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A lei "pro bono" que acabou com acções negociadas em capôs

Cerimónia na CMVM assinalou os 25 anos da Lei Sapateiro. Miguel Cadilhe lembrou a preparação da reforma que fundou o moderno mercado de capitais português. Um mercado que perdeu espessura e precisa de se credibilizar.

Miguel Baltazar
03 de Outubro de 2016 às 22:41
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José Luís Sapateiro, homem meticuloso e de rigor, ficava incomodado ao ver "acções a serem negociadas em cima do capô de carros", conta o filho, José Eduardo Sapateiro, no retrato que deixou do homem que coordenou e redigiu a legislação que "marca definitivamente a modernidade do nosso mercado de capitais", nas palavras de Carlos Tavares, presidente da CMVM. Momentos de uma homenagem, que decorreu segunda-feira em Lisboa, e onde se recordou o criador e as histórias da Lei Sapateiro. E onde não faltou uma reflexão sobre o estado actual da bolsa portuguesa.

cotacao [A Lei Sapateiro] marcou definitivamente
a modernidade
do nosso mercado
de capitais.
CARLOS TAVARES
PRESIDENTE DA CMVM

Em 1986, o mercado de capitais era "estreito na dimensão, sofrido no corte do 25 de Abril, desajustado no quadro legal, esvaziado de operadores e pouco diversificado", descreve Miguel Cadilhe, o ministro das Finanças que protagonizou a reforma do mercado português e incumbiu José Luís Sapateiro de redigir a legislação que lhe deu corpo, na cerimónia que assinalou os 25 anos da Lei Sapateiro, na CMVM.

Miguel Cadilhe contou que o antigo secretário de Estado do Tesouro (entre 1972 e 1974) foi "votado ao ostracismo após o 25 de Abril". A decisão de pedir a José Luís Sapateiro que coordenasse o Conselho Nacional da Bolsa de Valores, veio da admiração que tinha por outra peça legislativa do "alentejano de gema, de posses humildes, melhor aluno do país no ano em que terminou o liceu" – como o descreve o filho –, o decreto-Lei 8/74, que até então definia as regras do mercado.

O ministro das Finanças de Cavaco Silva relembrou que José Luís Sapateiro fez todo o trabalho "pro bono". Na altura trabalhava na Mota & Companhia (hoje Mota-Engil), e o presidente da construtora, António Mota, "permitiu que o seu administrador dedicasse muitas horas do seu trabalho à nova legislação". O projecto-lei ficou pronto em 1989, mas só em 1991 viu a luz do dia. "Era do mais moderno que havia de conceitos" e "gerou muita discussão", inclusive no Parlamento. "Os deputados estavam a olhar para um palácio", conta Miguel Cadilhe, elogiando a legislação. "Sugeri oficiosamente que se chamasse ‘Lei Sapateiro’ e assim ficou". Até hoje.

Foi depois da reforma do final dos anos 80 que aconteceu a desmaterialização dos títulos (perdurou no jargão o sinónimo papéis), que a bolsa portuguesa passou a negociar em contínuo, que foi criada a CMVM e o Código de Valores Mobiliários, que introduz, por exemplo, o crime de "insider trading". Os restantes eixos – o novo regime fiscal, mais favorável para o capital, e as privatizações – criaram condições para que a bolsa de Lisboa conhecesse o seu período mais profícuo, com a admissão de dezenas de empresas. "O mercado de capitais foi a grande obra que [José Luís Sapateiro] doou ao país", afirmou Miguel Cadilhe na cerimónia, que foi ainda marcada pela doação pela família à CMVM do espólio de trabalhos preparatórios da Lei Sapateiro.

Credibilizar o mercado português

O mercado de capitais ganhou espessura, como era a visão de José Luís Sapateiro. Entretanto tem vindo a perdê-la. "A evolução recente do mercado de capitais não é culpa dessa reforma, quando muito é culpa do presidente da CMVM que está cá há 11 anos", ironizou Carlos Tavares. Mais a sério, respondeu aos jornalistas que "a maior parte dos grandes emitentes teve problemas comportamentais graves e isso retirou emitentes do mercado e retirou credibilidade ao mercado, que é preciso restaurar". O ainda presidente do supervisor espera que "pela acção do legislador, pela acção das empresas e pela acção do sistema financeiro finalmente se inverta esta tendência que tem sido de estreitamento insuportável do mercado de capitais".

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