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25 de Outubro de 2020 às 21:10

A reinvenção do trabalho

De que serve impor o aumento do salário mínimo quando muitas empresas não o vão conseguir pagar. Mas que bom seria que outras tantas empresas, não se agarrassem à fixação deste mesmo salário mínimo para pagar menos do que podem.

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Os sindicatos deixaram praticamente de se ouvir nestes terríveis meses de pandemia. Não será certamente por falta de razões para protestar. A instabilidade laboral, a fragilidade das empresas e os perigos que espreitam os trabalhadores, a quebra de rendimento das famílias seja por novas situações de desemprego ou por recurso ao "layoff", a incerteza sobre o futuro próximo em milhares de pequenas unidades empresariais que vivem da sua atividade diária e que não resistem a pequenos abalos de tesouraria, são apenas exemplos da turbulência que vive o mercado de trabalho.

 

Todos conhecemos casos de pessoas que, depois de tanto tempo passado, ainda estão em casa em teletrabalho ou, como é o caso de muitos funcionários públicos, aguardando que cheguem ordens para se apresentar no serviço onde ou nunca mais foram ou apenas comparecem de forma intermitente e escalonada. Num país em que o aumento da produtividade é condição fundamental para o desenvolvimento e para o aumento da riqueza, fácil será concluir que a nossa situação económica - do Estado, das empresas ou de cada um de nós - sofrerá um dano de consequências ainda difíceis de prever.

 

Recentemente o empresário mexicano Carlos Slim avançou em Espanha com algumas ideias sobre formas de enfrentar problemas que a pandemia acentuou. Combater o desemprego, as dificuldades das empresas ou o esforço brutal a que os cofres da segurança social estarão sujeitos, pode ser combatido com novas estruturas organizacionais mais simples e menos hierarquizadas, com novas jornadas de trabalho de 33 horas prestadas em apenas 3 dias por semana, na possibilidade de quem quiser recorrer a mais do que um emprego ou ainda no retardar da idade de reforma para depois dos 70 anos.

 

Estas ideias, ou outras de natureza idêntica, são obviamente mal acolhidas por todos quantos beneficiam de uma situação de estabilidade laboral. O problema é que isso provavelmente não vai ser possível continuar a assegurar durante muitos anos. E até o Estado, onde até hoje o emprego é garantido para toda a vida, terá de se adaptar a novos modelos organizativos. Remunerar o trabalho efetivamente prestado vai passar a ser mais relevante do que garantir o emprego. E num país que precisa das duas coisas, deveriam ser compensados todos os que o conseguissem fazer. Os trabalhadores deveriam ser beneficiados pelos acréscimos de produção e os empresários pela criação e manutenção de emprego. A fiscalidade, entre outros instrumentos de política orçamental, poderá ajudar a cumprir este objetivo.

 

Mas para que isto aconteça as mentalidades terão de mudar. A livre iniciativa e a possibilidade de escolher caminhos diferentes deverá ser discutida em todos os setores de atividade sejam públicos, privados ou associativos. Aceitar que sejam colocadas em causa algumas visões tradicionais de "conforto" e a irreversibilidade de alguns direitos tem de ser possível. Muitos dirão que lá estão os capitalistas abutres a falar. Pode ser até que, como sempre, haja quem se aproveite de forma imoral destes novos modelos. Mas a verdade é que não são medidas padronizadas e impostas de forma administrativa pelo Governo que resolvem os problemas. De que serve impor o aumento do salário mínimo quando muitas empresas não o vão conseguir pagar. Mas que bom seria que outras tantas empresas, não se agarrassem à fixação deste mesmo salário mínimo para pagar menos do que podem. A economia é dinâmica e precisa tanto de estímulos quanto de inovação e capacidade de assumir riscos. Só assim nascem e se consolidam empresas, só assim se criam empregos e riqueza. Está na hora de aceitar a mudança de paradigma. Antes que nos deixemos ficar ainda mais para trás.

 

Jurista

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