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Uma medicina humanizada é ingrediente para o sucesso

A literacia na saúde pode ser um dos game changers para uma melhor saúde dos portugueses, mas há muitas variáveis. No debate moderado pela jornalista Helena Garrido, falou-se da prevenção e da importância de ter uma linguagem médica mais acessível.

19 de Junho de 2023 às 16:00
Helena Garrido moderou o debate que juntou Leopoldo Matos, membro do Conselho de Curadores do Portugal Health Summit, a Paulo Morgado e Guilherme Macedo. Tony Dias
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O caminho para a Saúde para Todos, o tema da conferência Portugal Health Summit, passa pela prevenção e pela melhor comunicação dos médicos e outros profissionais de saúde com os doentes, concluiu o debate moderado pela jornalista Helena Garrido e que juntou à conversa Leopoldo Matos, gastrenterologista no Hospital Lusíadas Lisboa e membro do Conselho Consultivo da Lusíadas Saúde; Guilherme Macedo, coordenador da Unidade de Gastroenterologia do Hospital Lusíadas Porto; e Paulo Morgado, presidente do Conselho Diretivo da Administração Regional de Saúde do Algarve (ARSA). "Toda a filosofia e teoria que se possa ter com a tentativa de saúde para todos, de melhorar as condições de vida das pessoas, está relacionada com a responsabilização individual e todo o caminho de prevenir a doença tem a ver com o conhecimento de cada um", observou, no início do debate, Leopoldo Matos. E, como tal, "a literacia, começando nos bancos da escola, na família e ao longo de toda a vida de formação do adulto merece uma atenção muito especial, de forma que a saúde coletiva possa depois exigir menos cuidados de saúde, menor despesa e muito melhor qualidade de vida e de felicidade".

Por outro lado, mais informação não se traduz em melhores resultados, como é exemplo paradigmático o facto de em Portugal vivermos com saúde apenas até aos 59 anos. Com efeito, "a informação sobre saúde era um lago e agora é um oceano", observou Guilherme Macedo, e, além disso, "os protagonistas agora são outros, vivemos num tempo hedonista e toda a estratégia social está estruturada na evicção do sofrimento, o que faz com que estejamos a promover a entrada no sistema de pessoas que não são doentes - o doente do futuro é um não doente". Ora, "esta é uma nova realidade a que todo o sistema se está a adaptar".

Os profissionais de saúde têm de estar em boas condições mentais e de saúde para poderem acudir, cuidar em proximidade, e adquirir e treinar competências não técnicas, as ‘soft skills’. Guilherme Macedo
Presidente da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia
O especialista considera ainda que "além de o doente estar no centro do sistema, há também um enorme trabalho a fazer sobre a educação dos médicos e outros profissionais de saúde, seja na simplificação da linguagem ou na compreensão de si próprios". Para além disso, os profissionais de saúde têm de estar "em boas condições mentais e de saúde para poderem acudir, cuidar em proximidade, e adquirir e treinar competências não técnicas, as soft skills".

Aliás, como defendeu, "há um papel que todos devemos ter capacidade de desempenhar, que é ter competência cultural para compreender o outro - gostaria muito que o sistema de saúde conseguisse fazer essa pequena inflexão de linguagem semântica e mental que é o respeito pelo outro, não pelo doente".

Falta contacto "olhos nos olhos" com o doente

Os sistemas de saúde portugueses não têm sabido organizar-se e passar a mensagem da possibilidade que todos os portugueses têm de fazer a prevenção. Leopoldo Matos
Membro do Conselho de Curadores do Portugal
A falta de recursos e de acesso à saúde foi outro dos temas em discussão, considerando Paulo Morgado que "são projetos de proximidade como os que temos no Algarve que nos animam neste caminho que sabemos que nunca terá fim". Já Leopoldo Matos destacou que as dificuldades em aceder à saúde estão intimamente relacionadas com a desorganização estrutural extra-hospitalar. "A mensagem que se deve passar é a de que "a prevenção não tem nada a ver com hospitais, mas sim com a saúde da comunidade e também com todos os métodos de rastreio", sublinhou. Segundo o médico, "a disponibilização dos meios de prevenção tem sido muito discutida, mas pouco programada e os sistemas de saúde portugueses não têm sabido organizar-se e passar a mensagem da possibilidade que todos os portugueses têm de fazer a prevenção". A responsabilidade dessa transmissão de comunicação "deve ser transversal à sociedade portuguesa", sustentou.

