Notícia
"Os filhos não são investimento"
Gustavo Cerbasi, um dos principais gurus das finanças pessoais no Brasil, explica por que os pais não devem contar com a ajuda dos filhos na velhice: isso significaria que a sua maior herança seria dificuldade financeira.
29 de Março de 2011 às 08:45
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Em "Filhos Inteligentes Enriquecem Sozinhos" defende que a mesada que se dá aos filhos não deve seguir um modelo de recompensa nem de prémio escolar. Porquê?
Quando os pais justificam a mesada com o argumento de que o filho foi bem na escola ou arrumou direitinho a cama, estimulam a criança a associar bom comportamento com remuneração. O erro é grave, pois, no longo prazo, a criança perde o senso de responsabilidade individual e tende a monetarizar todas as obrigações e relações pessoais. Na prática, a criança tende a usar a chantagem para conseguir o dinheiro que precisa para realizar seus sonhos. O dinheiro deve ser explicado como sendo consequência de nosso trabalho e, por isso, a mesada não deve ser tratada em hipótese alguma como propriedade ou direito da criança. O direito que a criança adquire ao receber a mesada é o de administrar uma pequena parte do orçamento da família, porque os pais entendem que ela tem condições de assumir essa responsabilidade.
De forma alguma. A inflação e a queda da renda são factos reais, e as crianças podem e devem se envolver não só com o problema, mas também com a busca de soluções para contorná-lo. Tempos de crise exigem planos emergenciais. Por isso, antes que o dinheiro falte, recomendo que os pais procurem discutir alternativas com os filhos: "sua verba para lanches na escola é de cinco euros por semana, mas, se você levar lanche alguns dias de casa e guardar metade desse valor, terá reservas para os meses em que tenhamos dificuldades de custear a mesada".
Uma das coisas que esta crise tornou evidente foi que muitas famílias portuguesas vivem acima das suas capacidades. Como convencer as pessoas a viver dentro das suas possibilidades?
Infelizmente, as oportunidades de consumo e de crédito que surgiram com o mercado comum chegaram aos consumidores mais rapidamente do que a educação financeira. Hoje, os portugueses têm educação financeira aprendida na prática, a partir de seus erros e arrependimentos. Porém, continuam errando, tentando cortar pequenos gastos tidos como supérfluos, para tentar preservar a estrutura de custos assumida nos últimos anos. Não são os pequenos gastos que devem ser cortados, mas sim os grandes. Se optarmos por mudar para uma casa 20% mais barata ou trocar o automóvel por outro 20% mais barato, adoptamos uma vida mais simples que permite manter os pequenos e prazerosos gastos. Em outras palavras, quando os portugueses aprenderem a ter uma vida mais simples, perceberão que o resultado será uma vida mais rica.
Na sua actividade de consultor, qual é a maior dificuldade que as pessoas mostram na hora de investir e poupar?
Mesmo quando convencidas a formar poupança, a maioria das pessoas não consegue preservar os recursos poupados por muito tempo. Basicamente, por duas razões. Primeiro, porque o hábito de poupar envolve deixar de gastar (ou seja, diminuição do prazer) e o hábito de investir não nos recompensa na mesma intensidade. Investir só é prazeroso para quem tem muito dinheiro, pois os rendimentos volumosos trazem sensação de bem-estar e segurança. Segundo, porque o planeamento financeiro não é um hábito de muitas famílias e, por isso, imprevistos frequentes levam as famílias a recorrer a suas reservas.
A inflação é um dos principais elementos a contabilizar na programação da poupança. A taxa de inflação em Portugal (que ultrapassou recentemente os 3,5%) está a aproximar-se da do Brasil (acima de 5%). Há alguns cuidados especiais quando se chega a estes níveis de inflação?
Sem dúvida. Nesta questão, nós brasileiros somos grandes especialistas. Do ponto de vista do investimento, é preciso fazer as contas subtraindo a inflação dos ganhos médios anuais, e ao menos uma vez ao ano aumentar o valor de nossas contribuições regulares em uma proporção ligeiramente superior à da inflação. Eu recomendo que, para taxas de inflação inferiores a 5%, o valor investido mensalmente seja aumentado em 5% a cada ano. Do ponto de vista do consumo, é preciso ter cuidados maiores. O objectivo deve ser o de driblar a inflação, evitando consumir produtos cujos preços subam demais, ou até acumular produtos duráveis em pequena quantidade quando houver queda forte de preços. Quando o salário não é corrigido por muitos meses, não há outra solução senão mudar hábitos de consumo.
A inflação tem um especial impacto no longo prazo, como na preparação da aposentação. No seu livro diz que "os filhos não são investimento". Isso quer dizer que os pais não devem contar com a ajuda deles nos seus anos de velhice?
