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29 de Junho de 2018 às 15:53

Folha de assentos

Esta semana, Marcelo deu uma lição de História a Trump, levou-lhe cumprimentos de Putin e lembrou ao americano que temos o melhor jogador do mundo. Nem tudo é futebol. Longe dos holofotes, xenófobos de várias latitudes ganham terreno à civilização.

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imigrantes. Dizer que somos todos imigrantes não é apenas uma questão de solidariedade. É o reconhecimento da travessia de gerações e do que deveria ser o direito de todos fazermos do mundo o nosso mundo. A globalização prometeu-nos um mundo sem fronteiras e, de facto, pulverizou fronteiras. Não todas. Há muros que ficaram e muros que se reerguem todos os dias. Há quem pense que é possível fechar o mundo. E quem o esteja, de facto, a encerrar. Dizer que as identidades não contam ou que se devem esquecer é idiota. Talvez seja inteligente colocá-las em relação. Foi sempre assim que se acrescentou civilização e progresso. Hoje, na Europa e nos EUA, há medo e ódio à solta, políticos confundidos com guardas prisionais. Desde que há homens, deslocaram-se sempre para procurarem sobrevivência ou melhores condições de vida. Que há de novo? Nada. Ou melhor, há níveis mais elevados de egoísmo e frustração. E milhões de seres humanos que mudam de país todos os anos para fugirem à fome ou à perseguição. Há uma espécie de lepra que impede qualquer compromisso. Reclama-se o direito a fechar a porta, não o direito à esperança. E, no entanto, Europa e EUA nunca deixaram de precisar de imigrantes… 

europa. A fragmentação da UE é uma realidade que se está a aprofundar. Não pelas geometrias variáveis que se foram construindo, mas pela incapacidade de assegurar os fundamentos da própria UE. O euro criou um novo círculo, como Schengen ou a cooperação reforçada na Defesa. Uma vez que a Europa não se entende, apenas se divide, já não se estranha que a imigração ou a segurança vão criando novos grupos de países. Jean-Claude Juncker e Donald Tusk bem tentam encontrar compromissos... Merkel e Macron entendem-se para a construção de um Orçamento comum, mas nem por isso congregam os restantes. E falamos de algo básico numa União, que o não é. A França quer mais Europa empenhada na Defesa. E, por isso, acaba de criar a Iniciativa Europeia de Intervenção, uma estrutura que integra chefias militares de 9 países, entre os quais Portugal. A desmultiplicação de cooperações e integrações não seria problemática se não estivessem a ruir fundamentos básicos do projecto europeu. Cresce o músculo aos autocratas enquanto definham liberdades e solidariedade. Quisesse a Europa salvaguardar o essencial. Sem ele não há construções que valham a pena. 

autocratas. A Economist dissertava há dias sobre como os homens fortes subvertem a democracia. Quatro rostos na capa: Viktor Orbán (Hungria), Recep Erdogan (Turquia), Rodrigo Duterte (Filipinas) e Vladimir Putin (Rússia). O friso servia para ilustrar o declínio democrático. Dados de 2017, da Freedom House, apontam para uma regressão democrática pelo décimo segundo ano consecutivo. Não se trata apenas da existência de eleições, mas de outras condições: pluralismo, imprensa livre, separação de poderes, aquilo que costumamos associar a uma democracia liberal. O triunfo eleitoral do "hiper-presidente" Erdogan no fim-de-semana, em que concentrou poderes executivos e passou a nomear juízes, tem pontos comuns com a trajectória de outros líderes. A revista identifica quatro passos: 1 - uma situação de crise proporciona a eleição de um líder carismático; 2 - o líder identifica inimigos, pretexto para aumentar os seus poderes; 3 - reduz os poderes das instituições que se lhe poderiam opor; 4 - altera as regras para que seja mais difícil aos eleitores destroná-lo. A subversão dos valores humanistas e da democracia está em curso. É preciso defender o estado de direito, as instituições e a liberdade de imprensa. Em campanhas condicionadas e sem o escrutínio devido, não chegam as mesas de voto. 

