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Alqueva trouxe a água a Beja e uma revolução agrícola

Os produtores de azeite não têm dúvidas: o Alqueva mudou a agricultura. Mais de 80% da produção destina-se ao mercado externo. O azeite nacional, dizem, é cada vez mais valorizado.

31 de Janeiro de 2017 às 00:01
Sara Matos
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É para lá do fim da aldeia de Baleizão, a 13 quilómetros de Beja, que se ergue, na paisagem, a Herdade do Paço do Conde. A aldeia onde foi morta a tiro Catarina de Eufémia, um símbolo da luta dos trabalhadores contra o regime, é um aglomerado de casas baixas, onde o rosto da ceifeira aparece aqui e ali, misturado com referências ao Partido Comunista Português.

Uma estrada de terra batida, entre olivais a perder de vista, abre caminho para a propriedade que está na família Castelo Branco há várias gerações. Começou por ser uma herdade tradicional, de sequeiro, que se dedicada ao gado extensivo e à cultura de cereais, explica Pedro Schmidt, director-geral da Herdade do Paço do Conde, pertencente à Sociedade Agrícola Encosta do Guadiana. "Depois, em meados dos anos 1990, fizeram-se investimentos para trazer água, oito barragens de 150 mil metros cúbicos e duas bombagens do rio Guadiana, para plantar vinhas e olivais, as culturas que elegemos como foco de investimento na nossa exploração", conta.

A maior mudança surgiu, porém, com a chegada da água do Alqueva. A barragem, inaugurada em 2002, não só mudou radicalmente a paisagem do Alentejo como impulsionou a transição de culturas de sequeiro para regadio, dos cereais para o olival. "O Alqueva chegou aqui há dois anos. Neste momento já temos água mais do que suficiente", diz Pedro Schmidt. "A partir de agora é que vamos atingir os níveis de produção que sempre quisemos ter".

Actualmente, a propriedade conta com um total de 1.700 hectares de olival e 200 hectares de vinha, de onde saem todos os anos as azeitonas e as uvas que serão processadas no lagar e na adega da herdade. Com tectos abobadados e arcadas, a adega, construída em 2002, tem o charme das antigas unidades de produção de vinho, com barricas de madeira empilhadas a toda a volta. Foi ali que, no ano passado, foram processados 1,5 milhões de quilos de uva. E é ali que a herdade planeia investir 1,2 milhões de euros nos próximos dois anos para duplicar a capacidade instalada. "Queremos fazer 3 milhões de quilos por ano, o que dá 2,5 milhões de garrafas", resume o director-geral da Herdade do Paço do Conde.

É o lagar, contudo, que gera dois terços do volume de facturação da empresa, que foi de 6 milhões de euros no ano passado. Com uma capacidade instalada para 30 milhões de quilos de azeitona por ano, o lagar processou, em 2016, 10 milhões. Este valor traduz-se em 1,6 milhões de quilos de azeite, uma quebra face aos 2 milhões de 2015. "O rendimento da azeitona baixou muito em 2016, que foi um ano de seca severa. Foi um ano agrícola muito complicado, com pouca chuva e muitos dias quentes", explica o produtor. "No Alentejo inteiro, o rendimento da azeitona baixou 20%", adianta Pedro Schmidt, indo ao encontro das mais recentes estimativas do Instituto Nacional de Estatística (INE), que apontam para uma redução de 20% na produção de azeitona para azeite no ano passado, face a 2015.

Ao contrário do vinho, que é todo engarrafado na herdade, 90% do azeite é vendido a granel. A mesma percentagem da produção que tem como destino o mercado externo. "Os grandes mercados são Espanha e Itália. São países que valorizam muito o nosso azeite devido à qualidade", refere o responsável.

