Opinião
Folha de assentos
Tempo quente, muitos alertas para outra tanta prevenção. As tragédias do ano passado ainda atormentam a memória. Replicaram-se na Grécia e espreitam novas oportunidades. O clima anda toldado. Também na política interna. Que o diga o Bloco de Esquerda, a braços com uma crise de imobiliário. E de credibilidade.
robles. Já muito foi dito sobre a atracção de Ricardo Robles pelo combate à especulação imobiliária. E mais ainda foi dito sobre a atracção de Ricardo Robles pela especulação imobiliária. A contradição é tão óbvia, tão flagrante, que o que ainda não se percebe é o porquê da demora da direcção do Bloco de Esquerda em constatá-la. "Um erro de análise", disse Catarina Martins na RTP3. O caso tem pouca análise. Entra pelos olhos dentro. Todos cometemos erros e o BE também. O que o caso Robles tem de mais relevante é que toca num ponto vital a que o Bloco parecia alheio. Não se misturam política e negócios, sobretudo quando o que se faz contraria tão cruamente o que se diz. Dificilmente, o BE se livra deste estigma. Até porque uma das principais razões de ser do partido passava pelo desmascaramento da ganância e dos privilégios. O caso Robles não chega para "fazer a folha" ao Bloco, mas que o enfraquece, enfraquece.
cogitações. O PS anseia por ficar sozinho. Não é fácil estar amarrado a compromissos com parceiros contraditórios. A dialéctica política supera paradoxos, mas é um exercício tão difícil como incerto. Ambição não falta ao PS. São curiosos os passos das últimas semanas. Com sondagens simpáticas e baixado o tom do protesto dos professores, o ministro das Finanças passou a mensagem de que a impaciência partidária leva ao populismo. Nem de propósito, um dos expoentes do Bloco de Esquerda foi apanhado nessas malhas. As pregações de Ricardo Robles contra a especulação imobiliária ganharam efeito boomerang e o BE começa a padecer dos mesmos vícios dos seus alvos. Por esses dias, já António Costa tinha preferido Jerónimo de Sousa a Catarina Martins se fosse condenado a uma ilha deserta… Tanto bastou para a "direcção máxima" dos socialistas anunciar no Público que, no futuro, não haverá acordos escritos com os actuais parceiros. O PCP já tinha dito o mesmo. E o PS já tinha prometido acordos, mesmo com maioria absoluta. Agora, dirigentes "ao mais alto nível" do PS apenas admitem compromissos se a maioria não passar de relativa. O PCP é o preferido ("mais seguro e mais fácil de negociar"). Mas é a maioria absoluta que alimenta as cogitações socialistas.
democracia. Aumenta o número dos que duvidam das virtudes da democracia. A revista Time fez capa, há poucas semanas, com as pedras da ágora democrática a desmoronarem-se, mas com um título esperançoso: "A democracia prevalecerá." O argumento é do almirante James Stavridis, que foi comandante supremo da NATO. Cita o índice de democracia da Economist, que aponta 2017 como o pior ano desde 2010, com o número de países cuja democraticidade caiu a ser o triplo daqueles em que aumentou. Em 2006, a Freedom House dizia que 46% da população mundial vivia em países com competição de política aberta, liberdades garantidas, uma sociedade civil forte e media independentes. Em 2018, esta percentagem baixou para 39%. Stavridis atribui a ascensão de líderes autoritários à dificuldade das democracias em lidar com as migrações, os desafios tecnológicos, o terrorismo e os mercados financeiros. Antídotos? Fortalecimento do papel das mulheres, redução das desigualdades económicas e uma educação que reforce o espírito crítico. Assim será possível ganhar a batalha da democracia.
