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Bernardo Rodo - Diretor Geral da OMD 04 de Setembro de 2020 às 10:20

Viajar é regressar

Portugal é um dos destinos mais bonitos do mundo, desejado por milhões de turistas todos os anos, e com muito para descobrir pelos portugueses. Gabriel Garcia Márquez dizia que “viajar é regressar”. Nesse caso, já chegámos.

A Europa é o maior destino turístico do mundo, com uma quota de mercado de 51%, 671 milhões de turistas, e representa 10% do PIB, segundo o Eurostat. É também o maior destino turístico dos próprios europeus, e retém 82% da despesa turística interna da região. A Alemanha é o maior mercado emissor, com 26% da despesa turística, seguido de França e Reino Unido. Um dado interessante é o de que, em média, 44% da receita é gerada no próprio país de residência do turista.

Alguns estudos publicados no início do ano apontavam para 70% dos europeus com intenção de viajar em 2020. Em março deste ano, cerca de metade dos europeus dizia ter intenção de viajar caso não existissem restrições. Num estudo realizado em junho pela Redfield, 60% dos inquiridos ponderavam viajar no seu próprio país durante o verão. Nos seus principais mercados emissores (Reino Unido, Espanha, França e Alemanha), naqueles que tinham intenção de viajar para o estrangeiro, Portugal surgia entre os primeiros destinos escolhidos.

São suficientemente conhecidos os números do turismo em Portugal e o seu contributo direto para a economia (14% do PIB, 19% das exportações). Talvez não seja tão conhecido o facto de Portugal ter uma receita média por turista 20% superior aos países do Sul da Europa (Espanha, Grécia e Itália), com uma crescente diversificação sazonal, regional e da nacionalidade dos visitantes.

Uma projeção divulgada pelo Ministério da Economia para o período 2017/2027 estimava que ainda não existisse uma oferta turística em quantidade para absorver o crescimento da receita neste período. Esta expectativa implicaria uma forte aposta no setor, maioritariamente de capitais privados, como se tem aliás verificado, dos grandes projetos imobiliários de construção de hotéis e outros equipamentos às start-ups de suporte à oferta lúdica e cultural.

Com previsões mais ou menos otimistas, o setor turístico está a reorganizar-se para responder às exigências dos governos, às preocupações dos turistas e às constantes alterações impostas pela evolução da pandemia, influenciada pelo próprio turismo. Um dos aspetos a realçar nesta reorganização tem sido a rápida reação do mercado ao levantamento das restrições/limitações de viagem, como se viu pela procura do Algarve pelos turistas britânicos.

Contudo, se estes dados lançam algumas pistas para o futuro, existe uma outra história que os números não contam e que está relacionada com a expectativa do turista. Entre as principais motivações para viajar estão a vontade de quebrar a rotina, ter novas experiências e tempo de qualidade em família. Por curiosidade, está demonstrado que duas semanas de férias no mesmo destino têm o mesmo efeito de uma semana, uma vez que a fruição diminui quando as rotinas se instalam.

As pessoas viajam para aprender, estreitar relações, desafiar limites, explorar novas perspetivas. Viajar é também a renovação dos ciclos de estudo e de trabalho, como uma recompensa por esse esforço. Todas estas motivações estão a ser reavaliadas neste período de ansiedade e incerteza. A substituição da satisfação associada à viagem pode levar a novas decisões de consumo, não apenas na tipologia de destino ou produto turístico, ou maior concentração no consumo turístico doméstico, como aliás se antecipava e que significaria por si uma receita média inferior por visitante.

Em alguns mercados verificou-se uma recuperação do consumo de artigos de luxo por parte de consumidores afluentes, nomeadamente carros e relógios. Segundo uma avaliação da Universidade de Pinceton, estas compras não são resultantes de riqueza acumulada, o chamado alto luxo, mas sim de indivíduos com rendimento elevado que aumentaram as suas poupanças através da diminuição de gastos neste período, com destaque para férias e restaurantes.

É aqui percetível um efeito de transferência na despesa de “recompensa” que as férias representam para muitos turistas. O mesmo aconteceu com o aumento de vendas online de bens não essenciais. A sociedade de consumo estabelece com o consumidor um vínculo emocional que tem de ser nutrido. É um facto que não existem muitas experiências de compra que consigam rivalizar com uma viagem, mas o consumidor com rendimento disponível vai querer ocupar esse espaço até poder retomar a sua normalidade.

Não viajamos apenas pela viagem. Viajar é planear, é expectativa, antecipação e partilha. É também nostalgia, memórias amplificadas, momentos irrepetíveis. São os lugares que descobrimos, as pessoas que conhecemos. Para trás ficam as frustrações. O atraso no aeroporto, a mala perdida, as feridas nos pés. Nos próximos tempos viajar vai ser diferente. Vai haver mais preocupação, mais controlo, menos alternativas, mas aquilo que a viagem representa não vai mudar porque está na essência do viajante.

Portugal é um dos destinos mais bonitos do mundo, desejado por milhões de turistas todos os anos, e com muito para descobrir pelos portugueses. Gabriel Garcia Márquez dizia que “viajar é regressar”. Nesse caso, já chegámos.

 

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