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O grande desafio dos agricultores

A transformação digital permite aumentar produtividades e optimizar os custos da exploração. O que importa é que o retorno seja superior ao que se investe.

06 de Novembro de 2018 às 16:00
Ricardo Gonçalves é presidente da Câmara Muncipal de Santarém, a capital da agro-indústria. Inês Gomes Lourenço
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"O grande desafio dos agricultores é optimizar a sua produção", afirmou Jorge Neves, director-geral da Agromais. Explicou que, numa economia global e aberta como a actual, o preço passa a ser um dado. "Não é pelo preço que se rentabilizam as explorações, porque os preços têm estado deprimidos, como no caso dos cereais, que são grandes culturas e que têm grandes áreas e que condicionam as outras culturas", adiantou Jorge Neves.

Se o preço de uma cultura desce, a oferta de terra disponível para outras culturas passa a ser maior. Havendo uma oferta de terra superior os preços das outras culturas tendem a ajustar-se por causa dessa maior oferta. "Sendo o preço um dado, o agricultor só tem duas vias e ou optimiza custos ou aumenta as produtividades, ou as duas coisas", disse Jorge Neves.

A transformação digital atravessa economia e a sociedade e também atingiu a agricultura, que é cada vez mais uma actividade digitalizada. Estas mudanças têm a ver com os recursos mas também com o território e a desertificação do país, como sublinhou João Lima, administrador do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV).

Agricultura de precisão

As novas ferramentas e a agricultura de precisão estão a ter um papel importante, "porque as ferramentas são intituivas e de custo baixo, por isso é um desperdício se os agricultores perderem esta oportunidade", analisou o director geral da Agromais.

"Estas novas ferramentas da Inteligência Artificial, da internet das coisas, acessíveis nos equipamentos agrícolas, nas explorações, permitem uma maior monitorização e aportam um valor acrescentado ao negócio porque reduzem custos, aumentam a capacidade de resposta e tornam a produção mais eficiente", João Lima.

Acrescenta que, "muitas vezes tem de ir buscar as soluções que já existem fora do sector porque acelera o processo de inovação e tem um grande potencial disruptivo". Exemplificou com a colaboração do INIAV com o INESC Porto em áreas como a IA, internet das coisas, a robótica para o sector agrícola e agro-industrial.

Retorno é que conta

José Potes, presidente do Instituto Politécnico de Santarém, referiu o Hub4Agri, que é um processo de digitalização da agricultura, que inclui um grande número de parceiros como as universidades, as empresas, os politécnicos.

"Digitalização da agricultura é falar de agricultura de precisão, de conservação. Não há nada na agricultura que não seja digitalizável, que quer dizer obter informação, tratá-la e agir de acordo com isso", concluiu.

Jorge Neves concorda que permite aumentar produtividades e optimizar os custos da exploração. Mas salienta que "optimizar o custo não significa que, por unidade por terra ou por unidade por produção, não se gaste mais, o que importa é que o retorno seja superior ao que se investe. Este é que é o grande desafio e há vários agricultores que o têm conseguido".

Falta mão-de-obra no vale do Tejo

Há uma dificuldade de fixação de pessoas na região de Vale do Tejo, considera João Lima, administrador do INIAV. A taxa de desemprego no município de Santarém é abaixo de 4%, mas há falta de mão-de-obra, o que implica, durante as campanhas tem de ser importada.

Para António Manso, administrador executivo da Bonduelle, "há um sistema que afasta as pessoas da actividade produtiva, pois existem desempregados. Temos esta reserva de mão-de-obra, muito deles sem formação, mas que rejeitam empregos e depois temos de importar mão-de-obra". Na sua opinião, "a falta de mão-de-obra é um travão ao desenvolvimento da agricultura no vale do Tejo". A região tem ainda sofrido a concorrência do regadio do Alqueva, que tem sido um sorvedouro de mão-de-obra especializada e qualificada.

"Esta dificuldade em encontrar mão-de-obra, mesmo em projectos de inovação e investigação, implica que sejamos capazes de a atrair", considera João Lima. Acrescenta que "não basta ter oferta formativa, é preciso atrair as pessoas, ter condições para que elas se fixem, para estarem envolvidas em projectos. Quando se fala em transferência de conhecimentos, a primeira transferência que temos são as pessoas que estão envolvidas em projectos e parcerias que depois são colocadas nas empresas".

Gerações agrícolas

Jorge Neves, da Agromais, faz uma análise mais funda e, além da escassez de mão, assinala o crescente envelhecimento dos agricultores. Diz que há "capacitação dos técnicos nas diferentes organizações industriais e agrícolas, com formação nas escolas superiores agrárias, e só assim podemos ter alguém para dar respostas aos agricultores".

O problema é que a média dos empresários agrícolas é cada vez mais elevada, por isso precisa de pessoas capacitadas nas explorações agrícolas, que apreendam estas novas tecnologias. "Houve duas gerações em que a agricultura foi mal vista e mal-amada por toda a gente, o que fez com que os agricultores não preparassem a passagem para as gerações seguintes para prosseguir com a actividade. Não há muitos jovens agricultores. A terra é um bem escasso e o acesso é muito caro, por isso o agricultor hoje ou é filho de agricultor ou tem muito dinheiro para investir", concluiu Jorge Neves.