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A história secreta do maior negócio petrolífero de Wall Street

Os homens reuniram-se na mesma sala de conferência de sempre, no primeiro andar, mas daquela vez tinham decidido tornar a sua aposta anual no petróleo mais substancial e mais ousada do que nunca.

Reuters
08 de Abril de 2017 às 15:00
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Cerca de 10 representantes de três ministérios do governo mexicano e da estatal Petróleos Mexicanos estavam prestes a executar uma jogada que iria totalmente contra a maré. Se funcionasse, os lucros seriam enormes. Mas e se correse mal? Eles teriam gasto uma pequena fortuna em vão.

 

Quase sete meses antes, no início de Janeiro de 2008, o preço do barril de petróleo tinha-se aproximado do patamar dos 100 dólares pela primeira vez na história. O valor recuou para menos de 90 dólares no fim do mês, mas depois descolou no início de Fevereiro. O West Texas Intermediate, referência nos EUA, atingia mensalmente novos recordes - 103,05 dólares, 111,80, 119,93, 135,09, 143,67 - até que, no início de julho, o barril atingiu 147,27 dólares – o seu máximo de sempre, ainda actual.

 

A procura aparentemente insaciável das economias emergentes, incluindo China e Brasil, encorajava apostas escandalosas num barril a 200 dólares entre os traders mais empolgados. Mesmo aqueles com projecções mais pessimistas estavam bastante optimistas, calculando que haveria uma correcção, mas não um colapso.

 

Contudo, a 22 de Julho de 2008, apenas 11 dias após atingir o máximo histórico, esse pequeno grupo de mexicanos reuniu-se para discutir a sua muito diferente projecção para o petróleo. O encontro teve lugar no ornamentado do Ministério da Fazenda do México. O palácio - localizado no Zócalo, a enorme praça principal da capital – tinha sido construído séculos antes, sobre o lugar onde anteriormente tinha estado a casa do conquistador Hernán Cortés. Nos muros em torno da entrada principal, murais gigantescos de Diego Rivera retratam a história do país.

 

Quando "os homens da Fazenda", como são conhecidos, voltaram às suas mesas, a sua missão era travar, ou proteger, a receita do México com o petróleo, através de uma transacção com os bancos de Wall Street. Minutos depois, eles começaram a disparar mensagens para as mesas de negociação de petróleo do Barclays, do Goldman Sachs, do Morgan Stanley e do Deutsche Bank.

As suas instruções eram comprar opções de venda, contratos que lhes conferiam o direito a vender petróleo a um preço futuro pré-determinado, a níveis que variavam de 66,50 e 87 dólares por barril. Os bancos que receberam as ordens nunca tinham visto uma transacção tão significativa no sector de petróleo. O valor apostado nas opções era de 1,5 mil milhões de dólares.



 

De Houston a Nova Iorque, passando por Londres, os executivos bancários trabalharam em contra-relógio para fechar a gigantesca transacção. Equivalia a 330 milhões de barris, o suficiente para suprir um ano de importações de petróleo da Holanda. O Barclays, que na época estava a entrar nas grandes ligas das commodities, ficou com a maior parte da compra, 220 milhões de barris. O Goldman ficou com a segunda maior fatia, de 85 milhões de barris.

 

A aposta de que os preços do petróleo estariam prestes a começar a cair foi audaciosa, e mais notável ainda pelos indivíduos que estavam por trás do acordo - funcionários públicos com cargos despretensiosos como "director geral de planeamento orçamental".

 

No lucrativo sector do petróleo, conhecido pelas remunerações generosas, esses funcionários do governo eram provavelmente os profissionais de menor remuneração. Contudo, os homens da Fazenda – assim denominados, apesar de, por vezes, haver mulheres na sala -, mostraram clarividência ao anteciparem um colapso.

