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António José Teixeira 23 de Março de 2018 às 13:00

Folha de assentos

Talvez um algoritmo ajudasse Rui Rio a afinar a dinâmica do PSD. Ou talvez não. A tecnologia possibilita manipulações políticas nunca vistas. Poderosos "big brothers" preocupam-se connosco. Quereremos preocupar-nos com os senhores das redes? E com o rasto que deixamos?

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dados. Já sabíamos que o Facebook recolhe cerca de uma centena de tipos de dados sobre cada um dos 2 mil milhões de utilizadores. Que faz com eles? Organiza-os para personalizar todo o tipo de mensagens que pressupostamente nos devem interessar. E vende-os. Há muito se suspeitava de usos indevidos destes dados privados, como se sabia da utilização de perfis pessoais para disseminar propaganda e informação falsa. O que veio a público com o roubo de 50 milhões de perfis de utilizadores do Facebook, utilizados pela Cambridge Analytica para fins políticos nas eleições americanas e no Brexit, apenas demonstra as capacidades de manipulação que os algoritmos e as redes sociais permitem. Não sem o auxílio das designadas ciências comportamentais. A Cambridge Analytica combina testes de personalidade com dados recolhidos nas redes e produz perfis psicográficos. Chegam a dispor de cerca de 5000 dados de cada eleitor, a partir do cruzamento de testes de personalidade com dados de consumo, likes no Facebook e actividades associativas e políticas. Ferramentas poderosas de comunicação personalizada mas, sobretudo, armas de manipulação, por enquanto indomáveis.

czar. Que ganhou Vladimir Putin com as eleições que o reconduziram, pela quarta vez, como Presidente da Rússia? Ganhou um recorde de votos, reforçou a sua liderança interna e a sua política expansionista (as eleições realizaram-se no exacto dia em que passavam quatro anos da anexação da Crimeia) e, sobretudo, fez saber ao mundo que deve ser visto como um sucessor dos czares. A Rússia é o maior país. Todos os russos têm consciência disso. A grandeza da mãe Rússia é identitária e, por mais debilidades que apresente, Putin nunca abdicou de pensar e agir como se nunca tivesse deixado de ser um império. Não é uma potência económica, mas continua a ser uma potência militar, senhora de uma história e de uma capacidade de influência poderosas. Não é decerto o melhor exemplo democrático, como o processo eleitoral voltou a comprovar, mas é um protagonista imprescindível no xadrez mundial. O que não quer dizer que lhe devam ser toleradas as manobras de intoxicação com que tem fragilizado as redes democráticas ocidentais. Hoje, os mísseis russos mais perigosos são as operações de sabotagem informativa. Os opositores internos de Putin chamam-lhe "tecnologia política". Cuidado!

dificuldade. Os tempos vão difíceis para Rui Rio e o PSD. No contexto económico e político a que chegámos, não poderiam ser fáceis. A paralisia e o vazio em que Passos Coelho colocou o partido, a recusa em virar a página de frustração da perda do poder, a inexistência de uma agenda alternativa e o contraponto positivo que a governação socialista conseguiu, tudo conjugado, tornaria sempre problemática a tarefa da oposição. Ou seja, a questão actual não é a dificuldade da tarefa, mas os contributos de Rui Rio para a agravar. Algumas das suas escolhas para a direcção do partido, independentemente da polémica, afastam-se do perfil de exigência que gosta de exibir. O caso Feliciano Barreiras Duarte não é excepção. E o esforço de unidade, encerrada a disputa interna, ficou muito aquém do necessário. Acresce que falta iniciativa, faltam ideias-força. Sei que é preciso estudar antes de falar, mas que impede Rui Rio de partir ao encontro dos portugueses, de os ouvir? As coisas não estão a correr bem, como disse Castro Almeida, vice-presidente do PSD.

tolerância. Os 50 anos da comunidade islâmica de Lisboa juntaram na Mesquita Central da capital boa parte dos representantes políticos e sociais portugueses. Além do lado protocolar, a presença de um leque tão alargado de personalidades é reveladora de uma convivência inter-religiosa assinalável. A globalização que as navegações portuguesas trouxeram ao mundo ajudou a colocar-nos na charneira da diversidade de povos, etnias, culturas e religiões. O que não quer dizer que, em Portugal, não existam casos de intolerância étnica e religiosa. Existem. Ainda assim, como assinalou António Guterres na cerimónia da comunidade islâmica, essa intolerância não penetrou a esfera político-partidária, o que é raro no contexto internacional. Ao contrário, por exemplo, do ministro alemão do Interior, que rejeitou que o Islão pertencesse à Alemanha, o Presidente português disse que "o Islão faz parte da alma portuguesa". Mesmo que todas as religiões comportem radicalismos perniciosos - e comportam -, a resposta racional é prevenir o conflito, não permitir que as crenças se convertam em ódio e alimentem a guerra. Há História suficiente para evitar tamanho e cruel erro. Haverá consciência?

sarampo. A evolução da ciência tem andado a par do progresso da civilização. A vacinação tem sido uma arma decisiva de combate a doenças contagiosas, que causaram e causam danos significativos. No mundo subdesenvolvido têm sido feitas grandes campanhas de vacinação para diminuir ou erradicar doenças mortíferas, como a varíola. Salvou-se assim a vida de milhões de pessoas. No mundo mais desenvolvido, habituado a níveis de saúde pública mais elevados, desleixou-se a vacinação e desenvolveram-se mesmo teses exóticas sobre a sua inutilidade. No ano passado e neste, surgiram surtos de sarampo com origens externas, mas com especial incidência em instalações e pessoal hospitalares. Verificou-se, com surpresa, que há muitos profissionais de saúde que não se vacinam. Seria o suficiente para ouvirmos recomendações claras para a vacinação geral, em particular dos técnicos de saúde. Não é o que temos ouvido. O bastonário dos médicos devia ser o primeiro a exigi-lo, mas não tem sido claro na mensagem. Impressiona que os profissionais de saúde não dêem o exemplo.

chuva. Alice Vieira tem um novo livro de poesia. Chama-se "Olha-Me como Quem Chove", título retirado de um verso de Ruy Belo. É um livro de memórias, de memórias íntimas, de esperas, cafés, amores e desencontros, de sonhos e de medos:
"… e agora acordo todas as madrugadas / com o ruído do teu silêncio / e não sei onde / pousar o medo"
Mais à frente:
"… por favor / não atravesses a rua / (ou a vida tanto faz) / com madrugadas contagiadas / de medo"
Alice Vieira tem várias dezenas de livros publicados, muitos infanto-juvenis. Não tem muitos de poesia. Este é o quarto. "Olha-Me como Quem Chove" é um livro íntimo e límpido, carregado de vida e alguma melancolia. Palavras erguidas e certeiras com que tem lutado toda uma vida. A ler.


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