ocidente. "A Queda do Ocidente? Uma Provocação" (Bertrand Editora) é o título de um pequeno ensaio publicado este mês. O autor é Kishore Mahbubani, um académico de Singapura, perito em assuntos asiáticos e antigo embaixador na ONU. O ponto de partida é a constatação de que entre o ano 1 e o ano de 1820 as maiores economias foram a China e a Índia e que os últimos 200 anos, dominados pela Europa e os EUA, serão uma anomalia histórica. A provocação é simples: quererá o Ocidente "levantar a cabeça, deixando de se centrar somente nos seus conflitos internos"? Ou, em vez disso, acelerar a sua irrelevância e desintegração? Mahbubani diz que não é inevitável que seja a China a liderar o mundo, mas que é inevitável que se torne a maior economia. E conclui: "Seria trágico se o Ocidente se transformasse no principal instigador de agitação e incerteza no período mais promissor da nossa história. Se tal viesse a acontecer, os historiadores vindouros ficariam intrigados com o facto de a civilização mais bem-sucedida de sempre ter sido incapaz de aproveitar a maior oportunidade alguma vez apresentada à humanidade". Há um ano, Merkel terá avisado Trump de que a saída dos EUA do Acordo de Paris entregaria a liderança mundial à China. Se Trump tivesse grandeza… 

claques. A queda de Bruno de Carvalho da liderança do Sporting surpreendeu muita gente, incluindo o próprio. O homem que tinha sido reeleito com cerca de 90% dos votos não pensava decerto que esse apoio se esfumaria tão rapidamente. Há um paralelo imperfeito com o poder político. Bruno de Carvalho começou por cativar as claques, viveu nelas, e espreitou a sua oportunidade. Não foi à primeira, mas à segunda o clube rendeu-se ao homem ambicioso, de verbo fácil, que prometia lutar contra tudo e contra todos para devolver a glória ao Sporting. Ganhou os sócios contra uma elite - os tais "viscondes". Adoptou uma agenda típica de autocratas e populistas: de um lado o reforço identitário, os adeptos acima de todas as coisas; do outro, os inimigos que é preciso combater todos os dias. Também ele quis alterar as regras, alargar o seu poder e diminuir o dos opositores (antigos, actuais ou potenciais). Tudo parecia correr de feição até que a frustração do fracasso conduziu a acertos de contas que ultrapassaram todos os limites. Por vezes, os mesmos que, por acção ou omissão, concedem todo o poder também se revoltam contra a "má moeda". Finalmente, o presidente dos sócios percebeu que era apenas líder das claques. 

desafeição. Ao contrário do que dizem os seus detractores, Rui Rio tem vindo a demonstrar pensamento estruturado em algumas matérias. O exemplo mais acabado foram as propostas para a natalidade. O problema é que é pouco. As investidas na justiça ou na saúde ficaram por périplos e debates até agora inconsequentes. Mas o pior não tem sido isso. É a desafinação dos seus dirigentes e a desarticulação com a bancada parlamentar. Seja na questão dos professores, dos combustíveis ou do próximo Orçamento do Estado, é difícil conceber maior desconcerto. Nas raras matérias em que ensaia respostas aos problemas que afloram no espaço público as contradições sucedem-se. Há uma dissonância continuada com o grupo parlamentar, que não tem merecido esforços de aproximação. As jornadas parlamentares foram mais um exemplo de desafeição. Líder há seis meses, Rui Rio está ainda longe de se ter afirmado. Mudou o rumo ao partido, fez tréguas com o Governo socialista, apresentou algumas propostas, foi ao encontro do País, mas cuidou pouco do PSD. O País é mais importante do que o partido - como gosta Rio de citar Sá Carneiro -, mas sem discurso afinado e dinâmica partidária o País terá dificuldade em reconhecer-se no PSD. Rio faz o seu caminho. Por enquanto, espera que António Costa falhe. 


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