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O silêncio sobre a compra da Media Capital  

Não parece, mas está em curso o maior negócio nos media em Portugal. Os riscos da operação merecem mais debate e atenção. Em vez disso há silêncio, demissão regulatória e disfuncionalidade institucional.

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Não parece, mas está em curso o maior negócio de sempre na área dos media em Portugal. Não parece porque a compra da Media Capital pela Meo por 440 milhões de euros está a passar ao largo da "agenda". E, no entanto, a iniciativa da Altice para, num mercado pequeno como o português, juntar num só grupo o serviço de programas mais visto em Portugal, o segundo grupo de rádio mais ouvido, o maior operador de portais na internet, a maior plataforma de telecomunicações, a exploração da única infra-estrutura de televisão digital terrestre, o segundo maior anunciante e uma plataforma que absorve 25% da receita de publicidade no país é merecedora de atenção regulatória, mediática e política.

 

É fácil intuir os riscos desta concentração. Os reguladores que já se pronunciaram não tiveram dúvidas. A Anacom fala em "entraves significativos à concorrência efectiva nos mercados de comunicações electrónicas". E os serviços do regulador da comunicação social (ERC) citam vários riscos, entre os quais a concentração de um controlo significativo sobre a comunicação social portuguesa numa só pessoa (Patrick Drahi, dono de 60% da Altice) e a criação de um grupo com força para "estrangular" por vários meios os negócios de media concorrentes. O parecer da ERC alerta para riscos difíceis de corrigir pela supervisão dos reguladores.

 

Estamos, assim, num momento importante para o futuro dos media em Portugal, área cuja regulação merece um artigo na Constituição (o 39.º). Mas, a avaliar pelo que se passa, ninguém diria que o assunto é importante.

 

Desde logo, a ERC, cuja votação tem carácter vinculativo, nem deliberou sobre a operação. O mandato do conselho da ERC terminou há um ano e a nomeação do novo conselho está presa no Parlamento há meses. Dos cinco membros já só sobram três em funções e, como os pareceres têm de ser aprovados por pelo menos três membros, é agora precisa unanimidade. Dois até quiseram votar de acordo com a posição inequívoca dos seus serviços sobre o negócio, mas o presidente Carlos Magno não. Magno perguntou ao regulador francês o que acha da conduta de Patrick Drahi (a resposta, em francês!, diz "acho muito bem") e pediu uma carta de conforto ao próprio Drahi, na qual este promete que se vai portar bem.

 

Perante a falta de comparência regulatória e a disfuncionalidade parlamentar ouvem-se apenas as queixas indignadas dos concorrentes da Altice - a Nos e a Vodafone - e as críticas do Bloco e do PCP. O PS, que segundo o Público adiou em Julho a escolha dos novos membros da ERC com receio de que a mudança fosse vista como interferência no negócio, diz agora por Carlos César, sem insistir muito, quer que o negócio volte à ERC quando o novo conselho for nomeado dentro de dias. Na oposição à direita a concentração, que gerou enorme atenção quando foi tentada no contexto diferente da era Sócrates, merece um estranho silêncio.

 

A operação está agora na Autoridade da Concorrência (AdC) e, em tese, é difícil perspectivar que passe sem a imposição de remédios estruturais, ou seja, sem medidas significativas (como a venda de partes do negócio) que menorizem os riscos da concentração. Tendo em conta a crise recente na Altice há quem entretenha a dúvida sobre se Drahi usará esses obstáculos regulatórios para abandonar airosamente a compra. Não sabemos.

 

O que sabemos é que à luz da cultura regulatória portuguesa podemos estar cépticos sobre os remédios que a AdC venha a impor. E sabemos mais: que no país da cacofonia opinativa e política, e meses depois de um congresso sobre jornalismo, não há sombra de debate sobre este negócio, seja para realçar os riscos ou para defender as virtudes. O mercado é pequeno, a política é frágil e o medo fala mais alto - também aqui se mede a vitalidade de um país.   

 

Jornalista da revista Sábado

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