Sobre a melhor abordagem ao doente, o gastrenterologista defendeu uma medicina personalizada, "dedicada à pessoa que faz parte de um determinado meio, família, profissão, comunidade ideológica", com o cuidado de "olharmos primeiro para nós próprios e garantirmos que estamos com uma boa estrutura mental, humana, e que sabemos qual é a nossa vocação".

Em foco esteve também a pressão do tempo e crescente utilização dos computadores por parte dos profissionais de saúde, defendendo Paulo Morgado que "só conseguimos ser efetivos nos cuidados que prestamos se tivermos tempo". "O contacto olhos nos olhos com o doente muitas vezes é fugidio ou quase inexistente", uma pressão, na sua opinião, que "acontece ao nível do sistema público, mas também do sistema privado.

São projetos de proximidade como os que temos no Algarve que nos animam neste caminho que sabemos que nunca terá fim. Paulo Morgado
Presidente do Conselho Diretivo da Administração Regional de Saúde do Algarve (ARSA)
Para Guilherme Macedo, "se é verdade que o médico está cada vez mais tempo à frente do computador, também é verdade que somos todos culpados", lembrando que "muitas vezes, também nós médicos, somos tratados como meros fornecedores de informações mais qualificados". Além disso, também o tempo é relativo. "Há muita coisa que se passa naquele momento solene e quase místico entre médico e doente e esse diálogo não tem de ter meia hora, pode ser um minuto e meio", afirmou. A esse propósito, referiu uma das suas populações, a dos sem-abrigo, que tem necessidades completamente diferentes. "A necessidade do outro é muitíssimo relativa, há todo um conjunto de circunstâncias psicoafectivas à volta de cada uma das pessoas que nos procuram que exige uma resposta adaptada e pessoal e a verdade é que esta relação interpessoal está inquinada e por isso não culpem apenas os computadores. Precisa-se de literacia, sim, mas também de educação", considerou o especialista. O trabalho em equipa é uma das soluções apontadas por Leopoldo Matos para resolver o problema da falta de tempo". Quando se trabalha em equipa, a velocidade de soluções e a eficácia é muito maior, lembrou, e por isso, "uma das grandes escolas do trabalho em equipa é a saúde, onde podemos incorporar as várias competências de cada uma das profissões envolvidas".

Integração dos setores público, privado e social

Também Paulo Morgado considera que a integração de todos os setores, público, privado e social, é "uma inevitabilidade". "O que fazia sentido do ponto de vista das grandes políticas é que estes prestadores estivessem de facto alinhados, desde logo no acesso aos serviços, pois as principais barreiras estão muitas vezes relacionadas com os condicionalismos das vidas das pessoas, da estrutura, dos seus horários de trabalho, de estarem ou não empregados, mas desde logo da existência dos serviços no território acessíveis".

Na opinião do presidente da ARSA, "também a prevenção deveria ser uma área de maior aposta em todos os setores da saúde, seja público, privado e social", considerando que "os orçamentos do SNS continuam muito virados para a doença" e que "também o setor privado e social deveria reforçar essa componente, pois ao não investirmos nos cuidados preventivos estamos a hipotecar o futuro."

Este é de facto, "um problema transversal", concordou Guilherme Macedo, defendendo que "é essencial integrar uma estratégia preventiva na literacia médica e da própria população e pensar no que podemos oferecer para modificar esse estado de coisas".

Já Leopoldo Matos lembrou, no final do debate, que "as realidades do país são completamente diferentes e, por isso, devemos aceitar diferenças entre pessoas, organizações, momentos e locais - trabalhar de uma forma transversal no Algarve e noutro modelo, noutro lado, não nos devia perturbar". A adaptação dos programas à condição local deve ser perfeitamente livre e não espartilhada. Ficam as propostas do maior fórum de saúde nacional para uma melhor saúde para todos.
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