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A dívida, os sacos de plástico de Passos, a chantagem e o euro disfuncional  

O "brilhozinho nos olhos" de Catarina Martins revela que gosta do debate político e do confronto de ideias. Durante duas horas respondeu às perguntas dos jornalistas do Negócios. Uma conversa que passou pela renegociação da dívida, a recondução de Carlos Costa, a Grécia e a nacionalização da banca. A porta-voz do BE avaliou ainda os principais líderes políticos e fez tabu de dois temas, as eleições presidenciais e a prisão de Sócrates. É actriz, mas garante que "a política não tem nada a ver com a representação". 

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Caso o Bloco de Esquerda (BE) fosse Governo, a primeira medida que tomaria seria "iniciar um processo de renegociação da dívida pública e informar a União Europeia da impossibilidade de fazer os pagamentos da dívida acordados e cumprir as metas do tratado orçamental".

Ditas assim, as palavras de Catarina Martins parecem indicar uma ruptura total com os credores e o passar de uma esponja sobre a dívida. Parecem, mas não são.

"Há até propostas de reestruturação da dívida que não têm corte em montantes. Têm alargamento de prazo e juros. Uma das possibilidades é começarmos a negociar para que os credores possam ver os seus juros crescer indexados ao crescimento da economia", argumenta a porta-voz do BE na Redacção Aberta do Negócios.

Catarina Martins diz mesmo que esta prática já foi usada no passado na Europa "e faz dos credores mais uma parte interessada no crescimento económico português do que parte interessada numa transferência rápida de rendimento que, a prazo, manda o país ao charco".


A renegociação da dívida tem sido uma pedra basilar da governação do Syriza na Grécia. Catarina Martins diz que se está a assistir a uma situação que se explica de forma simples: "temos um país que está a cumprir e umas instituições europeias e internacionais que não estão a cumprir e estão a fazer chantagem". A constatação de que o Syriza está no caminho certo assenta no "apoio popular" que tem conseguido. "Nenhum governo terá capacidade de negociar nada na UE se não tiver o apoio do seu povo".

Questionada sobre a queda do BE nas sondagens, Catarina Martins é da opinião que existe um "jogo viciado". "O discurso mais presente nas várias instâncias do poder é que as pessoas têm estas possibilidades: votar na Direita, no PS, ou ficar em casa. Tenho esperança que algumas pessoas possam surpreender e não aceitar este jogo". 

Se fossemos governo a primeira medida seria renegociar a dívida pública.

 
Catarina Martins

A recondução de Carlos Costa e o "favor político"

A recondução de Carlos Costa como governador do Banco de Portugal gerou polémica entre o Governo e o PS. Catarina Martins diz que os socialistas têm "uma certa razão". "Quando o PS nomeou Carlos Costa, fê-lo perguntando ao PSD se concordava. Um partido nomeou um governador do outro partido. E agora o PSD decidiu reconduzir um tipo do seu partido sem perguntar nada ao PS. É uma manobra que se percebe pouco. A coisa já é pouco democrática. Desta vez ainda o foi menos".

A porta-voz do BE diz que o seu partido sempre mostrou reservas em relação à escolha de Carlos Costa para governador do Banco de Portugal "por causa do papel que teve no sector internacional do BCP, com os 'offshores'". Contudo, a estranheza de Catarina Martins resulta daquilo que considera ser uma contradição entre as conclusões da comissão parlamentar de inquérito ao caso BES e a recondução do governador do Banco de Portugal. "Na comissão de inquérito ao BES, a maioria aprova conclusões que dizem claramente que o Banco de Portugal e o seu governador não estiveram à altura das suas funções. Depois é reconduzido para as mesmas funções, exactamente com as mesmas regras, porque por sinal não as alteraram. É difícil perceber. A menos que seja uma questão de favor político".

O favor, segundo Catarina Martins, foi ter dado a cara no caso BES. "Carlos Costa fica com as culpas todas e depois o Governo agradece esta generosidade reconduzindo o homem que na comissão de inquérito do BES a Direita disse que não fez nada do que devia fazer."  

