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António Costa: O PS a subir, a dívida, o lixo, as biografias, a TSU e o grande mito

António Costa, secretário-geral do PS, veio à redacção do Negócios falar de eleições. Uma conversa que passou por sondagens, agências de "rating", biografias, dívida, TAP e, claro, das suas propostas de Governo.

Miguel Baltazar
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António Costa esteve pela primeira vez na Redacção Aberta, em Janeiro de 2014, na qualidade de presidente da Câmara de Lisboa. Na altura "tinham-me feito o desafio de voltar cá ano e meio depois como primeiro-ministro e cá estou. Esta é uma meia vitória." Pelo caminho, saiu da câmara, foi eleito secretário-geral do PS, voltou ao Negócios e deixou uma nova promessa que espera cumprir. "Estou disponível para voltar cá, mesmo que em menos de um ano e meio, mas nessa nova condição." 

 

"Não ficarei de braços cruzados à espera de bruxelas"

 

A página da austeridade pode ser virada sem que as regras europeias sejam violadas. "O nosso plano A é cumprir as regras, o que não implica e impede que tenhamos um plano B, que é procurar que as regras mudem". António Costa, candidato a primeiro-ministro pelo PS, acredita que pode vir a construir uma estratégia própria no quadro da União Europeia, pelo menos diferente da do actual Executivo.


"Não ficarei de braços cruzados à espera que a Comissão me venha dizer que tenho de fazer mais um corte no sistema de pensões, ou mais um corte nos salários ou mais um aumento do IVA para continuar essa corrida interminável pelo caminho da austeridade". A submissão, que diz que o actual Governo seguiu, não é o caminho, mas o confronto, como fez o governo grego, também não. As regras são para serem cumpridas. O secretário-geral do PS acredita que o seu programa se enquadra nas regras existentes.


"Essa ideia de que a austeridade é o caminho para o sucesso é a ideia errada que é preciso eliminar sob pena de só podermos continuar a caminhar para o insucesso. Aquilo que dizemos é que temos uma alternativa: a alternativa é o nosso programa, que vamos seguir e vamos aplicar".  Mesmo na proposta de descida da taxa social única (TSU) para os trabalhadores, António Costa acredita que "não viola regra nenhuma, nem precisa de autorização", já que, nas contas feitas, "a medida é, em si própria, equilibrada nos quatro anos de exercício orçamental".


Socorrendo-se do estudo feito pelos 12 sábios, António Costa admite que gostaria de repor os salários da função pública já em 2016 e eliminar logo a sobretaxa do IRS. Mas em nenhum dos casos foi considerado possível. E desabafa: "não está no programa tudo aquilo que gostaríamos que estivesse". Mas ainda assim o secretário-geral do PS acredita ter "todas as condições para alcançar o seu objectivo que é ganhar com maioria as próximas eleições".

 


 

PS pode ter maioria... até com ajuda de Cavaco

 

Masoquismo é a palavra que António Costa escolhe para classificar quem vote na coligação PSD/CDS à procura de uma maioria. Não diz, no entanto, se aceitaria fazer parte de uma solução com a coligação num cenário em que PSD/CDS ganhassem as eleições mas sem essa maioria. "Para fazer o jogo dos cenários convidam para vir cá o professor Marcelo ou o Dr. Pacheco Pereira, alguém que esteja em condições de ser analista e comentador". Essa função já António Costa deixou, agora que é o candidato a primeiro-ministro pelo PS. "O que me compete dizer com toda a franqueza aos portugueses é aquilo que eu acho ser a melhor solução: o PS ter maioria". Não fala, por isso, em plano B. António Costa sinaliza, no entanto, que a existência de maioria não inibe compromissos políticos alargados.


"Os poderes do Presidente da República, nos termos da Constituição, também estão muito claramente definidos". É assim que responde quando questionado sobre a legitimidade de Cavaco Silva de não dar posse a um governo minoritário. O Presidente declarou que o futuro governo não pode deixar de ter o apoio maioritário da Assembleia. Costa não desarma: "O actual Presidente sabe do que fala porque foi o primeiro-ministro que tomou posse com o pior resultado eleitoral (29,5%). Sabe bem que a ausência de maioria é um factor de instabilidade. Presumo que seja com base na sua própria má experiência pessoal que perceba que não é recomendável haver um governo minoritário". Por isso, Costa garante que se baterá por uma maioria e deixa o apelo a Cavaco Silva para que contribua para ela. "O senhor Presidente da República até pode ajudar a que haja um Governo maioritário. O voto também é livre para ele".

