Opinião
Era uma vez Portugal
Portugal? "Portugal voltou a ser uma criança problemática", "que vive com uma espada de Dâmocles" em cima da cabeça, "o segundo resgate" (Commerzbank, Janeiro de 2016). "Dado o que aconteceu a alguns bancos ali", o Banif e o Novo Banco, "os investidores ficaram receosos" (BlackRock, Janeiro).
Portugal! "Será o novo foco da crise da dívida na Zona Euro?"(MarketWatch, Março). "Se a DBRS, a única agência que mantém Portugal como 'investment grade' [acima de lixo] cortar o 'rating', as coisas podem ficar feias" (Capital Economics, Março). "O destino de uma nação inteira está depositado nas mãos de apenas algumas pessoas. Uma delas é Adriana Alvarado", da DBRS (Handelsblatt, Abril). A sua "independência financeira", a de Portugal, "está pendurada por um fio" (Wall Street Journal, Abril).
Portugal, Portugal. Fez "a pior mudança de governo de sempre" (Saxo Bank, Observador, Abril). "Espanha e Portugal podem enfrentar sanções por causa dos orçamentos" (Politico, Maio). "As pessoas estão a ficar seriamente preocupadas com a crise crescente em Portugal", um assunto "que voa abaixo do radar". É um país cuja economia "tem sido há muito causa de alguma preocupação para os decisores europeus" e que agora junta "uma crise bancária" a uma "economia genericamente esclerosada" (Business Insider, Junho).
Portugal. É "o país que mais preocupa, independentemente do Brexit", porque "está a reverter reformas" – todos têm de estar "muito atentos ao que acontece em Portugal" (Klaus Regling, Fundo Europeu de Resgate, Junho). "Será Portugal a próxima crise da Zona Euro?" (Bloomberg, Junho). "Está a cometer um erro grave se não cumprir os compromissos assumidos", que pode levar a "um novo programa de resgate" (Wolfgang Schäuble, Junho).
Portugal… A "vontade por 'yield' [juro] mantém aberta a porta do mercado de obrigações a Portugal enquanto este enfrenta uma crise bancária e a potencial indignidade de cair fora do programa de compras de obrigações do Banco Central Europeu" (Reuters, Julho). "A economia está a crescer a metade do ritmo que o Governo anti-austeridade esperava", pondo o país, cujas "finanças são observadas de perto desde o resgate de 2011", no papel de "uma das economias mais fracas da Zona Euro" (Associated Press, Agosto).
Por-tu-gal. "Portugal está no centro de uma tempestade perfeita de crescimento económico fraco, de investimento em queda, de baixa competitividade, de défices orçamentais persistentes e de uma banca subcapitalizada que deve demasiado da sua altíssima dívida pública." "A questão", num país com "um governo socialista minoritário, apoiado pela extrema-esquerda", é saber "se os problemas de Portugal tornarão inevitável um segundo resgate" (Financial Times, Setembro).
Portugal e o ministro das Finanças de Portugal. Pergunta: "Vai fazer tudo o que for necessário para evitar que Portugal tenha um segundo resgate?" (CNBC, ontem).
São intervenções cheias de "ses", que misturam realidade, preconceito e interesse próprio? Em parte sim. Mas, no final do dia, isso interessa pouco. A cadência impiedosa destas notícias e análises é um sinal preocupante da consolidação de uma história, de uma "narrativa" sobre Portugal. O contraste entre esta e o ambiente político no país é grande – e o problema maior de percepção está no lado que mais tem a perder, ou seja, cá dentro. O BCE anestesia o mercado e Portugal paga hoje só 3% a dez anos para se financiar? Sim, Mario Draghi tem a mão em cima da tampa. Mas lá dentro, na panela, vai fervendo um caldo cada vez mais tóxico.
Jornalista da Revista SÁBADO