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Há mais no inquérito à Caixa do que você imagina

Há uma batalha política em curso sobre quem tem mais culpas na Caixa, o banco do bloco central e do CDS - nada disto é inocente. Mas, saindo da lógica deste jogo, o interesse público em atirar luz para dentro da Caixa é inegável.

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São vários os argumentos de quem discorda de uma comissão parlamentar de inquérito à gestão da Caixa Geral de Depósitos: o banco está vivo e a lama levantada numa comissão arrisca minar a confiança; precisa agora de muito capital, mas já deu muito dinheiro no passado; os problemas do banco são comuns à banca privada; os deputados estão muito limitados no que podem tirar dos inquiridos, protegidos pelo manto mágico do sigilo bancário. Se este último argumento tem algum fundamento, nenhum serve para invalidar uma comissão de inquérito à Caixa.

 

O receio sobre o ruir da confiança no banco é um "se" não provado em experiências passadas, como a comissão ao BES (o Novo Banco, o "BES menos mau", continua vivo). É verdade que a Caixa já deu dividendos ao Estado - de 2002 até à crise em 2011 foram mais de 2.100 milhões de euros -, mas também absorveu muito dinheiro: entre 2002 e 2010, os anos do crédito fácil, só em três (!) anos não houve aumentos de capital (total: 2,8 mil milhões de euros). E, sendo verdade que outros bancos têm problemas maiores de imparidades, não se vê como isso anula a necessidade de escrutínio de um banco público que se prepara para apresentar mais uma factura pesada.

 

A incapacidade formal dos deputados extraírem informação relevante dos inquiridos é um facto. Mas, mesmo com essa limitação, as comissões de inquérito feitas a bancos no passado - e a do Banif, a decorrer - apuraram factos relevantes. Os deputados podem ter acesso a documentação, podem confrontar pessoas que têm o dever de verdade perante o Parlamento, podem até pedir uma auditoria externa independente. Se o Banco de Portugal pedir uma auditoria forense (e deve pedir), o PSD deve esperar pelo resultado.

 

Há uma batalha política em curso sobre quem tem mais culpas na Caixa, o banco do bloco central e do CDS - nada disto é inocente. Mas, saindo da lógica deste jogo, o interesse público em atirar luz para dentro da Caixa é inegável: em chamar os poucos administradores que se demitiram, em perceber quem autorizou o quê, em cruzar factos isolados que os jornais já noticiam há anos.

 

Olhando para fora do rectângulo institucional do Parlamento uma comissão ganha ainda mais interesse: comparecer é desconfortável, como descobriu Zeinal Bava. Esse desconforto público, a exposição das ausências de memória e das fugas às perguntas duras, serve de instrumento de responsabilização e de pressão sobre as administrações. Em Portugal, o país da impunidade e da desresponsabilização, este é um enorme ganho.  

 

P.S.: Doze administradores não-executivos num banco com apenas um accionista é disparatado. Mas esta nem é a questão principal. Um administrador não-executivo tem um papel crucial de controlo da gestão executiva. Para conseguirem fazer bem este papel, contudo, os não-executivos precisam mais de serem craques em gestão de risco/crédito do que de terem "peso" na corte lisboeta. Só assim são fiscalizadores e não meros coleccionadores de senhas de presença. Nesta linha, os nomes que vão sendo conhecidos para este lugar, apesar de respeitáveis, são uma desilusão.

 

Jornalista da revista Sábado

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