Opinião
A nova face da Justiça contra o colarinho branco
A sucessão de casos não revela um aumento de crimes de corrupção, mas um aumento da eficácia da máquina da Justiça, num país em que a cunha e o favor são uma instituição nacional.
A Justiça portuguesa está mais eficaz no combate ao crime de colarinho branco, um tipo de crime que há duas décadas quase nem era investigado em Portugal.
Quando um antigo primeiro-ministro, o banqueiro mais poderoso de Portugal e gestores de grandes empresas são a acusados na operação Marquês; quando um ex-procurador aliciado por um banqueiro angolano e o advogado mais poderoso de Portugal responde em tribunal; e quando um dos juízes mais mediáticos é arguido num processo onde é suspeito de receber pagamento por sentenças; é um sinal de que as coisas estão diferentes e para melhor.
É um sintoma de que a Justiça está mais atenta e investiga os poderosos, que deixam de ter carta branca para costumados tráficos de influências e esquemas de corrupção.
Provavelmente nenhum político nos últimos 100 anos recebeu tanto dinheiro de luvas como as que se suspeitam que José Sócrates terá recebido enquanto primeiro-ministro, nem terá havido alguém a distribuir tanto dinheiro por uma teia de poderosos como Ricardo Salgado, nem há memória de algum magistrado ter um esquema da dimensão do que Rui Rangel é arguido.
Mas estes casos extraordinários não indiciam um aumento da corrupção.
Acreditar que antes havia menos corrupção, ou que nem havia, e que todos os servidores da causa pública eram homens bons interessados exclusivamente no bem comum, é simplesmente desconhecer a história e a cultura organizacional de um país em que a velha cunha se tornou uma instituição tolerada e aceite.
É a mesma cultura onde na administração pública se criaram dificuldades aos cidadãos e empresas para depois alguém em posições-chave vender facilidades, a troco de comissões.
Hoje a corrupção já é olhada com censura social e há um conjunto de mudanças que tornam possível seguir o rasto do dinheiro. Curiosamente, as leis contra o branqueamento dos capitais, destinadas a combater prioritariamente os crimes associados ao terrorismo e tráfico de droga, acabam por ser um instrumento precioso para apanhar os crimes de corrupção.
Curiosamente entre a acusação de Sócrates e os indícios contra o juiz desembargador Rangel há padrões comuns. O dinheiro passou por "barrigas de aluguer". Há uma rede de amigos e ex-mulheres que participaram no esquema. E este país é tão pequeno que a única decisão favorável a Sócrates em tribunais superiores teve a assinatura do juiz desembargador agora arguido na operação Lex.
Saldo positivo: baixa do desemprego
A redução das taxas oficiais do desemprego é a melhor notícia da economia portuguesa. A criação de emprego até é superior ao que os dados do PIB levariam a crer. Em termos europeus, Portugal é o terceiro país onde a taxa de desemprego mais caiu. De qualquer modo há ainda uma preocupação com a alta taxa de desemprego jovem, sendo elevada a percentagem de pessoas com menos de 30 anos que desperdiça as suas capacidades, uma vez que não trabalha, nem estuda.
Saldo negativo: encerramento da Ricon
O Tribunal de Comércio de Vila Nova de Famalicão decretou o encerramento da Ricon Industrial SA, depois de a assembleia de credores ter aprovado o relatório do administrador da insolvência, que apontava para o fecho daquela empresa. Este é uma tragédia que vítima mais de 600 trabalhadores de uma unidade industrial de referência, que produzia produtos de qualidade de marcas reconhecidas. A empresa fechou por erros dos accionistas e gestores.
Algo completamente diferente: a escolha polémica de Manuel Alegre
Manuel Alegre foi o escritor mais votado pela Academia de Ciências de Lisboa para candidato ao Nobel da Literatura. A escolha diz mais sobre o fraco conhecimento de literatura dos ilustres académicos do que do valor do poeta, um trovador de razoável obra nos anos de 1960. A menos que tentassem provocar um feito semelhante ao da atribuição do prémio a Bob Dylan, a escolha é no mínimo polémica, num país que tem António Lobo Antunes, ou até Gonçalo M. Tavares. Salvam a honra do convento da veneranda instituição os académicos que optaram pelo voto em Agustina.