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Pensões mínimas, complexidade máxima

Uma condição de recursos mal desenhada pode reduzir a eficácia do combate à pobreza e minar o próprio objectivo de poupança com a medida (se gerar mais custos com a saúde, reduz ainda mais a poupança).

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No papel é uma ideia sedutora: só deve receber apoios sociais quem realmente precisa. Em tese é difícil discordar, mais ainda numa era de grande pressão orçamental. O filtro chamado "condição de recursos" evita o desperdício e pode até aumentar os fundos para outros apoios sociais. A realidade, contudo, não é tão simples. No caso das pensões mínimas, assunto de debate quente à esquerda, a realidade é desde logo desconhecida. Percebem-se, por isso, os avisos à navegação do ministro Vieira da Silva.

Entre os problemas apontados aqui e lá fora à condição de recursos nas pensões mínimas - ou outras prestações financiadas pelos impostos - estão estes: 1) comparado com uma prestação universal, um programa só para pobres não tem o mesmo grau de compromisso político e social; 2) dizer que só se paga a alguns é um desincentivo à poupança durante a vida activa para os outros, sobretudo os que estão perto do limiar da condição de recursos. O primeiro é invocado à esquerda, o segundo mais à direita.

Nem um, nem outro são grandes obstáculos em Portugal. Na cultura política portuguesa, a redistribuição pura e dura não é pecado mortal como nos Estados Unidos. A reacção do PSD e do CDS ao aumento das pensões mínimas em 2017 prova isso - a direita não contesta aumentos de pensões de que discorda, antes criticando porque se deixa de fora um escalão aumentado no seu tempo de governação. Quanto à poupança é possível conceder que existe algum "risco moral" e desincentivo para quem poupa, mas estamos a falar de pessoas com rendimentos tendencialmente baixos e já com dificuldade em poupar.

Há problemas também tipicamente discutidos e que apresentam, de facto, riscos. As poupanças com a condição de recursos nestas pensões podem ser baixas à partida e desbastadas depois por aquilo que o Estado gasta na burocracia. E há o principal problema: o acesso. Uma condição de recursos introduz não só burocracia, mas também condições que podem afastar os beneficiários que precisam.

Um exemplo é o que se pode estar a passar no Complemento Solidário para Idosos (CSI), cujo acesso passa por uma análise não só dos rendimentos do beneficiário, mas dos seus filhos. Na complexidade da vida é fácil imaginar reformados que não se dão com os filhos ou que têm vergonha de pedir essa informação aos filhos - ou que não sabem que a prestação existe (foi reveladora a forma como Vieira da Silva há dias sentiu necessidade de dizer em entrevista à SIC que o CSI existe).

Uma condição de recursos mal desenhada pode reduzir a eficácia do combate à pobreza e minar o próprio objectivo de poupança com a medida (se gerar mais custos com a saúde, reduz ainda mais a poupança). Isto não quer dizer que se abandone a ideia colocada pelo Governo. Quer apenas dizer que se deve aprender com os problemas do sistema criado para o CSI e evitar ao máximo uma condição de recursos complexa ou com critérios draconianos.

Quer dizer, ainda, que antes de avançar há que ter informação. O estudo normalmente citado (incluindo por este colunista) para limitar a atribuição destas pensões, que conclui que apenas um terço dos beneficiários é pobre, já tem 15 anos. Não se conhece, por outro lado, qualquer análise sobre o desempenho e os problemas do CSI, por exemplo. Os dois são indispensáveis: o primeiro para perceber o universo de aplicação da medida e a sua razão de ser; o segundo para evitar erros e melhorar muito a eficácia de uma prestação que, em conjunto com as pensões mínimas, possa ser mais eficaz na redução da pobreza entre os mais velhos.

Jornalista da revista SÁBADO

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