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A grande ameaça das “big techs”

Cabe à regulação estabelecer um ambiente concorrencial com as “big tech”, que têm menos imposições do que o sistema financeiro e não disponibilizam os seus dados, como a banca tem de dar.

12 de Julho de 2019 às 16:30
Maria José Campos, administradora do Millennium bcp, defende o acesso dos bancos aos dados das “big techs”. Mariline Alves
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"Numa recente conferência internacional, alguém disse que Jeff Bezos, CEO da Amazon, era a pessoa mais perigosa do mundo porque tem um motor de negócios que aplica a qualquer indústria que ele considere que esteja parada", conta Paulo Figueiredo, administrador do Banco BIG. As "big techs", como são conhecidas a Amazon, Facebook, Apple, Google, Alibaba, impõem certo temor. "As ‘big techs’ operam de uma forma global e o seu objetivo não é só trabalhar na Europa ou nos Estados Unidos mas têm uma visão global e, a partir do controlo da informação que já têm, tiram proveito dela de uma forma contínua e global", diz Nuno Sousa, "vertical lead financial services" da Claranet.

"As ‘big techs’ vivem do domínio de um mercado internacional de biliões de dólares e podem atirar biliões para construir uma posição de mercado a fundo perdido até ter a escala para o fazerem a preços que ninguém suporta", salientou Ricardo Chaves, "chief comercial officer" da SIBS Partner In Payments. "Podem colocar milhões para fazer uma coisa que nem sabem à partida como monetizar, e podem fazer isto numa série de setores adjacentes. Puxa pela inovação, serve o consumidor porque traz um conjunto de serviços novos, mas é fundamental que se veja se não se está a caminhar para um modelo de concentração pior do que o ponto de partida".

Política e regulação

Os políticos e reguladores têm de se fazer ouvir, até pelo poder de intervenção que ainda ostentam. Fernando Faria de Oliveira admite que "há um conjunto de problemas relacionados com a estabilidade financeira que surge com o aparecimento destes novos ‘players’". Sublinha que esta mudança está a ser "objeto de uma grande atenção por parte do poder político e pelas autoridades regulatórias, mas ainda não se encontraram as vias suficientes para assegurar que o desenvolvimento da penetração das ‘big techs’ nos mercados financeiros não venha a desenvolver grandes problemas". Acrescenta que "o aparecimento disruptivo, se não devidamente regulado e acompanhado, pode criar sérios problemas com implicações na sociedade".

"O regulador tem de estabelecer um ‘level playing field’ e nivelar as várias preocupações de estabilidade financeira, proteção e privacidade dos dados, concorrência. A Apple tem o seu sistema de pagamentos fechado e poderia ser integrado nas ‘apps’ dos bancos. Está estipulado o ‘open banking’ para os bancos e sabemos que estes novos ‘players’ têm muita informação que seria muito útil para nós mas não é disponibilizada através da API", sustenta Maria José Campos, administradora do Millennium bcp.

"O sistema bancário europeu, através dos desenvolvimentos que são feitos na EBF [Federação Bancária Europeia], considera que assegurado um ‘level playing field’ correto, está em perfeitas condições de enfrentar esta concorrência por muito agressiva que seja. Mas temos preocupações de proteção de dados, de privacidade, de concorrência, DML [Data Manipulation Language], que se colocam para o lançamento de ativos como criptomoedas", assinala Fernando Faria de Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Bancos.

As novas gerações

Luís Melo, diretor de sistemas de informação do Montepio, referiu que nos Estados Unidos o custo de captação de clientes pelos bancos incumbentes andava na casa dos 200, 300 dólares, enquanto para as "big techs" andava na casa dos cêntimos de dólar. "Isto é uma diferença abissal para o desafio que os bancos têm de enfrentar do ponto de vista dos custos de estrutura para competir", concluiu.

Paulo Figueiredo defende que as "big techs" têm uma grande fragilidade, "que é a facilidade que se tinha de poder aceder a bases de dados dos seus clientes de uma forma incontrolada, como foi o caso do Facebook. Poucas pessoas estariam disponíveis para dar os acessos das suas contas bancárias ao Facebook, ou à Google". Considera que a confiança é o grande pilar da banca e que a posição que o cliente final tem, no que se refere aos seus dados pessoais, em relação à banca é diferente da que tem uma ‘fintech’ ou uma ‘big tech’. A banca tem este ativo, as ‘big techs’ não têm". Luís Melo contrapõe que "as novas gerações estão dispostas a perder parte da sua privacidade para obterem esta conveniência".

"O tema das ‘big techs’ é de uma grande importância do ponto de vista estratégico para a Europa e para União Europeia. A captação de valor por parte das ‘big tech’, que estão sobretudo localizadas nos Estados Unidos e na China, cria problemas ao projeto europeu e à sua capacidade de se criar ‘big techs’ equiparáveis", alertou Faria de Oliveira.

O poder real das "big tech"

"As ‘big techs’ já têm casos de bloqueio no acesso das funcionalidades fundamentais", disse Ricardo Chaves. No caso do MB Way, o Apple Pay impedia os pagamentos NFC ("contactless"). Na Suíça, o Twint, rival de pagamento móvel, pediu uma investigação à autoridade da concorrência contra o Apple Pay que bloqueava o aplicativo Twint, quando um telefone digitalizava um código QR para fazer um pagamento, diferendo que foi resolvido depois. Segundo Ricardo Chaves, "a SIBS já pediu/exigiu à Apple o acesso a essa peça de desenvolvimento para os bancos que estão a por as funcionalidades MB Way nas ‘apps’ e para a própria ‘app’ do MB Way". Explica que "há ano e meio que os clientes poderiam utilizar a funcionalidade, porque 70% da transacionalidade está no IOS e não pudemos fazer e tivemos de inventar um pagamento por Q-code, que é menos eficaz, para contornar essa dificuldade, porque o regulador não decide".