 






























Sem falsas modéstias vê margem para PS subir

 

O que conta é o momento das eleições. Mas António Costa também faz a sua leitura das sondagens. "Revelam num ‘tracking’ contínuo de consolidação grande do PS, sete pontos acima dos resultados que teve nas eleições europeias, estando ou à frente ou em equilíbrio com a coligação de toda a direita, e num momento em que existe, ainda, um número elevado de pessoas que se declaram indecisas" e muitas à esquerda. Face a esta leitura, Costa não vê possibilidade de progressão da direita, mas vê "um espaço de evolução importante relativamente ao Partido Socialista".

 

Também pode ajudá-lo nesta caminhada para o Governo a taxa de rejeição da direita que diz ser muito grande, o que significa que estão indecisas mas não votarão à sua direita. Acrescenta outro dado: "à pergunta sobre qual das propostas merece mais confiança, a proposta do PS é largamente vencedora e na comparação entre as lideranças, sem falsas modéstias, a vantagem também é significativa".


Tudo condições para o PS conseguir alcançar o seu objectivo: "ganhar com maioria as próximas eleições".
Eleições que José Sócrates, preso preventivamente, diz estarem, com o seu processo, a tentar impedir que o PS ganhe. Foi numa entrevista ao DN/TSF que o ex-primeiro-ministro garantiu: "A verdadeira intenção da minha detenção abusiva e da minha prisão sem fundamento não foi perseguir crime nenhum, mas tão-só impedir o PS de ganhar as próximas eleições legislativas". António Costa preferiu distanciar-se destas declarações de Sócrates. "O PS definiu uma linha relativamente a esse caso e a todos os casos judiciais e vai ser coerente com essa linha. Tal como não comentamos as decisões da acusação, era o que faltava comentar a actuação da defesa".

 


Nós recusamos liminarmente um novo corte das pensões, mas a proposta que temos é de manter, com excepção das pensões mínimas, um congelamento das pensões ao longo do período.
 António Costa

Pensões? Proposta do PS tem um lado simpático e um menos simpático

 

A promessa é reiterada: "nós recusamos liminarmente um novo corte das pensões, mas a proposta que temos é de manter, com excepção das pensões mínimas, um congelamento das pensões ao longo do período". António Costa não esconde que a sua proposta "não tem só o lado simpático". Há um outro lado "menos simpático". Em nome do equilíbrio e sustentabilidade da segurança social.
Isto é a promessa para os actuais pensionistas. Para os futuros, "a nossa ideia é que, neste momento, se deve manter a reforma da segurança social que foi feita em 2007", por Vieira da Silva, ministro da Segurança Social do governo de José Sócrates, do qual António Costa fez parte.
O projecto de Governo de António Costa passa, acima de tudo, pela diversificação das fontes de financiamento da segurança social. É nela que assenta, a seu ver, na sustentabilidade futura. "Para surpresa de muitos o Ageing Report [relatório da Comissão Europeia com projecções sobre a sustentabilidade financeira dos sistemas de pensões da Europa, publicado a cada três anos] revela, apesar de tudo, um nível de sustentabilidade do nosso sistema de segurança social muito superior ao que era o receio que existia face à evolução do quadro económico". Por isso, "não devemos dar por esgotadas outras fontes de financiamento", reitera António Costa, falando da possibilidade de as rendas de concessões que o Estado tem beneficiado poderem entrar nessas contribuições.

 


Segurança Social: Rendas de concessões podem contribuir

 

A sustentabilidade da segurança social obriga a que no futuro se encontrem outras fontes de financiamento. "Para muitos há um axioma que o sistema contributivo deve financiar-se exclusivamente com base nos salários dos trabalhadores e das contribuições pagas pelos entidades patronais", começa por dizer António Costa, cuja ideia de financiamento mantém essa raiz contributiva, mas que inclui outras. O IVA social já existe e Costa fala da taxa contra a precariedade, ou o imposto sucessório, ou ainda o IRC social. Mas, mesmo assim, "não creio que tenhamos esgotado aqui todas as formas possíveis de financiamento da segurança social".


