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Petróleo enriqueceu e aprisionou Riade. Agora quer libertar amarras
A Arábia Saudita é uma grande produtora de crude e tem sido esta matéria-prima a sua principal fonte de receitas. Mas o reino não quer estar refém do ouro negro. Para isso, tem em marcha o plano Vision 2030, que até inclui uma cidade futurista.
A Arábia Saudita é uma das maiores produtoras mundiais de petróleo e as suas reservas provadas de crude estão entre as maiores do mundo. É, decididamente, reconhecida internacionalmente como um interveniente-chave neste setor. Mas nem sempre foi assim. O Reino da Arábia Saudita, constituído em 1932 com a unificação das várias regiões que compunham o seu território, era uma terra pobre. Tudo mudou a 3 de março de 1938, com a descoberta de petróleo no país – o que levou a que deixasse de ser um aglomerado de desertos inóspitos para se transformar num reino rico. Esta descoberta, que levou à exploração bem-sucedida de petróleo e gás, “acabou por se tornar um acontecimento importante na história do século XX”, frisa a UNESCO.
E porquê? “Esta revolução industrial e o seu impacto global no que toca a moldar a economia do mundo contemporâneo tornam-se possíveis através do desenvolvimento de infraestruturas industriais – poços, refinarias, oleodutos, terminais marítimos, etc. – que constituem conquistas de peso ao nível da criatividade e engenharia humana”, aponta a agência da ONU numa análise à herança petrolífera da Arábia Saudita.
Desde então, a prosperidade saudita tem advindo, sobretudo, das receitas que o país obtém com a venda de ouro negro. Mas o petróleo, que é a sua fonte de riqueza, acabou também por se tornar uma debilidade: é o que acontece a qualquer Estado que dependa unicamente de um só recurso – que, ainda por cima, é finito. Para poder continuar a usufruir desta fonte de rendimento, Riade tem tentado mexer com os preços através de ajustes da oferta. Foi um dos membros fundadores da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), em 1960, e em 2016 deu alento a uma aliança mais alargada – o chamado grupo OPEP+, que conta já com 22 elementos – para poder estender essa prática a ainda mais países.
Contudo, há países fora desta coligação – como os EUA, Canadá, Brasil e Guiana – que têm aproveitado a retirada de crude do mercado por parte do cartel para ganharem quota de mercado. A Arábia Saudita, entre outros produtores que participam neste esforço de aperto das torneiras, não tem gostado nada, já que os preços acabam por não subir na dimensão desejada. E quando se depende tanto desta matéria-prima para engordar os cofres do reino, a queda das cotações não ajuda.
Crude saudita é mais rápido e mais barato de produzir
Os sauditas têm uma vantagem absoluta no petróleo, dado que conseguem produzi-lo mais barato do que qualquer outra nação. Além disso, precisam de apenas uma hora para produzirem um barril, contra duas horas nos Estados Unidos, por exemplo. E têm também uma vantagem comparativa, já que não há nenhuma outra atividade económica na Arábia Saudita que seja tão produtiva e rentável como produzir crude. Mas os sauditas não querem estar reféns do petróleo. E, por isso mesmo, o príncipe herdeiro Mohammed Bin Salman tem em marcha, desde 2017, um ambicioso plano de desenvolvimento económico do reino, conhecido como Vision 2030.
Esta agenda reformista tem um plano estruturado para diversificar a economia, torná-la menos dependente da indústria do petróleo, e modernizar o país com objetivos e metas claras até 2030, entre as quais aumentar a participação do setor privado de 40% para 65% da economia, aumentar a participação feminina na força de trabalho de 22% para 30% e aumentar a fatia das exportações não relacionadas com o petróleo. Entre outros recursos naturais do reino contam-se o gás natural, minério de ferro, ouro e cobre.
Neste âmbito, os sauditas estão, por exemplo, a apostar mais no desporto – têm comprado clubes, entraram em ligas profissionais e financiaram um novo circuito de golfe – e, para isso, o fundo soberano do reino criou uma sociedade de investimento (SRJ Sports Investments).
Como parte deste plano de diversificação, a Arábia Saudita anunciou a construção de megaprojetos como a Neom – uma cidade futurista no meio do deserto, apoiada pelo Fundo de Investimento Público do Reino da Arábia Saudita e que acolherá nove milhões de pessoas.
Bin Salman quer tornar o local numa atração turística e num centro global de tecnologia e inovação, e será a primeira megacidade do mundo a ser alimentada exclusivamente por energia renovável. E espera que a Neom possa ser também uma substituta da atratividade do Dubai e de Abu Dhabi, dois dos sete emirados dos Emirados Árabes Unidos (EAU). De que forma?
“A Arábia Saudita e os EAU são aliados próximos. Mas uma das coisas que Riade está a tentar fazer é que as empresas internacionais transfiram as suas sedes regionais para a Arábia Saudita, quando a maioria delas tem atualmente sede no Dubai ou Abu Dhabi”, diz Richard Bronze, diretor de geopolítica na consultora Energy Aspects, em entrevista à NPR. “O Vision 2030 não se prende unicamente com edifícios improváveis numa cintilante cidade no deserto. Tem também o objetivo de criar, de uma forma geral, a economia não petrolífera [saudita]”.
Com estes esforços, Riade tem tudo para conseguir deixar de ser petro-dependente em matéria de receitas. E, pelo meio, “a Arábia Saudita pode perfeitamente gerir um défice orçamental, não precisando de ter um orçamento equilibrado [isto é, um perfeito equilíbrio entre despesas e receitas]”, diz ao Negócios Giovanni Staunovo, analista de “commodities” do UBS. Por isso mesmo, o estratega do banco suíço acredita que “o objetivo primordial da OPEP+ é manter um mercado petrolífero equilibrado, em vez de lutar por quota de mercado”.
Análise à herança petrolífera da Arábia Saudita.
Diretor de geopolítica na consultora Energy Aspects
Analista de “commodities” do UBS