 

Todos sabiam que o mundo se aproximava de uma crise financeira. No entanto, devido às suas excelentes ligações bancárias e políticas com os EUA, o México pode muito bem ter tido uma visão mais clara sobre o quanto é que a situação pioraria. Além disso, sendo um dos maiores exportadores de petróleo do mundo, o país geralmente dispõe de melhores informações do que, por exemplo, os hedge funds, em relação à evolução do mercado. Em 2008, essa informação levou as pessoas presentes na sala a acreditarem que a oferta global estava muito acima da procura mundial.

 

Dito e feito: enquanto os bancos executavam a transacção, ao longo de um período de cinco meses, os preços do petróleo entraram em queda livre, no âmbito da pior catástrofe financeira desde a Grande Depressão. Em 2009, o preço médio do petróleo era de menos de 55 dólares por barril, abaixo do preço médio das opções: 70 dólares.

 

A chave para o sucesso dessa enorme cobertura soberana sobre o petróleo foi agir "muito rapidamente", diz Gerardo Rodríguez. Subsecretário de finanças e crédito público na época, ele era uma das pessoas presentes na sala; actualmente, é administrador executivo na BlackRock. "No início do Verão, vimos que a crise financeira estava a avançar rapidamente", diz ele. "Apesar disso, os preços do petróleo ainda estavam elevados. Estavam a subir, inclusive. Nós dissemos a nós mesmos: ‘precisamos de um seguro, e precisamos de tirar proveito dos preços do petróleo a 150 dólares’."

 

Em Dezembro de 2009, os quatro bancos de investimentos envolvidos na transacção transferiram os recursos do investimento para o México. Registos oficiais do dinheiro depositado na conta número 420127 do banco estatal Nacional Financiera mostram a considerável quantia encaixada pelo México: 5.084.873.500 dólares.

 

Os "hedges sobre o petróleo" não são invulgares. As empresas aéreas utilizam-nos para se protegerem contra os aumentos dos preços; as produtoras de xisto dos EUA dependem deles para garantirem as suas receitas. Mas nenhum negócio esteva ainda perto de igualar o "hedge da Fazenda" em que o México apostou anualmente.

 

"O México representa a maior transacção anual do sector de petróleo", diz Goran Trapp, fundador da consultora Energex Partners e ex-chefe global de negociação de petróleo do Morgan Stanley. Nos últimos 10 anos, o valor nocional do hedge chegou a 163 mil milhões de dólares. "É o negócio por que todos os bancos esperam anualmente", diz Richard Fullarton, fundador do fundo de commodities Matilda Capital Management e ex-trader sénior da Royal Dutch Shell e da Glencore. "É tão grande que faz a diferença no ano deles, para o bem ou para o mal".

 

Apesar da dimensão, do impacto e das enormes comissões da transacção, poucas pessoas, mesmo no sector de energia ou em Wall Street, sabem muito este respeito. Meticulosamente, o 12º maior produtor de petróleo do mundo e os seus banqueiros rodearam o programa de sigilo para evitar que os demais - por exemplo, tradings e hedge funds - se antecipem às ordens bolsistas do México. "A minimização da sua visibilidade é extremamente importante", escreveram Javier Duclaud e Gerardo García, dois altos funcionários do Banco Central do México, num relatório de 2012 para o Fundo Monetário Internacional.

 

Esta é a história nunca contada sobre como o México, desde 1990, construiu aquela que rapidamente se transformou na maior e mais sigilosa transacção de petróleo do mundo. A Bloomberg Markets revelou a história secreta do "hedge da Fazenda" através de dezenas de entrevistas com actuais e ex-funcionários do governo, traders, corretores, banqueiros e consultores e também através da análise de milhares de páginas de documentos nunca antes publicados, alguns deles obtidos por meio de pedidos de liberdade de informação nos EUA e no México. Apesar de algumas pessoas terem concordado em falar abertamente sobre este negócio, outras preferiram usar a condição de anonimato por se estar a falar de um programa confidencial do governo. 

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