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21 de Fevereiro de 2021 às 18:30

Resiliência ou desenrascanço

Temo bem que a pomposa denominação do Plano de Recuperação e Resiliência não seja mais do que uma nova versão dos planos a que já estamos habituados e que o método de trabalho venha a ser exatamente o mesmo de sempre: o do desenrascanço.

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Há uma década ninguém usava a palavra resiliência. Não fazia parte das conversas nem entrava nos discursos. Agora é o contrário. Serve para tudo e fica bem usá-la. Até na denominação dos planos. Parece evidente para todos que nos compete tentar superar as adversidades que surgem na vida de cada um. É desde logo uma atitude individual que pode, ou não, ser transportada para as organizações. Mas não é certo que tal aconteça sempre. Vejamos o nosso caso. Ultrapassar dificuldades é talvez o desporto mais praticado em Portugal. Sejam as que decorrem dos problemas que todos os dias nos acontecem em casa ou no emprego, sejam até as que resultam da própria lei. Quem nunca o tentou fazer que atire a primeira pedra.

A capacidade de resistir dos portugueses é conhecida e até historicamente comprovável desde o momento da sua fundação enquanto nação independente. Resulta normalmente da inspiração, da criatividade, da impreparação dos nossos adversários ou até, quando falta outra explicação melhor, da interceção de Nossa Senhora. Raramente, ou melhor, nunca, decorre de um aturado planeamento ou de uma estrutura organizada preparada para responder aos problemas. E quando verificamos ter conseguido finalmente ultrapassar um obstáculo que parecia intransponível ficamos surpreendidos. Nem nós próprios estávamos a contar consegui-lo. E daqui surgem heróis improváveis. Lembram-se do golo extraordinário do Éder? A partir daí assumimos como verdade absoluta que somos bons em tudo ou até, na expressão superlativa do Presidente Marcelo, que somos “os melhores dos melhores do mundo”. Extraordinária condição a de ter nascido português.

O orgulho nas idiossincrasias dos lusitanos não tem mal nenhum. Bem pelo contrário, confere até uma autoestima sempre útil em momentos, e não são poucos, em que parecemos estar quase a ceder à depressão. Mas convenhamos que não é por aqui que iremos conseguir resolver todos os nossos problemas enquanto comunidade. Juntar a nossa extraordinária criatividade à capacidade de planeamento, de traçar objetivos, de os calendarizar e de os cumprir faria de nós um povo ainda mais exemplar. Pena que só o consigamos fazer nos discursos de circunstância. Vamos agora, em cerca de 15 dias, discutir o Plano de Recuperação e Resiliência: recuperar Portugal construindo o futuro. Depois de quatro longos meses de trabalho, pretende agora o Governo auscultar a opinião pública e as entidades mais representativas da sociedade civil. O documento assenta em três dimensões: a resiliência, a transição climática e a transição digital. Até já são propostas medidas concretas que passam, fundamentalmente, por atirar dinheiro para cima dos problemas. Comprar autocarros limpos, aumentar a eficiência energética dos edifícios, distribuir computadores, formar 800 mil pessoas em “competências digitais”, alargar a rede de respostas sociais e de saúde em especial no interior, são alguns dos exemplos do que está em discussão pública.

Sabendo que o dinheiro que vai chegar, apesar de ser muito, não será sequer suficiente para tapar o buraco aberto pela pandemia, é bom perguntar se será mesmo assim que conseguiremos fazer a reforma da administração pública, de dotar o Estado de recursos que o habilitem a cumprir as suas funções essenciais, de reduzir a carga fiscal das famílias e das empresas incentivando a poupança e o investimento, de apostar na qualificação dos trabalhadores do setor público e privado e com isso aumentar de forma muito significativa os seus níveis de produtividade? Depois de tudo o que temos visto e dos vários “choques de modernidade” que a nossa economia já sofreu ao longo das últimas décadas, temo bem que a pomposa denominação do Plano de Recuperação e Resiliência não seja mais do que uma nova versão dos planos a que já estamos habituados e que o método de trabalho venha a ser exatamente o mesmo de sempre: o do desenrascanço.

 

É bom perguntar se será mesmo assim que conseguiremos fazer a reforma da administração pública?
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