Opinião
Folha de assentos
De ódio e tolerância se fazem os dias. Por cá, a política abre portas de diálogo, mesmo que a contestação ao Governo não abrande. O PSD de Rui Rio é frágil, mas quer entrar em jogo. Pode perturbar a já instável relação do PS com os seus parceiros à esquerda, mas valoriza o papel central de António Costa. Entretanto, destila-se ódio no futebol português.
diálogo. O principal partido da oposição entrou, finalmente, em jogo. Dois anos depois, virou a página. O PSD passou do "não contem connosco", de Passos Coelho, para a disponibilidade de Rui Rio para o "diálogo". É uma mudança significativa. A colaboração poderá não chegar muito longe, mas revela uma atitude de afirmação positiva. Dois dias depois do Congresso, o líder do PSD reúne-se com o primeiro-ministro e diz que estiveram a tratar "do que possa consubstanciar políticas positivas". A descentralização e os fundos comunitários são as duas primeiras áreas e já há interlocutores dos dois lados. Seguir-se-ão a justiça e a Segurança Social. E na Segurança Social, Rio sossegou os inquietos: "Nunca estará em causa qualquer alteração à situação presente." A aproximação do PSD ao PS é interessante para António Costa, valoriza a sua posição central, mas coloca-lhe novos problemas na relação com os seus parceiros à esquerda. Os compromissos são parciais e deixam em aberto outras possibilidades e outras contestações. Em qualquer caso, um novo tempo político.
populista. Os dirigentes dos clubes de futebol tendem a ser mais gestores de paixões do que responsáveis desportivos. O problema é quando não olham a meios para manipularem paixões e as colocarem ao serviço do seu poder pessoal. É o caso de Bruno de Carvalho. A violência do seu discurso costuma ser dirigida aos clubes adversários, à arbitragem, às organizações do futebol. Agora, não poupa os seus correligionários de clube. Não está em causa a liberdade de contestar quem quer que seja, mas a intolerância, a prepotência que exibe, a violação de elementares direitos de expressão e de informação, a exacerbação do eu, a anulação do outro, o exemplo antidesportivo e a violência que estimula. Não é pouco e não pode merecer o desconto e a indiferença habituais. Os grandes clubes têm muito poder, mas este não deve atemorizar as instituições a quem cabe zelar pelos direitos, liberdades e garantias, nem as que são responsáveis pelo "fair-play" desportivo. Bruno de Carvalho assume-se populista. Um populista apoiado pela maioria esmagadora dos sócios. Típico e legítimo. Não é o primeiro nem será o último. Não é um problema de cor clubística. É de civilização. E da exigência que soubermos e quisermos ter.
amado. António Guterres foi doutorado honoris causa pela Universidade de Lisboa. Uma homenagem da universidade onde estudou Engenharia (Instituto Superior Técnico) ao "governante nacional porventura mais consensualmente amado desde sempre em democracia, além das paixões de uns e das malquerenças de outros que rodearam tantos dos demais", disse na ocasião o Presidente da República. Sintomático que este elogio seja de Marcelo, ele que foi líder da oposição a Guterres quando este era primeiro-ministro. Mas não foi distinguido apenas o governante, também o foi "a personalidade de longe mais qualificada" da sua geração, o "universitário maduro" e o líder "inventivo e empenhado de movimentos cívicos e plataformas de entendimento". Nestas alturas, e depois do trajecto percorrido, é compreensível que se carregue nos elogios. Em qualquer caso, mesmo que não tenha sido o melhor governante, Guterres é decerto o mais preparado e esclarecido e o que deu mostra de maiores preocupações sociais. Um humanista que nos orgulha.