geórgia. Quando o projecto europeu perde convicção e o populismo nacionalista ganha adeptos, noutras paragens olham para nós com interesse. A Geórgia é um país encaixado entre a Rússia, o Azerbaijão, a Arménia, a Turquia e o mar Negro. Dominada pelas montanhas do Cáucaso, é uma terra antiga de homens e culturas, mas com poucos anos de soberania. Celebra agora 100 anos de independência face ao império russo. Durou pouco. Em 1921, foi anexada pela União Soviética. Só há perto de 30 anos resgataram a soberania, na sequência do desmantelamento da URSS. A ameaça russa continua a pairar e o separatismo alimentado por Moscovo desagregou a Ossétia do Sul e a Abecásia, espinhos que os georgianos não esquecem e que, também por isso, estão na base das ligações à União Europeia e à NATO. Hoje, não apenas em Tbilissi, mas em boa parte das cidades, ao lado de uma bandeira da Geórgia há uma bandeira da UE. Por interesse e necessidade, mas também porque valorizam as suas feições culturais europeias, os georgianos procuram uma associação à União Europeia. Mesmo quando as forças desagregadoras ganham terreno é curioso constatar que o projecto europeu ainda tem tracção em paragens longínquas.
guerra. Janne Teller é uma escritora dinamarquesa, activista dos direitos humanos, com ascendência austríaca e alemã. Pertence a uma família de refugiados e imigrantes e, há 17 anos, escreveu um ensaio ficcionado intitulado "Se os Países Nórdicos estivessem em Guerra". O texto entrava num debate sobre os refugiados, que não fazia jus aos valores humanitários mais basilares. E, talvez por isso, em 2004 foi editado num formato de livro-passaporte com o título "Guerra". Publicado agora em Portugal (Bertrand Editora), no mesmo formato e com uma adaptação à nossa história, cultura e geografia, parte de várias interrogações: E se fosse aqui? E se Portugal estivesse em guerra, para onde ias tu? A guerra estava do nosso lado e a paz no Médio Oriente. Janne Teller vira do avesso a actual crise migratória e coloca-nos na pele de refugiados. Uma Europa em guerra e Portugal pelejando com Espanha e França. A ficção dinamarquesa poderia já estar obsoleta. Não está. Obsoleta parece a ideia de que todos os homens nascem iguais…
barata. Há livrarias que valem mais do que muitos monumentos. Transportam uma memória viva de identidades várias, recebem e valorizam as histórias de múltiplos imaginários, cruzam experiências e relações que nos fazem participar na cultura colectiva. As livrarias não são todas iguais. A verdade é que não abundam livrarias e são muito poucas as que escapam a um padrão indiferenciado. A Livraria Barata (Av. de Roma, Lisboa) é uma delas. Tem mais de 60 anos. António Barata, o seu fundador, foi um impulsionador da circulação de ideias e histórias nem sempre bem-vindas em Portugal. Foi alvo de perseguição da polícia política do salazarismo, mas soube sempre preservar a discrição e a confiança. A Barata tem muitas histórias. É participante activa no seu tempo, no seu bairro, empenha-se pelo debate público e é ponto de encontro de várias gerações. Interessa-se pelos livros e pelas pessoas que os procuram. Sabe cruzá-los com outras artes, com os jornais, um café ou um copo de vinho, em cima de uma calçada portuguesa. Algo raro na barafunda quotidiana. E que merece, como alvitrava um destes dias um dos seus responsáveis, ser ponto de visita para os muitos turistas que nos procuram. Afinal, nada melhor do que uma livraria para percebermos um país.
cogitações. O PS anseia por ficar sozinho. Não é fácil estar amarrado a compromissos com parceiros contraditórios. A dialéctica política supera paradoxos, mas é um exercício tão difícil como incerto. Ambição não falta ao PS. São curiosos os passos das últimas semanas. Com sondagens simpáticas e baixado o tom do protesto dos professores, o ministro das Finanças passou a mensagem de que a impaciência partidária leva ao populismo. Nem de propósito, um dos expoentes do Bloco de Esquerda foi apanhado nessas malhas. As pregações de Ricardo Robles contra a especulação imobiliária ganharam efeito boomerang e o BE começa a padecer dos mesmos vícios dos seus alvos. Por esses dias, já António Costa tinha preferido Jerónimo de Sousa a Catarina Martins se fosse condenado a uma ilha deserta… Tanto bastou para a "direcção máxima" dos socialistas anunciar no Público que, no futuro, não haverá acordos escritos com os actuais parceiros. O PCP já tinha dito o mesmo. E o PS já tinha prometido acordos, mesmo com maioria absoluta. Agora, dirigentes "ao mais alto nível" do PS apenas admitem compromissos se a maioria não passar de relativa. O PCP é o preferido ("mais seguro e mais fácil de negociar"). Mas é a maioria absoluta que alimenta as cogitações socialistas.