Não deveriam, e esse é o ponto que motivou a criação deste livro. Quando uma geração não consegue construir uma aposentação digna e conta com seus filhos para custear a diferença, passa a criar dificuldades para que os filhos poupem e garantam sua própria aposentação. Como consequência, deixamos a pobreza e as dificuldades como legado a nossos filhos. O problema começa quando pais deixam de planear sua aposentação para poder garantir o casamento, a compra da casa ou do carro dos filhos, tirando-lhes a obrigação de se esforçarem para atingir objectivos com o próprio esforço. Presentear os filhos é como deixar o recado de que estão ajudando hoje e contando com ajuda amanhã.
A aposentação é um dos principais objectivos financeiros que as famílias enfrentam. Pela sua experiência, quais são os principais erros que se cometem no planeamento da aposentação?
O maior erro é o dos jovens, de adiar a preocupação com o futuro. Em geral, a preocupação com a aposentação só se torna evidente com a chegada do primeiro filho, depois de vários anos de trabalho. Se cuidassem de seu futuro desde o primeiro salário, vivendo com não mais do que 90% de seus ganhos, os jovens não teriam dificuldades de garantir uma aposentação confortável. Outro erro bastante frequente é o de subestimar o valor da contribuição, ou de superestimar a segurança e a rentabilidade dos investimentos. Muitos profissionais próximos à reforma percebem que têm menos património do que realmente precisam, porque contribuíram pouco. Recomendo não menos do que 10% dos ganhos, ou 15% para quem começar seu plano de aposentação após os 30 anos de idade.
Um investidor avesso ao crédito O guru prefere poupar e esperar do que fazer grandes gastos recorrendo à dívida. Durante a primeira década da sua carreira, Gustavo Cerbasi trabalhou intensamente - mais de 12 horas por dia -, poupou e investiu activa e agressivamente para alcançar a independência financeira. Ele assume que fez grandes sacrifícios. "Foram seis meses de poupança para o primeiro carro da Adriana, minha esposa, dois anos de poupança para nosso casamento, três anos para nosso apartamento. Sacrifício com objectivo definido não é sofrimento, é gincana", conta. Quando finalmente atingiu a independência financeira, em 2005, aos 31 anos, passou a fazer escolhas pautadas apenas pelo bem-estar. Na altura, o seu pé-de-meia ultrapassou um milhão de reais (cerca de 420 mil euros hoje). Agora trabalha porque gosta. "Entendo cada ganho que vem do meu trabalho como uma contribuição ao meu património, não ao pagamento de contas, pois garanto meu padrão de vida com o rendimento de meus investimentos - que hoje são muito mais conservadores." Quando era mais novo torcia por crises financeiras para poder comprar acções nas quedas do mercado. Hoje continua a apostar nas baixas, mas a sua carteira de investimentos está dividida em três partes mais ou menos iguais: acções, imóveis e títulos de dívida pública brasileira. Cerbasi diz que não investe fora do Brasil - ainda. "Quanto mais trabalho, mais melhoro o padrão de vida de minha família. No dia em que decidir parar de trabalhar - se esse dia chegar - eu poderei manter o padrão de vida apenas com o rendimento dos investimentos. E isso é muito bom, recomendo." |
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Três livros por Gustavo Cerbasi
O livro "Filhos Inteligentes Enriquecem Sozinhos", que chega agora às livrarias, é o terceiro do autor em Portugal.
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Preço: 12,11€
É um guia de finanças para casais. Para Gustavo Cerbasi, a principal causa de discussão entre casais é a falta de conversa sobre dinheiro: a maioria não faz um orçamento, não guarda dinheiro para atingir as suas metas, não tem planos para a manutenção do seu padrão de vida no futuro, toma decisões de compra sem reflectir e investe mal o dinheiro. Este livro traz sugestões para casais em diversas fase do relacionamento, dos namorados até quando já se têm filhos adultos.
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Preço: 12,00€
Escrito com Christian Barbosa, um especialista brasileiro em gestão do tempo, este livro procura ajudar os leitores a gerir o tempo para que possam ganhar e gastar mais dinheiro. Cerbasi e Barbosa defendem que, ao contrário do que se pensa, tempo e dinheiro não estão em falta no mercado. É preciso é saber encontrá-los.
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Preço: 13,00€
As crianças e os jovens estão em permanente contacto com as questões financeiras, por isso Gustavo Cerbasi aconselha os pais ensinarem os seus filhos a sobreviver no mundo do dinheiro desde cedo. O autor apresenta ideias para aplicar no dia-a-dia que, quando adoptadas em família, mostraram efeitos bastante positivos na forma como crianças e jovens passaram a lidar com os próprios recursos e com a riqueza da família. Cerbasi quer que a verdadeira herança que os pais deixam aos filhos seja o ensino de como administrar melhor o dinheiro e formar o próprio património.