Fala, mais uma vez, da eventualidade de algumas rendas de concessões de que o Estado tem beneficiado e utilizado para investimentos, sejam uma fonte de financiamento quando não haja necessidade de mais investimentos. Salvaguarda que essa é apenas uma ideia que carece de verificação da natureza dos regimes contratuais. Uma coisa é certa: "Há muito caminho para andar".
É também a falar da segurança social que ataca o actual Executivo. "A política actual retirou ao sistema de segurança social oito mil milhões de euros, por isso, se prosseguirmos [com a mesma política] vamos continuar a retirar receita e a aumentar a despesa da segurança social". Defende, assim, que "a melhor condição para dar sustentabilidade à segurança social é aumentar o número de contribuintes, aumentando o número de pessoas empregadas".

 


 

TSU: EDP e PT pagarão mais, têxteis e calçado menos

 

O PS está a propor que a taxa social única (TSU) paga pelos trabalhadores diminua de forma temporária. Nada a ver, lembra António Costa, com a proposta feita há dois anos pelo actual Executivo de aumentar a TSU dos trabalhadores para baixar a dos patrões nem a mais recente de diminuir a das empresas "com o objectivo mitológico de contribuir para aumentar a criação de postos de trabalho".
Costa propõe, no entanto, que se baixe as contribuições dos trabalhadores durante um período temporal, que, assim, teriam mais rendimento disponível.

 

"A forma de aumentar o rendimento disponível de todos, e sobretudo daqueles que têm mais baixo rendimento, é reduzir aquilo que pagam de TSU, porque o seu rendimento é insensível à redução do IRS, porque já estão isentos".


Quanto às empresas, António Costa prefere não falar de uma proposta de redução da TSU, mas antes da diversificação das fontes de financiamento. "Financiar exclusivamente a segurança social com base no volume da massa salarial não é uma forma duradouramente inteligente de melhorar a sustentabilidade da segurança social". António Costa pensa na contribuição com base nos lucros, o que levaria a que empresas como a EDP ou a PT pagassem mais e empresas de mão-de-obra intensiva, como têxteis e calçado, pudessem pagar menos. Libertar as contribuições do salário pode, ainda, acrescenta Costa, contribuir para melhorar os ordenados.

 


 


"Não se fazem biografias de pessoas no activo"

 

Está em marcha a escrita de duas biografias sobre o actual secretário-geral do PS. Uma da autoria de Bernardo Ferrão e Cristina Figueiredo (jornalistas do Expresso) e outra assinada por Octávio Lousada de Oliveira e Miguel Marujo (jornalistas do Diário de Notícias). António Costa diz desconhecer "o conteúdo dessas publicações" que deverão ser editadas antes das eleições legislativas, e acrescenta que não falou "com nenhum dos autores" desses livros.


Para o líder socialista trata-se de uma questão de princípio. "Acho que não se fazem biografias de pessoas no activo e muito menos em período de campanha eleitoral. Porque, ou são peças ridículas e de propaganda como aquela que a assessora do PSD [Sofia Aureliano] escreveu em nome do primeiro-ministro ou são coisas de combate político, mas obviamente não são biografias. Desconheço qualquer uma delas, mas conheço suficientemente a minha vida para não estar curioso sobre elas."

 


 

Um presidente à imagem de Eanes, Soares e Sampaio

 

O candidato presidencial que o PS irá apoiar na corrida a Belém é um tema que António Costa, para já, quer manter fora da agenda. O líder socialista escusa-se a avaliar a candidatura de Sampaio da Nóvoa e também a possibilidade de Maria de Belém entrar nesta disputa. António Costa sublinha que o PS "tem por hábito não apresentar candidatos, mas candidatos que se apresentem" às eleições. Por isso, acrescenta, "no momento próprio avaliaremos os candidatos que existem na nossa família política e tomaremos a decisão de apoiar aquele que nos pareça em melhores condições para renovar em Belém os mandatos de que o país tem saudades, do general Eanes, do doutor Mário Soares e do doutor Jorge Sampaio. São três presidentes que consensualmente o país identifica como excelentes presidentes da República".


