Há já uma nova geração de empresários que está a olhar de uma outra forma para a componente de mobilidade na remuneração global dos seus quadros, ou seja, muitos destes gestores não a vêem já como estratégica, diferenciadora ou sequer necessária. Rui Moita, director executivo da Esprit de Corps, explica que esta componente de remuneração, que teve o seu início em meados da década de 90, tem vindo a sofrer ajustes residuais, sendo o mais significativo o produzido em Abril de 2014 pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que procurava apurar se a atribuição de uma viatura para uso exclusivo do trabalhador, nomeadamente nas deslocações da sua residência para o local de trabalho, nos fins-de-semana e férias, constituía uma prestação remuneratória em espécie.
A alteração fiscal envolve as viaturas ligeiras de passageiros de valores de aquisição iguais ou superiores a 25 mil euros, que passam a pagar de tributação autónoma um valor que em muitos casos supera o montante da vantagem da dedução das despesas com a viatura, na determinação do lucro tributável.
Com todas as alterações fiscais, nomeadamente esta última, Rui Moita diz que a disponibilidade da viatura não é mais uma questão de "está incluído", mas sim "vamos analisar a sua inclusão".
Apreciação individualizada
"Os gestores de RH e as administrações vão passar a ter negociações de pacotes de remuneração individualizadas, isto é, vão deixar de ser aplicadas as políticas transversais de atribuição de viaturas, sendo as negociações com futuros colaboradores determinadas pelos interesses particulares de cada um, e que podem passar pelas obrigações fiscais (custos, subentenda-se) decorrentes da atribuição de viatura", sustenta o especialista.
Ainda assim, o director executivo da Esprit de Corps é da opinião de que continuará a existir um peso considerável nesta questão das viaturas, quer na selecção quer na contratação de profissionais, nomeadamente os que exercem funções de gestão de topo, mesmo tendo em conta este "aperto" fiscal, pois nos demais argumentos que sustentam a atribuição das mesmas, a percepção global continua a ser igual.
"Os benefícios, leia-se isenções de determinadas contribuições fiscais, são cada vez mais diminutos, incluindo apenas os subsídios de alimentação, vouchers/tickets de infância, estudo e pouco mais. Nem mesmo os seguros de capitalização, usados por algumas empresas há alguns anos, constituem já um benefício claro daquilo que poderá ser "calculado" como uma mais-valia de retorno líquido na remuneração global", prevê Rui Moita. Neste contexto de apreciação individualizada, as questões de "imagem de marca" das empresas continuarão, no entanto, a ser importantes e, como tal, em alguns sectores, em particular a gestão das viaturas, naturalmente que se observarão as determinações legais, mas, manter-se-á no essencial. E esta questão da "extensão" da imagem da empresa à viatura de serviço que os seus colaboradores usam, "não é de forma alguma, totalmente descabida", destaca o responsável.
Este novo sentido que o processo de atribuição de viaturas para determinados grupos de colaboradores está a tomar começa a estar patente nas contestações que se levantam no seio de algumas empresas. São exemplos as questões levantadas em 2010 com o número e segmento/marca das viaturas atribuídas aos gestores das empresas do grupo Águas de Portugal, ou, mais recentemente, a contestação pública de 85 colaboradores da Efacec sobre a decisão da administração da empresa em retirar as viaturas que lhes tinham sido atribuídas, e que por considerarem tal decisão "uma redução ilegal de vencimento" colocaram o assunto em evidência, contribuindo para as dúvidas e as polémicas desta matéria.
Questões de retribuição devem ser esclarecidas
Na opinião do director executivo da Esprit de Corps, estas notícias revelam dois pontos de vista importantes sobre esta matéria. Numa primeira instância há uma contestação que não sendo única é ainda pontual no sector e, demonstra uma determinada percepção pública, social e cultural sobre o significado da atribuição de viaturas. Em segundo lugar, dá conta de uma decisão de gestão que, independentemente dos factores que a precipitaram, revela um novo sentido para a decisão de atribuição de viaturas para determinados grupos de colaboradores.
Rui Moita diz que é importante esclarecer se o empregador atribuiu ao colaborador o direito de utilização da viatura na sua vida particular, incluindo em fins-de-semana e férias, e ao suportar os respectivos encargos, designadamente com a sua manutenção, seguros, portagens e combustível, se ficou vinculada a efectuar, com carácter de obrigatoriedade, essa prestação. "Se é (foi) assim, então a jurisprudência já existente nesta matéria, indica-nos que a atribuição do direito de utilização de uma viatura com estas condições constitui, pois, uma prestação em espécie com carácter regular e periódico e um evidente valor patrimonial, que assume natureza de retribuição", sustenta este especialista. Em suma é importante que não só empregador como o colaborado conheçam o actual regime legal aplicável no momento em que se decide atribuir uma viatura, de modo a evitar algumas consequências indesejáveis para ambos.