corrida. É tempo de acabarmos com as proclamações e de sermos consequentes. O que se passa com as alterações climáticas, bem visíveis entre nós, não pode ficar pelos discursos bem-intencionados, por conferências preocupadas, por denúncias vigorosas; falta acção, concertação, planos de contingência e de transformação, calendários a cumprir. António Guterres podia ter ficado pelas notas pessoais na homenagem académica em Lisboa. Aproveitou o palco para nos confrontar com a passividade: "As alterações climáticas são a maior ameaça colectiva do planeta e continuam a andar mais depressa do que nós próprios." Diz o secretário-geral da ONU que o mundo "corre o risco de perder a corrida" face à aceleração das alterações climáticas, que "falta ambição suficiente para aplicar os Acordos de Paris e para assumir que estes compromissos não são suficientes". A interpelação tem vindo a ser repetida sem resultados visíveis. Nós, por cá, tardamos a encontrar melhores formas de gestão da água e do território.
matança. Há poucos dias, na Florida, um jovem descarregou 100 tiros e matou 17 pessoas, a maioria adolescentes. É mais uma tragédia a somar a outras, numerosas e similares. Há cinco anos, outro jovem entrou numa escola primária do Connecticut e matou 20 crianças. Obama e muitos americanos emocionaram-se, pediram-se medidas, mas nada aconteceu. O direito à posse de arma é tido por intrínseco à condição de americano. Encarna o antepassado conquistador, o caçador e também o responsável pela sua segurança. Dados oficiais indicam que os EUA terão cerca de 40% das armas de uso civil no mundo. Se tivermos em conta que a sua população representará apenas 5%, a proliferação de armas é brutal. Dizem os observadores que a cada tragédia sucede uma sequência: primeiro, uma comoção e incredulidade generalizadas e, depois, o crescimento da venda de armas. Ou seja, a resposta à matança é a compra de mais e mais armas. Há mesmo quem pense que a defesa das escolas deve ser feita com armas nas salas de aula… No caso de Trump, a primeira resposta foi culpar o FBI. O Congresso tem sido imune a qualquer ideia de restrições às armas. O lóbi das armas é o mais poderoso da América. A matança, uma inevitabilidade.
memória. Dois livros editados por estes dias cruzam desencontros e merecem (re)leitura. Um é recente e conta a história de uma mulher que um dia descobre que é neta de Amon Goth, o comandante nazi do campo de Plaszów, sanguinário celebrizado pelo filme "A Lista de Schindler", de Spielberg. Chama-se "Amon - O meu avô podia ter-me matado" (20|20 editora). A neta e autora é Jennifer Teege. Alemã, de origem nigeriana, criada num orfanato e adoptada aos 7 anos, manteve contacto com a família biológica, mas nem a mãe nem a avó lhe contaram o seu passado. Negra, viveu e estudou em Israel, antes de conhecer a identidade do avô. O livro documenta essa busca da sua história. O outro livro é mais antigo. Foi o último de Primo Levi e conclui agora a reedição que a D. Quixote fez da sua obra. "Os que Sucumbem e os que se Salvam" resgata a memória do Holocausto, que o judeu italiano Primo Levi sofreu em Auschwitz. Nos anos 80, sentiu que essa memória se estava a perder e por isso voltou a reflectir sobre o mal, a natureza do homem, o que o separa do monstro, como se ligam carrascos e vítimas, como se esquece e se pode regressar à barbárie. Dois livros fundamentais num tempo em que o ódio ganha novas formas de expressão.
populista. Os dirigentes dos clubes de futebol tendem a ser mais gestores de paixões do que responsáveis desportivos. O problema é quando não olham a meios para manipularem paixões e as colocarem ao serviço do seu poder pessoal. É o caso de Bruno de Carvalho. A violência do seu discurso costuma ser dirigida aos clubes adversários, à arbitragem, às organizações do futebol. Agora, não poupa os seus correligionários de clube. Não está em causa a liberdade de contestar quem quer que seja, mas a intolerância, a prepotência que exibe, a violação de elementares direitos de expressão e de informação, a exacerbação do eu, a anulação do outro, o exemplo antidesportivo e a violência que estimula. Não é pouco e não pode merecer o desconto e a indiferença habituais. Os grandes clubes têm muito poder, mas este não deve atemorizar as instituições a quem cabe zelar pelos direitos, liberdades e garantias, nem as que são responsáveis pelo "fair-play" desportivo. Bruno de Carvalho assume-se populista. Um populista apoiado pela maioria esmagadora dos sócios. Típico e legítimo. Não é o primeiro nem será o último. Não é um problema de cor clubística. É de civilização. E da exigência que soubermos e quisermos ter.
