tem revelado um incrível cinismo e frieza. Mas há um pecado original. Não falo tanto da insensibilidade quanto à falta de apoio social e político a excepções a banqueiros (fácil de prever), mas das razões acima elencadas - razões que deveriam ter recomendado prudência à política na hora de aceder às pré-condições colocadas por António Domingues. 

 

(*) P.S.: Domingues e os gestores da Caixa têm o direito legal de contestarem a notificação do TC - e têm argumentos jurídicos. A pressão política e mediática para lhes tirar esse direito - "tem de entregar já!" - são uma forma desastrada e injusta de dar cobertura a um erro político.

 

Jornalista da revista SÁBADO

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