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IA: O “cavalo selvagem” que veio para ficar

Se a inteligência artificial é uma ferramenta ótima para retirar tarefas repetitivas, dar velocidade aos processos e reduzir as margens de erro, também pode ser um “cavalo selvagem”.

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A inteligência artificial é um cavalo selvagem que é preciso saber controlar. Nós queremos que ele esteja num determinado circuito e ele rapidamente salta a cerca. Paulo Guerra
CEO da Step Ahead Consulting 

“A inteligência artificial (IA) é um cavalo selvagem que é preciso saber controlar”. O aviso é deixado por Paulo Guerra, CEO da tecnológica portuguesa Step Ahead Consulting, em entrevista ao Negócios: “Nós queremos que ele esteja num determinado circuito e ele rapidamente salta a cerca”. Ainda assim, entre humanos e máquinas, o responsável admite que a IA “toma decisões de forma mais lógica, baseada em milhares de factos e variáveis”, impossíveis de abarcar para a mente humana. “Essas decisões vão ser muito mais assertivas do que as nossas”.

 

53,7
utilização de IA
A inteligência artificial está presente em 53,7% das empresas nacionais, de acordo com um estudo recente da Devoteam.

Paulo Guerra não tem dúvidas que “a inteligência artificial está aí para ficar”. De tal forma que mais de metade das empresas portuguesas já adotaram pelo menos uma destas ferramentas. A conclusão é do recente estudo da Devoteam, segundo o qual esta tecnologia já está presente em 53,7% das organizações nacionais. O inquérito revela que as empresas de defesa, tecnologia, retalho, indústria, serviços financeiros, energia, educação e média estão na vanguarda da adoção de IA. O setor público e a saúde ainda têm uma utilização reduzida.

“A pesquisa comprova que a IA está cada vez mais presente no dia a dia das empresas portuguesas e que as soluções de IAGen [IA generativa], cada vez mais procuradas, demonstram o potencial da tecnologia para transformar diversos setores da economia. As empresas que investem nesta tecnologia estão mais bem preparadas para o futuro”, disse ao Negócios Pedro Martins, diretor executivo da Devoteam, consultora especializada em estratégia digital, plataformas tecnológicas e cibersegurança.

O mesmo estudo mostra que a IA já é uma realidade em grande parte das empresas nacionais, com 83,2% dos inquiridos a admitir ter experiência com esta tecnologia. Quanto à IAGen, também tem grande procura: mais de 95% querem usá-la em 2024 e 44,3% dizem que já o fazem para obter conteúdos e respostas. A criação de código (40,6%), o feedback de conteúdos (31,2%) e a criação de conteúdos de marketing (28,5%) são as aplicações mais populares da IA generativa.

No entanto, apesar da crescente procura por estas soluções, só 41,7% das empresas portuguesas executaram uma estratégia que engloba diferentes iniciativas nesse campo, sinaliza a Devoteam. “Pode concluir-se que a adoção da IAGen ainda está em fase inicial em Portugal, mas o panorama é promissor. Tem grande potencial para transformar a forma como trabalhamos porque pode automatizar tarefas repetitivas, aumentar a produtividade e gerar ‘insights’ valiosos para as empresas”, defende Pedro Martins. “Além de ser útil para a grande maioria das funções ou cargos, as empresas que investem em IAGen podem preparar os colaboradores para o futuro do trabalho e aumentar a sua competitividade”.

Neste contexto, 67,4% dos profissionais que utilizam ferramentas de IA consideram-nas úteis para o seu trabalho, indica também o estudo. Mas há espaço para expansão: 24,5% nunca usaram produtos de IAGen e 8,1% não os acham úteis.

Ainda há desafios na implementação, como a falta de competências especializadas, questões de ética e a necessidade de investir em infraestrutura e segurança. Bruno Mota
"Managing director" da Devoteam Portugal 

“Não há dúvida de que a IA está a transformar o panorama empresarial em Portugal e no mundo. As empresas que investem em novas tecnologias podem aumentar a produtividade, a eficiência e a inovação. No entanto, realço que ainda há desafios na implementação, como a falta de competências especializadas, questões de ética e a necessidade de investir em infraestrutura e segurança”, conclui por seu lado Bruno Mota, ‘managing director’ da Devoteam, empresa que está a replicar o estudo a nível europeu, com “boas” conclusões para Portugal, por comparação com outros países do continente.

Portugal com maior maturidade no uso da IA

“O nosso nível de maturidade relativamente à utilização da IA Generativa está acima do resto da Europa. Os portugueses sempre tiveram uma maior sensibilidade à tecnologia. Somos mais aventureiros, enquanto países como a Alemanha e os nórdicos são mais céticos”, elogia Pedro Martins, mas com uma ressalva importante: “Há poucas empresas portuguesas que têm uma estratégia estruturada de abordagem e implementação da da IAGen, o que é fundamental porque vai impactar os seus modelos de negócio por completo”.

