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Campeões das previsões
Se há ano em que a capacidade de previsão dos analistas foi posta à prova, foi 2008. O índice Dow Jones Stoxx 600, que inclui as 600 maiores empresas da Europa, afundou-se mais de 45%, num período em que "turbulência" e "incerteza" foram as...
29 de Maio de 2009 às 10:27
Entre os melhores analistas da Europa estão três portugueses. Acertaram nas previsões que fizeram em 2008 e isso distinguiu-os entre os seus pares, num ano "horribilis" para os mercados mundiais.
Se há ano em que a capacidade de previsão dos analistas foi posta à prova, foi 2008. O índice Dow Jones Stoxx 600, que inclui as 600 maiores empresas da Europa, afundou-se mais de 45%, num período em que "turbulência" e "incerteza" foram as palavras mais ouvidas quando se falou de mercados accionistas.
Num ambiente como o que se viveu no ano passado, os "rankings" elaborados pela Starmine, em parceria com o "Financial Times", para os melhores analistas da Europa, assumem maior importância. E entre 4.194 analistas considerados na edição mais recente, estão três portugueses: Carla Antunes da Silva, da JP Morgan, Bruno Silva, do BPI, e João Mateus, do Millennium Investment Banking. Foram considerados os melhores a fazer previsões nos sectores que acompanham, num ano em que a tarefa foi difícil para quase toda a gente.
Bruno Almeida da Silva, do BPI, fez as melhores previsões para as empresas do sector da "utilities". Acompanha as empresas ibéricas desta área há dois anos, depois de 10 anos com o sector de infraestruturas. Sobre 2008, diz que "foi um ano atípico", mas em que a sua área ganhou notoriedade por causa das energias renováveis. O especialista acompanha a EDP e a Iberdrola Renováveis, as respectivas casas-mãe e todas as "utilities" em Portugal e Espanha. "Os preços da energia baixaram, o que foi negativo. Mas, durante o ano, foi um sector que manteve um ângulo especulativo", diz Bruno Silva, para quem um bom analista precisa de ter, além de uma boa preparação técnica, uma visão critica e independente das empresas que analisa.
Os "rankings" FT/Starmine foram feitos, também, para as estimativas de resultados das empresas. E neste campo, João Mateus destacou-se com as suas previsões para o sector das empresas industriais. O especialista, que cobre em Portugal a Portucel, Semapa, Cimpor e a Altri, entre outras do sector, foi eleito o terceiro melhor da Europa a prever resultados. Como conseguiu? Juntando competências de análise de balanços com compreensão da economia e dos mercados "porque, hoje em dia, as empresas são globais". No seu sector, em particular, é essencial conhecer bem os mercados onde as empresas actuam.
Recomendações de venda chegaram tarde
Com a crise financeira que se instalou nos mercados em 2008, os analistas foram criticados pelo atraso na percepção da gravidade dos acontecimentos e na emissão de recomendações de venda. Segundo os dados da Starmine, as recomendações de venda representavam apenas 23,7% do total, contra 42,8% de compra, no ano passado.
Esta situação levou o mercado a acusar os analistas de falta de distanciamento em relação às empresas que analisam. João Mateus recusa essa visão dizendo que, no caso do sector que cobre, seria "quase imoral recomendar a venda das acções" porque "os valores de mercado estavam baixos e não reflectiam o valor fundamental das empresas".
Este analista garante nunca ter sentido pressão por parte das empresas que segue com o objectivo de influenciarem as suas análises. Carla Silva discorda: "qualquer analista já sentiu pressão". Mas diz que a situação melhorou desde 2002, com a separação entre "corporate finance" e "investment research" nas casas de investimento. Bruno Silva alerta para o facto de algumas empresas "confundirem recomendações baseadas no preço de acções com recomendações sobre as equipas de gestão" mas, diz, essas são a excepção e não a regra.
