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Montepio e o corte cirúrgico do Governo

O Governo está convencido de que Tomás Correia é um problema e criou uma oportunidade para afastar, com luvas de pelica, o homem que planeava a recandidatura ao cargo.

Uma das arestas do problema chamado Associação Mutualista Montepio Geral é o que fazer ao seu presidente. As fragilidades da governação da mutualista vão muito além do desempenho do seu presidente, mas Tomás Correia é uma parte do problema. O Governo parece estar também convencido disso e criou uma oportunidade para afastar, com luvas de pelica, o homem que planeava a recandidatura ao cargo e que ainda controla uma boa parte do "aparelho" do Montepio.

 

Foi ao antecipar a aprovação do Código das Associações Mutualistas que o Governo abriu a oportunidade. Se a Segurança Social e a Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) não arrastarem os pés nos prazos legais, o novo código estará a vigorar antes das eleições no Montepio, em Dezembro. Isto significa que quem vencer essas eleições terá de passar pelo escrutínio da ASF - o mesmo que se aplica aos gestores de fundos de pensões e seguradoras - antes de entrar em funções.

 

Entre as várias alíneas que definem que um gestor não cumpre os "requisitos de qualificação" está "a acusação ou a condenação, em Portugal ou no estrangeiro, por infracções das normas que regem a actividade das instituições de crédito". É difícil imaginar Tomás Correia a passar o teste. O gestor tem contra si duas acusações do Banco de Portugal por contra-ordenações graves quando liderava a Caixa Económica Montepio. E está a ser investigado pelo Ministério Público, que o constituiu arguido. Só as acusações do Banco de Portugal, cujo desfecho pode muito bem ser conhecido até Dezembro, chegam para duvidar que a ASF o aprove. 

 

A percepção de que o Governo e os reguladores vão tirar o tapete a Tomás Correia está a agitar as águas na mutualista. No dia em que o código foi aprovado em Conselho de Ministros, Fernando Ribeiro Mendes - administrador dissidente da actual gestão do Montepio, na esfera do PS - notou as "exigências de idoneidade dos dirigentes" num primeiro evento público de opositores a Tomás Correia. Nesse mesmo dia, João Costa Pinto - ex-presidente do Crédito Agrícola e ex-vice governador do Banco de Portugal - revelou que está a trabalhar com um grupo de pessoas numa solução para o Montepio. Um Governo PS nunca pratica o "laissez faire" na economia. É provável que os socialistas estejam nos bastidores a tentar controlar a sucessão.

 

Tomás Correia vê, por isso, a sua recandidatura comprometida, como vê reduzir-se a sua influência sobre a gestão da Caixa Económica Montepio. Ainda flutuam notícias sobre uma recandidatura, mas está à vista o fim de um ciclo de dez anos. Poderá apoiar alguém próximo de si, mas é de duvidar que a força do "aparelho" - os quadros do Montepio que angariam votos nas eleições - seja transmissível.

 

O Governo poderia ter tentado afastar Tomás Correia mais cedo, mas o gestor está barricado dentro de uma instituição financeiramente frágil. Uma guerra pública era arriscada. A táctica foi ir apoiando a instituição com palavras, com um (mau) ensaio de entrada da Santa Casa no Montepio, com um crédito fiscal - e separá-la, com um corte cirúrgico feito nos bastidores, do seu problemático presidente. Política pura. 

 

Jornalista da revista Sábado

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