geórgia. Quando o projecto europeu perde convicção e o populismo nacionalista ganha adeptos, noutras paragens olham para nós com interesse. A Geórgia é um país encaixado entre a Rússia, o Azerbaijão, a Arménia, a Turquia e o mar Negro. Dominada pelas montanhas do Cáucaso, é uma terra antiga de homens e culturas, mas com poucos anos de soberania. Celebra agora 100 anos de independência face ao império russo. Durou pouco. Em 1921, foi anexada pela União Soviética. Só há perto de 30 anos resgataram a soberania, na sequência do desmantelamento da URSS. A ameaça russa continua a pairar e o separatismo alimentado por Moscovo desagregou a Ossétia do Sul e a Abecásia, espinhos que os georgianos não esquecem e que, também por isso, estão na base das ligações à União Europeia e à NATO. Hoje, não apenas em Tbilissi, mas em boa parte das cidades, ao lado de uma bandeira da Geórgia há uma bandeira da UE. Por interesse e necessidade, mas também porque valorizam as suas feições culturais europeias, os georgianos procuram uma associação à União Europeia. Mesmo quando as forças desagregadoras ganham terreno é curioso constatar que o projecto europeu ainda tem tracção em paragens longínquas.
guerra. Janne Teller é uma escritora dinamarquesa, activista dos direitos humanos, com ascendência austríaca e alemã. Pertence a uma família de refugiados e imigrantes e, há 17 anos, escreveu um ensaio ficcionado intitulado "Se os Países Nórdicos estivessem em Guerra". O texto entrava num debate sobre os refugiados, que não fazia jus aos valores humanitários mais basilares. E, talvez por isso, em 2004 foi editado num formato de livro-passaporte com o título "Guerra". Publicado agora em Portugal (Bertrand Editora), no mesmo formato e com uma adaptação à nossa história, cultura e geografia, parte de várias interrogações: E se fosse aqui? E se Portugal estivesse em guerra, para onde ias tu? A guerra estava do nosso lado e a paz no Médio Oriente. Janne Teller vira do avesso a actual crise migratória e coloca-nos na pele de refugiados. Uma Europa em guerra e Portugal pelejando com Espanha e França. A ficção dinamarquesa poderia já estar obsoleta. Não está. Obsoleta parece a ideia de que todos os homens nascem iguais…
barata. Há livrarias que valem mais do que muitos monumentos. Transportam uma memória viva de identidades várias, recebem e valorizam as histórias de múltiplos imaginários, cruzam experiências e relações que nos fazem participar na cultura colectiva. As livrarias não são todas iguais. A verdade é que não abundam livrarias e são muito poucas as que escapam a um padrão indiferenciado. A Livraria Barata (Av. de Roma, Lisboa) é uma delas. Tem mais de 60 anos. António Barata, o seu fundador, foi um impulsionador da circulação de ideias e histórias nem sempre bem-vindas em Portugal. Foi alvo de perseguição da polícia política do salazarismo, mas soube sempre preservar a discrição e a confiança. A Barata tem muitas histórias. É participante activa no seu tempo, no seu bairro, empenha-se pelo debate público e é ponto de encontro de várias gerações. Interessa-se pelos livros e pelas pessoas que os procuram. Sabe cruzá-los com outras artes, com os jornais, um café ou um copo de vinho, em cima de uma calçada portuguesa. Algo raro na barafunda quotidiana. E que merece, como alvitrava um destes dias um dos seus responsáveis, ser ponto de visita para os muitos turistas que nos procuram. Afinal, nada melhor do que uma livraria para percebermos um país.
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