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Euronext pede ao novo Governo mais dívida para o retalho. Quer autarquias a financiarem-se na bolsa
Isabel Ucha critica a fiscalidade em Portugal que é "desincentivadora da poupança e do investimento porque é elevada e tem sido muito instável ao longo dos anos".
"Neste momento, não temos interlocutor no Governo. Vamos reencetar o diálogo intenso que já tínhamos tido antes", diz a responsável, num evento virtual esta quinta-feira de balanço do ano e apresentação das metas para 2022. "Vamos continuar a trabalhar com o Governo que vier -- seja ele qual for -- para fazermos -- nós e um conjunto de outras entidades com quem estamos alinhados -- força de implementar medidas" como as que estavam a ser trabalhadas pela task force de dinamização do mercado.
O grupo (que inclui a bolsa, mas também outros intervenientes no mercado financeiro português) arrancou após o relatório de diagnóstico da OCDE. Desde então, foram levadas a cabo alterações como a revisão do regime das sociedades de investimento para o fomento da economia (SIMFE) ou o novo código dos valores mobiliários, que entra em vigor no final do mês. Mas Isabel Ucha espera mais.
"Mais empresas e entidades públicas (e.g. governo e autarquias) a usarem o mercado de capitais para se capitalizarem, inovarem e crescerem" é um dos objetivos da Euronext Lisbon para 2022. Em Portugal, as autarquias não se financiam no mercado de capitais pois há algumas regras do financiamento autárquico que o impedem, nomeadamente ser preciso visto prévio do Tribunal de Contas ou o impedimento de que as autarquias contratem dívida que se amortize toda de uma vez.
"Têm estas duas grandes limitações portanto uma das propostas que fizemos foi que se altere o regime de financiamento das autarquias para que possam ter a flexibilidade de, a par do crédito bancário, irem ao mercado de capitais fazerem financiamento", explica a presidente da Euronext Lisbon.
Isabel Ucha considera igualmente que o imposto de selo nos valores mobiliários deve ser clarificado e que a tributação atual é um travão à dinamização do mercado. "A fiscalidade é desincentivadora da poupança e do investimento porque é elevada e tem sido muito instável ao longo dos anos", avisa.
Inflação e taxas de juro podem trazer volatilidade
Além destas medidas, outra prioridade para a responsável da bolsa portuguesa prende-se com o regresso das obrigações do Tesouro de rendimento variável (OTRV), que estiveram entre os planos de financiamento da agência que gere a dívida pública, o IGCP, entre 2016 e 2018.
"Entendemos que é muito relevante que o Governo volte às emissões para o retalho, que foi um instrumento que foi usado durante algum tempo e que depois foi interrompido essencialmente porque as taxas de juro estavam demasiado baixas e não era viável fazer este tipo de emissões. Mas no contexto que agora vamos viver com alguma probabilidade de as taxas de juro voltarem a subir, pelo menos um pouco, poderá já haver condições para fazer estas emissões. Estes instrumentos são muito relevantes para dar alternativas aos investidores num instrumento que é relativamente seguro", aponta.
Isabel Ucha está otimista em relação aos desenvolvimentos do mercado português, que espera que seja impulsionado em 2022 por uma recuperação económica "significativa" e pela transformação da pandemia numa situação endémica. No entanto, sublinha que também há riscos.
"Um dos riscos é da evolução da inflação. Continua a predominar a tese de que há uma componente temporária, mas há incerteza sobre a evolução e sobre como é que se vai reflectir na política monetária. Já vemos um certo caminho a ser feito nos EUA, mas a Europa um pouco atrás", alertou.
"O cenário base de crescimento económico é positivo, mas de alguma incerteza relacionada com a inflação e taxas de juro que poderá trazer alguma volatilidade". A presidente da Euronext Lisbon diz que, no mercado secundário, já se vê essa volatilidade nos primeiros dias de negociação este ano, enquanto o mercado primário se mantém positivo, em linha com a tendência ao longo de 2021.
Em 2021, a bolsa de Lisboa registou uma subida de 12% da capitalização bolsista para 82 mil milhões de euros, atingindo assim níveis pré-crise de 2008. Os ganhos resultaram de uma combinação de um IPO (da Greenvolt), com quatro aumentos de capital (da EDP Renováveis, Mota-Engil, Sonae Indústria e Ibersol, totalizando 1,7 mil milhões de euros) e com a valorização generalizada das cotações.
(Notícia atualizada às 16:15)