Opinião
Pedro Romano
A ideia de Agustina traz-me assim algum conforto, como se o Pedro participasse de um outro mundo, estivesse destinado a partir assim, deixando uma auréola de inacabado, uma bruma de mistério, um espaço por preencher.
A morte de um génio deixa atrás de si uma auréola de inacabado, uma bruma misteriosa. Foi a esta ideia de Agustina que regressei quando soube da morte do Pedro, como quem busca um consolo, uma compensação, tentando reagir a esta desfaçatez do destino, a esta trémula noção de que nos podem arrancar quem tudo tem para ser tudo.
Porque o Pedro era genial, brilhante, não nos iludamos nem temamos as palavras. Havia nele uma predisposição para a verdade, um singular e velocíssimo trajeto entre a pergunta e a resposta certas, uma capacidade reveladora, de quem ilumina. Nisso consistia o seu génio, rigoroso, depurado: ver logo, ver tudo, antecipar, avisar, alertar.
Era uma genialidade saturnina, não tanto humilde. Não havia nele uma fuga, um desmerecimento, como quem não sabe ou não quer ou não valoriza o que tem. Era antes uma escolha pura, solitária, como quem decide viver o seu talento, confundir-se nele, ensimesmando-se, bastando-se sem reconhecimento.
Não teve sorte nesse movimento, porque o seu brilho revelava-se com frequência, era-nos oferecido uma e outra vez, inevitável. Mesmo o sentido de humor, para onde ele nos desviava, ludibriando, não era senão uma manifestação outra dessa superioridade. Queria distrair-nos do génio recorrendo ao humor e a única coisa que conseguia era render-nos ao génio pelo humor, duas faces de uma mesma moeda, uma confirmando a outra.
Fui ensinado desde criança a respeitar a genialidade, a reservar e a guardar os momentos em que me cruzo com ela, quase como se estivesse num museu, abismado à frente de um quadro, e lembro-me por isso do dia em que percebi estar perante uma mente brilhante, o dia em que me sentei, pequeno, a admirar, sortudo, aquele talento.
Trabalhei vários anos com o Pedro, assim que ele saiu do Jornal de Negócios, aceitando a proposta que eu e o João Almeida então lhe fizemos para vir trabalhar connosco no grupo parlamentar do CDS. Era a pessoa certa para o que queríamos, disseram-nos. Um dia, logo no começo, ele antecipou tudo o que seria dito pelo governo e pela oposição, distribuindo cenários e argumentos e contra-argumentos, prevendo ademais o que sucederia no futuro. Acertou em tudo, em cheio, como acertaria sempre. Era a pessoa certa, de facto, e nunca deixou de me espantar, e o seu contributo para as minhas prestações políticas e parlamentares foi imenso.
Não era amigo do Pedro, no sentido preciso da amizade, mas falávamos quase semanalmente, trocávamos muitos mails, discutíamos muita coisa, preparámos muitos debates, entrevistas, reações - experiência suficiente para não ter hoje medo de o considerar brilhante e de o deixar escrito com todas as letras no jornal que um dia foi o seu. Os últimos mails que me mandou ficaram estupidamente sem resposta. Eu estava numa campanha eleitoral na Covilhã, esgotando as horas, distraído do mundo, e ele escreveu: "Põe estrelinha no Gmail para veres depois das autárquicas ;)."
Devo-lhe muito, vai fazer-me muita falta, mas o que mais revolta, dói, é precisamente o desperdício que esta morte representa, a convicção de que havia tanto à espera dele. Lido mal com esta sensação, com este despropósito: não é Deus que nos pede que sejamos consequentes com os nossos talentos, que os exerçamos, que os realizemos? Como não tratou Ele de evitar uma morte assim, privando-nos de um brilhante talento?
A ideia de Agustina traz-me assim algum conforto, como se o Pedro participasse de um outro mundo, estivesse destinado a partir assim, deixando uma auréola de inacabado, uma bruma de mistério, um espaço por preencher, como só acontece a quem participa da genialidade.
Advogado
Este artigo está em conformidade com o novo acordo ortográfico