Enquanto Passos Coelho se passeava com sacos de plástico e calções de Verão, estava Carlos Costa na televisão a assumir todas as dores do projecto de resolução do BES. Carlos Costa fica com todas as culpas e depois o Governo agradece a generosidade reconduzindo o homem no Banco de Portugal
 
Catarina Martins

"Não é possível a continuação de um euro disfuncional"

Francisco Louçã, antigo coordenador do Bloco de Esquerda (BE), defende a inevitabilidade da saída de Portugal do euro. A actual liderança do Bloco tem sido mais prudente nesta matéria. "O que nós defendemos, na nossa convenção, é que não é possível continuar a aceitar que Portugal ou os países da periferia do euro continuem a ter um empobrecimento forçado em nome de uma continuação de um euro disfuncional, como tem sido até agora", diz Catarina Martins.

A ideia subjacente à austeridade é a de que "a Europa precisa de fazer uma transferência de rendimentos do trabalho para o capital para poder crescer economicamente". O BE, adianta, considera que esta "ideia é errada". "A Europa conseguiu crescer quando fez precisamente o contrário, quando decidiu que o rendimento do trabalho tivesse mais peso e construiu o Estado Social. Foi aí que se deu o grande desenvolvimento da Europa, até pela criação de conhecimento científico e cultural, pela melhoria da qualidade e da esperança de vida e da saúde".

Catarina Martins admite que esta disputa "não está a correr muito bem", porque as economias mais fortes da União Europeia, em especial a Alemanha, "respondem dizendo que a culpa não é da política de austeridade, mas dos preguiçosos do Sul". "A Esquerda radical é, neste momento, a única esperança de alguma estabilidade europeia, porque é a única que está preocupada e a trabalhar para mecanismos de solidariedade europeia". 

A Grécia está sob "chantagem financeira"

Catarina Martins acusa a União Europeia e os credores da Grécia de estarem a fazer "chantagem financeira" sobre o país liderado desde Janeiro de 2015 pelo Syriza. E de a lógica fria do número se sobrepor ao do futuro dos gregos.

"Não fazem a mínima ideia do que querem fazer com os 14 milhões de gregos. Não sabem. As pessoas não lhes interessam. Se desistirmos dessa disputa não são só os 14 milhões gregos que não interessam, também são os 10 milhões de portugueses que não interessam", diz a porta-voz do Bloco de Esquerda (BE).

É neste contexto onde, em sua opinião, a "chantagem financeira" está a prevalecer sobre a democracia, que deseja um sucesso do Governo grego, porque significará uma inversão desta tendência. "Espero que o Syriza seja bem sucedido. E não é só por ser um Governo de esquerda. Qualquer pessoa que acredite que a democracia é a forma que nós temos de nos organizar, é o melhor de todos os sistemas à excepção de todos os outros, é a nossa melhor conquista, deve estar a torcer para que corram bem as coisas com o Syriza. Porque se não correrem, significa que na União Europeia não há espaço para a opção democrática, só há espaço para a chantagem".

Catarina Martins considera que a Europa mudou de atitude logo que o Syriza chegou ao poder. "Na Grécia, durante uma série de anos, partidos que foram considerados responsáveis, porque respondiam às regras e à construção europeia, o que fizeram foi fazer a dívida da Grécia subir para cima de 200% do PIB. E toda a gente achou que a Nova Democracia e o PASOK, parceiros do PSD, CDS e PP, eram partidos ponderados".

Por isso, considera que esta luta, a de "sabermos se a democracia vale alguma coisa" é a "disputa das nossas vidas".  E como estão a correr as coisas? Mal. "Porque a direita alemã com os socialistas alemães têm um peso gigantesco na economia europeia", e porque os "interesses financeiros estão infiltrados em boa parte dos partidos dos governos e mandam na Comissão Europeia e no BCE" . 

 
Perfil de Catarina Martins
Catarina Soares Martins nasceu a 7 de Setembro de 1973. É licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, tem um Mestrado em Linguística e frequência de Doutoramento em Didáctica das Línguas. Em 1994 foi uma das fundadoras da Companhia de Teatro de Visões Úteis e Dirigente da Plateia - Associação de Proposicionais das Artes Cénicas. Em 2009, foi a primeira deputada do Bloco de Esquerda a ser eleita pelo círculo eleitoral do Porto, tendo sido reeleita em 2011. A 11 de Novembro 2012, conjuntamente com João Semedo, foi eleita coordenadora do BE, sucedendo a Francisco Louçã. A 30 de Novembro de 2014, na sequência da IX Convenção do BE, João Semedo abandonou a liderança. O partido passou então a ser dirigido por uma Comissão Permanente composta por seis membros, da qual Catarina Martins é porta-voz.
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