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09 de Março de 2018 às 13:00

Folha de assentos

O centro costuma ser um lugar geométrico, mais do que um espaço político. Difícil de definir e, no entanto, é por aí que se costuma decidir o poder, a governação. Por cá, o centro parece forte, na Alemanha é tão esmagador que pode não ser bom augúrio, em Itália desapareceu.

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todos. Assunção Cristas vai este fim-de-semana tentar convencer os militantes do CDS de que o partido tem todas as possibilidades de alargar o seu eleitorado. O seu exemplo nas autárquicas de Lisboa é o grande troféu com que se apresenta em Lamego. Replicar no resto do País o que fez num concelho é o caminho traçado. Isto envolve autonomia estratégica face ao PSD, poder de iniciativa/oportunidade e combate permanente ao Governo. Cristas quer criar a impressão de que é ela que lidera a oposição. Os meses de vazio deixado pelo PSD abriram-lhe muito espaço e alguma ilusão. A sobre-exposição a que se submete tenta dissimular a pequena implantação do partido. Mas não lhe faltam ânimo e vontade para que o CDS deixe de ser visto como o partido dos ricos, dos patrões ou dos quadros, mas o partido de… todos. Um verdadeiro partido catch-all, como se chamava aos partidos que depois da II Guerra surgiram cheios de pragmatismo e pouca ideologia. O problema - antigo - é que o exemplo de partido catch-all português é o PSD. É verdade que o voto útil perdeu apelo e Rui Rio corre riscos com o recentramento do seu partido, mas a direita só funcionou em vasos comunicantes a favor… do PSD. Lisboa foi a excepção. Ou a viragem?

centro. As geografias político-partidárias já conheceram referências mais estáveis e consensuais. Estar à direita ou à esquerda depende muito de onde se coloca o localizador e do lastro ideológico que transporta. O centro foi sempre visto como um lugar mais geométrico do que político. Contudo, associou-se a ideias de moderação e de equidistância. Em Itália, a geografia partidária sofreu enormes transformações nas últimas décadas. Desfeitos os grandes partidos tradicionais, como a Democracia Cristã, de Andreotti, o Partido Comunista, de Berlinguer, o Partido Socialista, de Craxi, ou o MSI, de Fini, as forças que se têm apresentado a sufrágio eleitoral ou reciclam heranças ideológicas, ou cavalgam temores e frustrações conjunturais, ou são meros suportes a personalidades egocêntricas. O que saiu das eleições de domingo foi uma absoluta derrota dos moderados. Ou do que restava deles. Ganharam, sem maioria, um movimento populista, o 5 Estrelas, de Luigi Di Maio, e uma coligação de direita/extrema-direita, liderada por Matteo Salvini. Por aqui passará, não se sabe como, o novo poder italiano. Não vale a pena é falar de centro-direita ou centro-esquerda. Perdeu-se o centro, o que quer que pudesse ser esse espaço de moderação.

coligação. Na Alemanha, chamam-lhe "grande coligação". Por aqui, talvez lhe chamasse "bloco central". Depois de cinco meses de espera, Berlim volta à fórmula de 8 dos últimos 12 anos: uma coligação entre democratas-cristãos e sociais-democratas. As reacções dos europeístas são boas. Em contraponto ao cenário eleitoral italiano, a Alemanha garante estabilidade. Pelo menos, no curto-prazo. Mas há efeitos perversos. A indiferenciação do centro erodiu o SPD, a segunda força eleitoral, bem visível nas últimas eleições. Por isso, tinha prometido não voltar à "grande coligação". Diz a experiência histórica que estas coligações entre centro-direita e centro-esquerda favorecem os partidos que se situam nas pontas. É por isso que a "grande coligação" pode não ser uma grande ideia nem para a Alemanha nem para a Europa. Como defende Timothy Garton Ash, havia uma alternativa: um governo minoritário de Merkel, que nos grandes temas teria decerto o apoio de outros partidos. Seria um governo incerto, porventura instável, mas que teria uma alternativa forte, permitindo a renovação do SPD. As últimas sondagens mostram a Alternativa pela Alemanha (AfD), ou seja, a extrema-direita populista, à frente do SPD. É essa a alternativa? No Parlamento, liderará a oposição. Preocupante.

pagar. A desregulamentação do trabalho é uma tendência que a globalização económica trouxe e que está a degradar a dignidade dos trabalhadores e do próprio trabalho. Há exemplos recentes que nos interrogam sobre os valores que importa prezar. Empresas de distribuição de comida ao domicílio através de plataformas digitais cobram a quem executa as tarefas. Cobram o preço das mochilas e cobram taxas por distância percorrida ou por períodos de tempo de prestação de serviços. Estes designados precários digitais, embora o pedalar das bicicletas tenha pouco de digital, não são considerados trabalhadores destas empresas, serão trabalhadores independentes que têm de pagar para trabalhar para estas plataformas. A economia contemporânea está a mudar há muito e a natureza do trabalho também. A concorrência faz-se sobretudo pelo preço. Esmagam-se todas as margens, incluindo o preço do trabalho. E faz-se, não raro, concorrência desleal aos que cumprem as regras e são maus prestadores de serviços, mas também aos que cumprem e são bons prestadores. Pagar para trabalhar, não.

tanto. Há uma semana, titulava o Expresso: "SNS nunca fez, recebeu e ficou a dever tanto". A síntese, imperfeita, é ainda assim uma aproximação à realidade: mais consultas, mais despesa, mais dívidas e mais descontentamento. A saúde é o grande calcanhar de Aquiles do País. A nossa esperança de vida está ao nível dos países mais desenvolvidos, mas chegamos lá mais doentes. As dificuldades em melhorar o Serviço Nacional de Saúde são muitas e complexas. Deficiências de gestão, pouco planeamento, pouca prevenção, poucos cuidados continuados, subfinanciamento, tempos de espera elevados, um modelo desajustado às necessidades da população… Podemos exibir as melhorias da "produção" (palavrão que deveria ser eliminado do léxico da saúde, mesmo da economia da saúde), mas faltam respostas nos vários níveis de prestação de cuidados. O desenho estrutural do SNS carece de revisão e deve ser ponderado o que aí queremos investir/gastar dos nossos impostos. É verdade que a despesa anual do SNS tem vindo a aumentar, mas representa uma fatia menor do que já foi em termos de percentagem do PIB. Temos de ir além da emergência na discussão pública. Até o PS exige mais esforço ao Governo.

mapa. "Temos o trilho. Falta-nos o mapa". Álvaro Lapa andou, porventura o tempo todo, em busca do mapa, do seu mapa, do nosso mapa. A pintura e a escrita foram os territórios onde procurou sentidos, razões, ligações e rupturas. Temos trilhos, andamos, mas o sentido geral da deriva é o desafio que a vida nos coloca. E também a arte. Álvaro Lapa cultivou vários campos como professor, pintor, poeta e filósofo. Deixou marcas abundantes que merecem ser vistas e lidas com atenção. Na Fundação de Serralves, no Porto, está patente a mais completa retrospectiva da sua obra. Cerca de 300 trabalhos evidenciam um trabalho difícil de catalogar, mas rico de expressão e de interpelações. Lapa nasceu em Évora e tornou-se uma das figuras mais importantes da pintura portuguesa do século XX. A exposição de Serralves - "Álvaro Lapa: No tempo todo" - é mais do que um trilho, talvez seja um mapa. A descobrir.


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