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Os desafios de Portugal segundo Mário Centeno

O país enfrenta pela primeira vez uma mudança estrutural com o trabalho de casa feito, uma forte redução do risco, mais qualificação no mercado de trabalho e com maior envolvimento na construção europeia, diz o governador.

21 de Fevereiro de 2022 às 14:00
Mário Centeno, governador do Banco de Portugal Duarte Roriz
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"O investimento público em Portugal nos últimos anos tem sido financiado essencialmente pelo Orçamento do Estado. Nos próximos anos, com o PRR, esta situação deve mudar. O investimento público deve ser exclusivamente, ou perto disso, financiado por fundos europeus. Só assim conseguiremos implementar esses fundos", afirmou Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, na abertura da conferência final da iniciativa "Vamos Lá, Portugal!", organizada pelo Jornal de Negócios e pelo Millennium BCP.

Para Mário Centeno, os desafios que Portugal enfrenta "não são novos", nem pós-pandémicos, mas o país "está numa condição nova". Pela primeira vez, Portugal enfrenta um desafio de transformação estrutural com, primeiro, "uma forte redução simultânea do risco público e privado; segundo, uma melhoria dos indicadores de qualificações e de participação no mercado de trabalho; e, finalmente, com um envolvimento ativo na construção europeia". O governador do Banco de Portugal revelou que em 2021 o défice orçamental será provavelmente inferior a 3%. A dívida pública recuou em 2021 para os 127% do PIB e, em termos nominais, deverá cair, o que acontece pela primeira vez desde 1948.

Mário Centeno salientou ainda que o sistema financeiro, as famílias e as empresas deram um bom contributo para a redução da dívida. "Nos anos que antecederam a crise pandémica, a redução da dívida privada em Portugal não teve paralelo na Europa. Os números são elucidativos: uma redução de 78 pontos percentuais do rácio da dívida privada e uma aproximação aos indicadores da área do euro como não se via nos últimos 50 anos", rematou.

Bancos resilientes

Em relação à banca, Mário Centeno salientou que os resultados dos bancos voltaram em 2021 aos valores pré-pandemia, com a rendibilidade dos capitais próprios dos maiores bancos a ficar próxima de 5%, e com um resultado líquido agregado de 1,2 mil milhões de euros. O rácio de NPL bruto caiu para perto de 4%, e líquido de imparidades é inferior a 2%. São menos 14 pontos percentuais e 9 pontos percentuais, respetivamente, do que em junho de 2016.

Portugal pode cumprir uma década completa a crescer tendo como base as exportações e o investimento.  Mário Centeno, Governador do Banco de Portugal
Hoje, os bancos portugueses têm rácios de custos para rendimentos inferiores aos dos bancos da área do euro e, em 2021, o rácio diminuiu 2 pontos percentuais, para 52%. Mário Centeno referiu que o sistema bancário se tornou mais resiliente e por isso foi "tão importante durante a crise pandémica", mas sublinhou que persistem desafios estruturais para o sistema financeiro. "O processo de digitalização deverá constituir uma alavanca. Mas a consolidação do setor e a transição climática não são menos desafiantes."

Crescimento sustentado

Por outro lado, "nunca a taxa de participação no mercado de trabalho tinha atingido os 77%", disse Mário Centeno. Entre 2011 e 2021, a taxa de participação dos portugueses entre os 55 e os 64 anos subiu para dois terços e, hoje, "os portugueses com mais de 45 anos no mercado de trabalho são mais meio milhão do que em 2011", observou o governador. Mas também na educação, "nas duas últimas décadas, ultrapassámos a área do euro e pulverizámos a diferença para com o Leste Europeu. A percentagem de jovens (20-24 anos) com pelo menos o ensino secundário passou de 43% para 86%. A área do euro tinha 74% e passou para 84%. No Leste, eram 84% e 89%".

Acrescentou que o crescimento está sustentado, tal como desde 2015, no investimento e nas exportações, com destaque para os serviços. "Portugal pode cumprir uma década completa a crescer tendo como base as exportações e o investimento", disse Mário Centeno.

Inflação e dívida

Em relação à inflação, o governador do Banco de Portugal salientou que "as expectativas de inflação se querem ancoradas. Um dos indicadores mais usados para as medir, os ‘swaps’ a cinco anos, está em 1,8%. Podemos dizer que, pela primeira vez em muitos anos, a inflação está ancorada".

Mário Centeno alertou para o novo ciclo na política monetária. "Ao período de taxas de juro generalizadamente baixas, algumas mesmo negativas, deverá seguir-se uma normalização, um processo desejado. A política monetária, uma política macro, tem como objetivo o controlo dos preços. Mas não conseguirá lidar com pressões geopolíticas, nem com a descarbonização. Estes são processos com efeitos temporários, mas cujo impacto não é negligenciável. A credibilidade de uma política monetária que responde a choques da oferta e a tensões políticas não sobrevive ao primeiro embate."

Por fim, defendeu que é fundamental retomar a trajetória de redução do rácio da dívida pública, sustentada por um plano credível de consolidação orçamental. Em 2022, o saldo orçamental reúne as condições (aritméticas) para se situar abaixo de 1%. "O país está em condições de recuperar, entre 2022 e 2023, o equilíbrio orçamental anterior à crise pandémica" e "na análise da sustentabilidade da dívida, feita pelos organismos internacionais, Portugal deixou para trás países como Espanha, França, Bélgica e Itália", concluiu Mário Centeno.

Conferência após oito talks A Grande Conferência "Vamos lá, Portugal!", uma iniciativa do Jornal de Negócios e do Millennium BCP, realizou-se a 9 de fevereiro 2022 no Pestana Pousada de Lisboa. Contou com uma intervenção de abertura de Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, e com Miguel Maya, presidente executivo do Millennium BCP, no encerramento. Encerrou um ciclo de oito talks em torno dos desafios do PRR.

José Maria Brandão de Brito, chief economist and head of Research, ESG and Crypto do Millennium BCP, abordou o tema de "Como a pandemia trocou as voltas à macroeconomia". Seguiu-se um primeiro painel com o tema, "A Opinião dos Economistas", que teve a moderação de Paulo Ribeiro Pinto, editor de Economia do Jornal de Negócios, e a participação de Joana Silva, professora da Universidade Católica, José Maria Pimentel, economista do Banco de Portugal, e Pedro Brinca, "assistant professor (tenure-track)" da Nova SBE.

O segundo debate, "Uma Visão para o futuro", foi moderado por Diana Ramos, diretora do Jornal de Negócios, e contou com Carlos Ribas, responsável da Bosch Portugal, Pedro Pires de Miranda, presidente executivo da Siemens Portugal, e Tiago Azevedo, CIO da Outsystems.
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