Questionado sobre a disponibilidade de Maria de Belém, que saiu da presidência do PS com a eleição de António Costa, o líder socialista invoca a sua condição para contornar o tema. "Desde que sou secretário-geral do PS que estou muito limitado na minha capacidade de me pronunciar. Tenho obviamente de ter em conta que a palavra do secretário-geral compromete o partido de uma forma diversa do que quando era apenas um militante do PS."

 


 

"É um perigo" o Estado não ter a maioria da TAP

 

O PS manifestou-se contra a venda da maioria do capital da TAP – que o Governo entregou com a alienação de 61% ao consórcio Gateway, liderado por Humberto Pedrosa e David Neeleman –, chegando mesmo a aventar-se a possibilidade de reverter esta privatização caso os socialistas cheguem ao poder. Na Redacção Aberta do Negócios, António Costa moderou a semântica, mas insistiu em que a melhor solução seria o Estado manter uma posição accionista maioritária na companhia. "Reverter ainda é um verbo algo precipitado porque pressupõe que já há alguma coisa consumada. O que existe até agora é um contrato-promessa, sujeito ainda a várias autorizações. Portanto, aguardemos para ver qual é o estado de maturidade desse contrato no momento em que se realizarem as eleições".

O país é um Estado de direito e por isso só se fará aquilo que for possível na estrita legalidade.
 António Costa


O secretário-geral do PS deixou, no entanto, duas garantias. "O país é um Estado de direito e por isso só se fará aquilo que for possível na estrita legalidade. Em segundo lugar, quanto à questão de fundo, não tenho nenhuma posição diferente da que tinha no passado, que é o entendimento de que é um erro e um perigo para o país não manter uma participação pública maioritária na TAP."

 


 

As agências de "rating" são "lixo"

 

António Costa tem uma opinião demolidora sobre as agências de "rating", considerando que "contribuíram muito gravemente para o endividamento generalizado do Estado, das famílias, das empresas, e não deram, até agora, qualquer contributo sério para uma gestão mais regulada do mercado de capitais.

 

São lixo, por isso é que rescindi o meu contrato com todas quando era presidente da Câmara de Lisboa.
 
António Costa

O líder socialista socorre-se da sua experiência enquanto autarca para explicar esta avaliação negativa. "São lixo, por isso é que rescindi o meu contrato com todas quando era presidente da Câmara de Lisboa. Enquanto a Câmara foi aumentando a sua dívida elas deram sempre boas notas. Depois, quando a dívida explodiu, a Câmara caiu e houve eleições antecipadas, nós quisemos regularizar a nossa situação económica e as mesmas agências quiseram rever o ‘rating’ afirmando que ‘isto, afinal, está muito mau’. Nesse ponto eu disse: ‘vão rever o ‘rating’ para vossa casa que eu trato de pagar a dívida’. E assim foi. Felizmente fiquei esclarecido sobre as agências de ‘rating’". Como consequência desta avaliação "péssima" sobre estas instituições, António Costa defende que é preciso mudanças. "Com esta crise, uma das coisas que é preciso é pôr ordem nessa coisa dos ‘ratings’".

 

 
Curriculum
António Luís santos da costa nasceu a 17 de Julho de 1961 em Lisboa. Militante do PS desde a juventude, é licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e tem uma pós-graduação em Estudos Europeus, pelo Instituto Europeu da Universidade Católica de Lisboa. Em 1988 interrompeu a sua actividade como advogado para exercer funções políticas. A lista dos lugares ocupados pelo actual secretário-geral do PS é extensa. Foi deputado entre 1991 e 1995, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares entre 1995 e  1997, ministro com a pasta entre 1997 e 1999 e ministro da Justiça  (1999-2002) em governos de António Guterres. Foi ministro da Administração Interna (2005-2007), no governo Sócrates, e presidente da Câmara de Lisboa entre 2007 e 2015.

 

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