Quanto à capacidade nacional para investir nestas tecnologias, o responsável entende que “há predisposição e há dinheiro a ser injetado”, mas é preciso ir além da fase de testes e começar a escalar. “Só temos dois ou três clientes que o fazem. Só em larga escala conseguimos definir ferramentas para as empresas, como plataformas de resposta a reclamações, ‘chatbots’ internos, por exemplo”, refere o diretor executivo, argumentando que “a indústria está um bocadinho atrasada, e os serviços são o setor com mais investimento”.

Com um centro de competências em GenAI, a Devoteam tem quatro soluções em produção, uma delas o ‘chatbot’ Helena, criado para os CTT e que apresenta 83% de precisão. No primeiro trimestre, esta ferramenta já atendeu 281 mil pessoas e ajudou a reduzir o número de chamadas para o call center dos CTT em 30%. “Está a crescer o número de pedidos e de respostas em 60% por dia. É mais inteligente do que os ‘chatbots’ tradicionais, porque esses têm respostas pré-programadas. Com a IA Generativa há uma base de conhecimento com milhares de páginas de conteúdos, permanentemente atualizadas, que servem para dar as respostas. Não significa que os call centers vão acabar, mas em vez de terem tantas pessoas a atender o telefone, vão ter menos, e as restantes podem estar a fazer outro tipo de tarefas”, diz Pedro Martins.

Em relação à dimensão das empresas, as maiores são mais lentas a escalar a IA e as PME mais ágeis, mas “o tema ainda não está na lista de prioridades dos gestores portugueses, apesar de ser uma questão de sobrevivência”. “São poucos os que se questionam como é que a IA pode impactar no negócio e aumentar a competitividade”.

Todos nós, muito mais cedo do que imaginamos, vamos ter empresas à nossa volta a servir-nos de forma rápida e imediata, com inteligência artificial. Quem não o fizer, fica para trás. Fernando Braz
"Country manager" da Salesforce em Portugal

Do lado dos desafios, alerta, está a falta de competências em IA, um problema global, com um outro estudo a revelar que 52% dos projetos não avançam por falta de “know-how”. “Não há pessoas formadas nesta área. Estamos a deixar pela metade um potencial enorme de projetos, que não avançam. Combate-se com formação, nivelamento do conhecimento nas organizações, que temos feito cá em Portugal e lá fora”. Quanto às regras mais apertadas de Bruxelas e ao European AI Act, Pedro Martins diz que vai trazer desafios mas terá de ser respeitado.

Quem não investe, desaparece


Fernando Braz, “country manager” da Salesforce para Portugal, vai ainda mais longe e diz que as empresas que não investirem em IA vão desaparecer. “Todos nós, muito mais cedo do que imaginamos, vamos ter empresas à nossa volta a servir-nos de forma rápida e imediata, com a IA. Quem não o fizer, fica para trás. Não vamos conseguir parar a adoção da IA. O segredo é ter as melhores plataformas, com segurança, para tratar os dados”, disse ao Negócios. “Há 10 anos dizíamos que os dados eram o novo petróleo. Hoje, com a IA os dados são ainda mais importantes e valem mesmo muito dinheiro”.

Na comparação com os pares europeus, Portugal está a fazer o seu caminho: “Muitas empresas estão já a olhar, a avaliar. O meu conselho é que estudem o assunto, falem com diferentes empresas para perceber o que aí vem, como nos podemos ajudar mutuamente. Isto não vai parar e é preciso regulamentação, mas sem parar a inovação”. Aqui, o recado é para a Europa que, na sua opinião, ainda tem muito que andar para acompanhar o ritmo dos EUA e da China. “Há sete empresas que estão a dominar o mundo da IA. São todas americanas. Quem é que vem logo a seguir? A China. E a Europa muito atrás destes dois, porque está, como sempre, muito mais preocupada em legislar do que em inovar e competir”, acusa.

Sobre o que está a travar as empresas nacionais na hora de recorrer à IA, Fernando Braz admite que possa ser “um cocktail de razões” – custos de investimento, insegurança, precipitação – com algum desconhecimento à mistura. “Para o bem e para o mal, a decisão é do CEO, responsável por garantir que a sua organização está na vanguarda para continuar a competir, não só em Portugal, mas a nível global”, defende, elegendo as empresas que têm serviços de apoio a clientes (telecomunicações, banca, “utilities”) como as que “estão mais propensas e que têm tomado mais iniciativa para testar novas plataformas”.

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