corrida. É tempo de acabarmos com as proclamações e de sermos consequentes. O que se passa com as alterações climáticas, bem visíveis entre nós, não pode ficar pelos discursos bem-intencionados, por conferências preocupadas, por denúncias vigorosas; falta acção, concertação, planos de contingência e de transformação, calendários a cumprir. António Guterres podia ter ficado pelas notas pessoais na homenagem académica em Lisboa. Aproveitou o palco para nos confrontar com a passividade: "As alterações climáticas são a maior ameaça colectiva do planeta e continuam a andar mais depressa do que nós próprios." Diz o secretário-geral da ONU que o mundo "corre o risco de perder a corrida" face à aceleração das alterações climáticas, que "falta ambição suficiente para aplicar os Acordos de Paris e para assumir que estes compromissos não são suficientes". A interpelação tem vindo a ser repetida sem resultados visíveis. Nós, por cá, tardamos a encontrar melhores formas de gestão da água e do território.
matança. Há poucos dias, na Florida, um jovem descarregou 100 tiros e matou 17 pessoas, a maioria adolescentes. É mais uma tragédia a somar a outras, numerosas e similares. Há cinco anos, outro jovem entrou numa escola primária do Connecticut e matou 20 crianças. Obama e muitos americanos emocionaram-se, pediram-se medidas, mas nada aconteceu. O direito à posse de arma é tido por intrínseco à condição de americano. Encarna o antepassado conquistador, o caçador e também o responsável pela sua segurança. Dados oficiais indicam que os EUA terão cerca de 40% das armas de uso civil no mundo. Se tivermos em conta que a sua população representará apenas 5%, a proliferação de armas é brutal. Dizem os observadores que a cada tragédia sucede uma sequência: primeiro, uma comoção e incredulidade generalizadas e, depois, o crescimento da venda de armas. Ou seja, a resposta à matança é a compra de mais e mais armas. Há mesmo quem pense que a defesa das escolas deve ser feita com armas nas salas de aula… No caso de Trump, a primeira resposta foi culpar o FBI. O Congresso tem sido imune a qualquer ideia de restrições às armas. O lóbi das armas é o mais poderoso da América. A matança, uma inevitabilidade.
memória. Dois livros editados por estes dias cruzam desencontros e merecem (re)leitura. Um é recente e conta a história de uma mulher que um dia descobre que é neta de Amon Goth, o comandante nazi do campo de Plaszów, sanguinário celebrizado pelo filme "A Lista de Schindler", de Spielberg. Chama-se "Amon - O meu avô podia ter-me matado" (20|20 editora). A neta e autora é Jennifer Teege. Alemã, de origem nigeriana, criada num orfanato e adoptada aos 7 anos, manteve contacto com a família biológica, mas nem a mãe nem a avó lhe contaram o seu passado. Negra, viveu e estudou em Israel, antes de conhecer a identidade do avô. O livro documenta essa busca da sua história. O outro livro é mais antigo. Foi o último de Primo Levi e conclui agora a reedição que a D. Quixote fez da sua obra. "Os que Sucumbem e os que se Salvam" resgata a memória do Holocausto, que o judeu italiano Primo Levi sofreu em Auschwitz. Nos anos 80, sentiu que essa memória se estava a perder e por isso voltou a reflectir sobre o mal, a natureza do homem, o que o separa do monstro, como se ligam carrascos e vítimas, como se esquece e se pode regressar à barbárie. Dois livros fundamentais num tempo em que o ódio ganha novas formas de expressão.
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