O que é o "ranking" FT/Starmine? Esta foi a segunda edição dos prémios para os melhores analistas da Europa atribuídos pelo "Financial Times" em colaboração com a Starmine, empresa de "research analítico" da Thomson Reuters. Foram elaborados dois "rankings", globais, um com os melhores analistas a fazer recomendações para acções, outro com os melhores a fazerem estimativas de resultados. E, também, "rankings" por indústria, nas duas vertentes, o "stock picking" e a previsão de resultados. No grupo de recomendação de acções (1.990 analistas), a ordenação é feita segundo o "industry excess return" que é calculado a partir de uma simulação que mede a performance relativa ao "benchmark" da indústria. Nas previsões de resultados os analistas (2.204) são agrupados com base no "Single-stock Estimate Score" (SES), que mede a precisão das estimativas de resultados de cada analista. É uma medida de precisão relativa, ou seja, os analistas são comparados com os homólogos e vai de zero a 100 com 50 a representar o analista médio. |
"Só tinha recomendações de venda"
Desde Abril de 2002, exerce actividade numa das maiores casas de investimento do mundo, o JP Morgan, em Londres. Em 2005, passou a ser a analista responsável pelos bancos britânicos. Estudou Política, Filosofia e Economia no St. Edmund Hall, em Oxford, e tem um mestrado em Gestão na London School of Economics. Carla e a sua equipa do JP Morgan ficaram classificados em terceiro lugar no "ranking" de 2008 da Internacional Investor, e em segundo no de 2009. A "Shares Magazine" refere-se a Carla Antunes da Silva, num artigo publicado no final do ano passado, como a analista feminina com a "performance" mais elevada. Empresa favorita Credit Suisse Carla Antunes da Silva afirma que "já não estamos no período de risco sistémico" mas acrescenta que ainda é cedo para falar em recuperação. "Acho que ninguém pode dar essa resposta dadas as mudanças estruturais que o sector bancário tem que fazer, mas sobre as quais ainda não sabemos exactamente o que vai ser feito". A equipa de Carla Silva elege o Credit Suisse como a empresa favorita do sector para este ano. E justifica a escolha dizendo que é aquele que tem a menor probabilidade, entre os europeus, de precisar de capital adicional devido à sua excelente posição de capital e à geração de "cash flows" da sua rede de banca privada. Em 2010, esta área deverá representar 33% dos lucros do banco suíço, segundo as previsões do JP Morgan. A casa de investimento diz que prefere os bancos de investimento aos tradicionais de crédito, em relação aos quais tem uma visão negativa "com rendimentos materiais em risco, uma vez que estamos numa recessão e a ver aumentos dos níveis de provisões. |
"As renováveis ganharam visibilidade"
Cobre este sector a nível ibérico, há dois anos. Anteriormente, analisava as empresas de infraestruturas. EDP, EDP Renováveis, Iberdrola, Galp, Gás Natural, são algumas das companhias sobre as quais emite recomendações de investimento. Tirou o curso de Economia na Faculdade de Economia do Porto e tem um mestrado em Finanças pela London Business School. Olha para 2008 como um "ano atípico" mas em que o seu sector, em particular as renováveis, "ganhou visibilidade". Sobre a actividade que exerce, diz que um bom analista tem que ter uma boa preparação técnica e uma visão critica e independente das empresas que analisa. Empresa favorita Energias de Portugal (EDP) Bruno Silva elege a EDP como a "top pick" no sector das "utilities" para este ano. O especialista diz que a "eléctrica" nacional é a preferida, à frente da congénere espanhola Iberdrola ou da Gás Natural e da Galp. "A EDP beneficia de ser uma empresa com um perfil mais regulado e, por isso, com um rendimento mais garantido", disse o analista ao Negócios. Além disso, o aumento da visibilidade da EDP Renováveis, com as medidas de investimento adoptadas nos Estados Unidos, também pode beneficiar a casa-mãe. Bruno Silva admite que, "em 2009, estamos num posicionamento mais defensivo" e "daí a aposta na EDP". A "performance" em bolsa vai depender, este ano, da evolução de duas variáveis. Por um lado, dos preços da energia no mercado, que dependem da evolução da procura. Por outro, da evolução do petróleo e do gás natural cuja tendência ainda não está bem definida. Bruno Silva considera que os preços da energia ainda estão "muito baixos, o que não é bom para o sector". |
"Um bom analista é aquele que acerta"
À questão de saber o que é determinante para ter sucesso na sua actividade, responde: "um bom analista é aquele que acerta". Com o objectivo de garantir total isenção na previsão de resultados, "é importante acertar com mais antecipação", acrescenta. O "Financial Times/Starmine" distinguiu-o pela precisão na previsão de resultados, colocando-o em terceiro lugar no grupo dos analistas que exercem essa função. João Mateus diz que os analistas de casas de investimento locais têm tendência para ser mais precisos porque "analisam menos empresas e conhecem-nas melhor". Empresa favorita Portucel "O futuro vai sorrir para alguns e acredito que a Portucel é um deles, porque não vai sorrir para todos". João Mateus elege a Portucel como a sua empresa favorita para este ano, no sector que analisa. "Gosto muito em particular da Portucel porque tem uma capacidade já existente, uma estrutura financeira pouco endividada face ao sector, que lhe dá capacidade para avançar com investimentos, nomeadamente em outras geografias", explica o especialista. Para 2009, há indicadores que mostram alguma recuperação, nomeadamente a nível industrial na China, mas ainda "falta saber se a recuperação é sustentada ou se vai ter uma interrupção", acrescenta o analista. João Mateus recomenda aos investidores que "escolham as empresas dentro dos sectores, porque os sectores não vão acabar mas há empresas que não vão conseguir sobreviver". Quando a crise passar, "as que sobreviverem vão ter um mercado mais limpo e vão beneficiar de menos concorrência", prevê. |
O que é necessário para ser um bom analista
Capacidade de distinguir entre a empresa e a acção
Um bom analista deve conseguir distinguir a empresa da acção. Por vezes, há um conflito entre os dois. Conseguir perceber a relação entre os fundamentais da empresa e o seu comportamento em bolsa é um desafio constante.
Competência na análisede balanços
O exercício da actividade de um analista exige fortes competências na análise de balanços das empresas. Perceber as contas da empresa e detectar falhas que possam vir a afectar a sua situação financeira é uma característica essencial para a antecipação de problemas que vão afectar a "performance" da acção.
Espírito curioso
Conhecer em profundidade a empresa que se está a analisar e os mercados em que actua.
Espírito inquisidor
Não ficar satisfeito com as respostas que a empresa dá, pensar que pode haver sempre mais alguma coisa e fazer muitas perguntas. As empresas gostam de análises positivas e, se puderem, vão tentar influenciá-las nas respostas que dão às questões que lhes são colocadas.
Compreender a economia e os mercados
As empresas, hoje em dia, são globais. Por isso, é essencial para um analista compreender a economia como um todo e a sua relação com a evolução dos mercados.