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Oposição ameaça derrubar executivo francês. Governo não cede a "ultimatos"
Crise política adensa-se em França e a Assembleia Nacional está a caminho de uma moção de censura que poderá acontecer na quarta-feira. Ninguém, entre governo e oposição, parece estar disposto a ceder.
A crise política em França parece ser de resolução cada vez mais díficil. De um lado, Marine Le Pen abriu a porta, em declarações à AFP, a um voto favorável da União Nacional a uma moção de censura, ao afirmar que o governo "pôs fim às discussões" sobre o orçamento e, de outro, o ministro das Finanças, Antoine Armand, fez saber à Bloomberg que não "aceita ultimatos" e que "não será chantageado".
A indicação do partido de extrema-direita é a mais forte das últimas semanas e abre a porta à queda do governo numa votação que poderá acontecer já na quarta-feira. Para a oposição, a cedência do primeiro-ministro Michel Barnier relativamente aos preços da eletricidade não é suficiente e quer ver aprovadas várias medidas: uma redução dos reembolsos de medicamentos, uma moratória sobre impostos novos ou mais elevados, medidas para a competitividade das pequenas e médias empresas e pensões indexadas à inflação já a partir do próximo ano - uma proposta que é acompanhada pela esquerda.
"A União Nacional vai ativar um voto favorável à moção de censura, a não ser que haja um milagre de última hora", disse Jordan Bardella, presidente do partido, à rádio RTL. "Se Barnier mudar o seu texto até às 15 horas" o desfecho pode ser diferente, mas Bardella diz ter "poucas esperanças de que [o primeiro-ministro] veja a luz, uma vez que está a ser ignorado e desprezado há vários meses".
Mais concretamente estão em causa três processos legislativos diferentes que têm de ser aprovados até ao dia 1 de janeiro de 2025: o orçamento para a Segurança Social, uma correção do orçamento de 2024 para contabilizar as divergências face ao projeto orçamental inicial e ainda o orçamento do governo central para 2025.
Com o parlamento dividido, só em casos em que a extrema-direita ou toda a esquerda de abstenham, o governo consegue passar leis substanciais, o que leva a que o cenário de levar a proposta de orçamento à Assembleia Nacional, de acordo com uma nota do Citibank, não seja realistico.
Barnier terá assim de recorrer - para cada um dos processos legislativos - a um mecanismo constitucional, o artigo 49.3, para se sobrepor aos deputados, o que permitirá à oposição apresentar uma moção de censura. Os partidos da esquerda já afirmaram que votam a favor e a direita juntou-se a esse coro, elevando a pressão sobre o executivo gaulês.
Caso uma moção de censura seja aprovada, o governo cai e todos os ministros têm de se demitir. Nesse caso, "o atual governo mantém-se num papel de 'tutor', enquanto aguarda a formação de um governo sucessor, mas não tem, a partir de 1 de janeiro, autoridade legal para aumentar os impostos ou contrair dívida", refere a nota do Citi. A alternativa - tendo em conta a dificuldade em formar novo governo até ao final do ano - passa assim pelo executivo pedir uma autorização constitucional para ter acesso a financiamento, que na prática não é mais do que transferir o orçamento de 2024 para 2025.
E "só se o parlamento recusasse essa autorização é que França entraria realmente no equivalente a uma paralisação do governo". A partir daqui há poucas certezas, mas os analistas do Citi indicam que resultaria "muito provavelmente em défices mais elevados do que o que consta da atual proposta de orçamento".
Mercados em alerta. "Spread" face à Alemanha toca máximos da crise, euro em queda e bolsas no vermelho
Na semana passada os sinais de alerta começaram a surgir nos mercados quando um indicador de risco da dívida francesa atingiu o nível mais elevado desde a crise da dívida da Zona Euro, em 2012. Trata-se do prémio de risco, ou "spread", que os investidores exigem para deter obrigações soberanas francesas a 10 anos em relação às congéneres alemãs com a mesma maturidade, que servem de referência para a Zona Euro. O "spread" entre as duas chegou aos 90 pontos-base e esta segunda-feira segue em torno dos 85 pontos.
A somar-se a esse cenário, também a "yield" da dívida soberana francesa a 10 anos superou a rendibilidade da dívida da Grécia, que no ano passado ainda era classificada como "lixo" pelas principais agências de rating, algo que nunca havia sucedido antes. Esta segunda-feira, os juros da dívida francesa agravam-se 0,1 pontos base para 2,892%, em sentido contrário às congéneres europeias.
O efeito do impasse do orçamento parece estar a alastrar-se a outros ativos. A moeda única europeia perde 0,56% para 1,0518 dólares e o CAC-40, o principal índice francês, chegou a cair 1%.
Nas bolsas, o efeito poderá alongar-se. Os analistas da Oddo, citados pela Bloomberg, anteveem um cenário negativo para o índice gaulês, justificando que um colapso do governo ainda não está incorporado no mercado acionista e que o CAC-40 poderá cair mais de 5% caso tal aconteça. Desde o final de setembro este índice cai mais de 6%, enquanto o Stoxx 600 recua mais de 2%.
Na sexta-feira, apesar da crise orçamental em França, a S&P decidiu manter o rating de França em 'AA-' e o outlook soberano do país em "estável". Como fatores que sustentam esta avaliação, a agência norte-americana cita o impacto das reformas laborais implementadas na presidência de Emmanuel Macron, as elevadas taxas poupanças do setor privado, as exportações e a integração na União Europeia.
Contudo, alerta que o "aumento da fragmentação política está a complicar a governação orçamental, mais notoriamente através do adiamento da aprovação de um orçamento credível para 2025", refere a S&P.