"Se não fosse o Alqueva nós não existíamos"

Em meados da década de 2000, ainda a água do Alqueva não havia chegado aos campos, a região do Alentejo produzia cerca de 14 milhões de quilos de azeite por campanha. Em 2015, produziu 79,3 milhões, de acordo com os dados do INE. José Gonçalves, sócio-gerente da Olivomundo, explica que antes do Alqueva, "tínhamos solos excepcionais, muitas horas de sol, mas faltava-nos a água para converter o sequeiro em regadio". Hoje em dia, constata o responsável, "muitos empresários estão a desenvolver-se por causa da água. Se não fosse o Alqueva nós não existíamos".

É na estrada municipal que liga Beja a Serpa, onde a extensão da planície não permite distinguir onde começa o céu e acaba a terra, que se encontra a Herdade dos Falcões, morada da Olivomundo, um lagar que, no ano passado, produziu 6 mil toneladas de azeite. Construído em 2010, está na fase final de uma obra de ampliação que triplicou a sua capacidade instalada para 60 milhões de quilos de azeitona por ano.

No interior, realizam-se agora os trabalhos de limpeza. A colheita da azeitona começou em Outubro, e a transformação, no lagar, terminou há poucos dias. Os 70 depósitos de inox, que preenchem uma grande área do edifício, estão agora carregados de azeite que será vendido a granel para países como Itália, Estados Unidos, Brasil ou Chile: 95% tem passaporte para fora do país.

Turismo dá empurrão aos produtos portugueses

Para fora de Portugal vai também 80% do vinho e mais de 90% do azeite produzidos na Herdade do Monto Novo e Figueirinha. À frente da empresa está Filipe Ramos, que acredita que estes produtos são competitivos no exterior, não só pela qualidade como também pelo preço. E dá um exemplo: "Temos um vinho nosso, o Amnesia, a 3,70 euros, que ganhou o grande prémio de ouro em Bruxelas", diz. "Um vinho francês por menos de 10 euros é intragável. A relação qualidade/preço em Portugal é fantástica".

A empresa, criada em 1998, está hoje rodeada por 170 hectares de olival e 82 hectares de vinha, onde as diferentes castas se distinguem, ao longe, pela cor. "A mais vermelha é trincadeira, depois a syrah, e ali cabernet sauvignon", aponta Filipe. Na herdade, receberam, no ano passado, 15 mil visitantes, na maioria alemães. O crescimento do turismo e da visibilidade de Portugal lá fora são apontados pelo responsável da herdade como factores decisivos para o crescente interesse pelos produtos nacionais. "Portugal está na moda.

Temos o mundo de olhos postos no país e temos de aproveitar isso", nota. "Quando começámos [este negócio], o meu pai dizia-me que os vinhos e azeites portugueses eram os melhores do mundo, mas a notoriedade de Portugal era zero. Hoje, estamos a conseguir mostrar isso às pessoas".

Em 2016, a herdade, com 42 trabalhadores efectivos, transformou 1,1 milhões de quilos de uva e 6,3 milhões de quilos de azeitona – 2 milhões dos olivais próprios e os restantes de produtores parceiros. O negócio está a crescer a uma média de 20% ao ano, com subidas expressivas das vendas em mercados como a China e o Brasil. "No azeite, o mercado com mais expressão é Itália. No vinho, o grosso da produção é para a China e Brasil", resume Filipe Ramos.

No negócio da agricultura desde o final da década de 1990, o director da Herdade do Monte Novo e Figueirinha reconhece que muito mudou, sobretudo nos últimos sete a oito anos. "Deu-se uma grande revolução agrícola desde o Alqueva. É uma obra muitíssimo bem-feita, que trouxe uma valorização e riqueza incríveis", observa. "Hoje somos recordistas de produção em milho, olivais e papoilas". Uma situação muito distinta daquela que conheceu quando foi desafiado, pelo avô, para liderar a empresa, mais um negócio que o patriarca juntava ao Grupo Cameirinha, que actuava, entre outros, nos sectores imobiliário e automóvel. "Em troca quis ficar também à frente de uma das empresas de automóveis", conta Filipe Ramos. "Mas acabei por detestar os automóveis, e estava apaixonado pelo negócio da agricultura".

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