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O elogio de Mário Centeno a Passos Coelho

As lições que Centeno deu aos gregos esta semana sobre "ownership" da austeridade são o principal elogio público que Passos lê ao sair da vida política.

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Não fora o protesto de Yanis Varoufakis contra as palavras de Mário Centeno sobre a Grécia e por aqui ninguém teria sequer sabido da entrevista de Centeno a uma agência grega - em Portugal já ninguém quer saber da Grécia, seja por conveniência ideológica ou por saturação. Mas vale a pena ler a entrevista. Nela, o presidente do Eurogrupo explica mais do que uma vez aos gregos a importância de uma palavra importante: "ownership".

 

"Ownership", traduzível por "propriedade", é jargão tecnocrático para a atitude política de um governo perante a troika e o programa de resgate. Quando em Janeiro de 2012 Passos Coelho afirmou "senhores da troika, estamos a fazer isto por nós, não por vós", estava a assumir o programa como sendo seu - estava a tomar "ownership", a transmitir confiança ao exterior, sinalizando que não via o programa como uma imposição externa para fintar, mas como algo para cumprir.

 

Quão importante foi dar esse passo politicamente difícil? Centeno explica na entrevista que "um fio comum a todos os programas [da troika] com sucesso é a 'ownership'" e que "Portugal é de facto um exemplo disto". Pelo meio não resiste a uma lição de moral aos gregos: "Uma 'ownership' forte do processo de ajustamento pela Grécia poderia ter gerado muito mais cedo os resultados bons que vemos hoje."

 

Desde 2011 que ouvimos dizer que a austeridade num pequeno Estado-membro do euro que perdeu o acesso a financiamento é mera opção política e recusa em ver uma solução melhor. Ainda hoje não há semana em que alguém do Governo do PS - que para sobreviver abandonou a "ownership" do programa que tinha negociado - não diga que está provado que "era possível virar a página da austeridade".

 

Mas eis que o presidente do Eurogrupo vindo do Sul, ministro-chave do Governo português, afirma o óbvio: não só não havia uma alternativa melhor, como a tal "ownership" teve grande importância para recuperar a liberdade. Centeno fala hoje de liberdade aos gregos: fora do resgate, diz, "vão ter mais margem que vai representar mais opções para os partidos e o povo grego". Foi essa margem conquistada antes que permitiu ao actual Governo - contra oposição europeia, é certo - acelerar a reversão de medidas da troika.

 

Cá dentro o Governo vende "a sua verdade", como uma vez disse António Costa sobre José Sócrates, mas lá fora o presidente do Eurogrupo, Mário Centeno, tem margem e mandato para fazer um elogio implícito à resiliência do governo de Passos. Por vir de um académico reputado e figura central no Governo, talvez seja mesmo o principal elogio público que Passos terá lido, provavelmente com um sorriso, ao sair da vida política.

 

Jornalista da revista Sábado

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