Notícia
Promover a saúde mental das equipas é assegurar a produtividade e a continuidade do negócio
Dados de 2020 apontam para perdas na ordem dos 3,2 mil milhões de euros na economia, devido a quebras na produtividade relacionadas com problemas de saúde mental nas empresas portuguesas
Para o mal e para o bem, é um dos efeitos mais visíveis da pandemia. Se o deflagrar da crise provocada pelo coronavírus agravou significativamente os problemas de saúde mental na população em geral, a verdade é que também os retirou da gaveta dos tabus e obrigou a que deles se falasse, elevando-os a uma categoria prioritária – ou assim se espera – no que respeita a estratégias para os abordar e minimizar. Nas empresas, em particular, o sofrimento psicológico dos trabalhadores transformou-se numa preocupação central, mesmo que o principal motivo para tal esteja relacionado com quebras assustadoras de produtividade e com efeitos obviamente negativos para os negócios. E foi este o tema que reuniu a médica psiquiatra Susana Sousa Almeida e Maria Antónia Torres, partner da PwC, numa abordagem complementar sobre os custos ao mesmo associados e às formas possíveis de os prevenir e melhorar o bem-estar dos colaboradores
POR HELENA OLIVEIRA
Os dados são de 2020 e foram apresentados no estudo "Custo do Stresse e dos Problemas de Saúde Psicológica no Trabalho em Portugal" a cargo da Ordem dos Psicólogos. Em Portugal, estima-se que um trabalhador possa faltar até 6,2 dias por ano devido a problemas de saúde mental, os quais incluem stress, ansiedade, depressão ou exaustão profissional (burnout), sendo estes directamente imputáveis às condições de trabalho.
Adicionalmente, e mais importante que o absentismo, o presenteísmo – conceito associado aos casos em que o trabalhador mantém a sua actividade profissional, estando física ou mentalmente doente, mas sendo incapaz de garantir a sua produtividade e rentabilidade "normais" – pode duplicar o número de dias perdidos por ano (12,4). Como cereja no topo de um bolo amargo, as estimativas apontam ainda para perdas anuais na ordem dos 3,2 mil milhões de euros na economia, o que corresponde a perto de 1% do volume de negócios das empresas portuguesas, tendo em conta a produtividade perdida devido a estes mesmos problemas.
Os números foram apresentados por Susana Sousa Almeida, médica psiquiatra, no âmbito do ciclo de conferências que o núcleo do Porto da ACEGE está a organizar para ajudar a pensar o futuro pós-Covid e cujo tema "Os impactos da pandemia na saúde mental das equipas: como prevenir e ajudar" contou também com o contributo de Maria Antónia Torres, partner da PwC.
Como recorda Susana Sousa Almeida, o problema não é novo – já antes da pandemia a OMS estimava que a saúde mental e, particularmente a depressão e ansiedade, seriam a principal causa de ausência nos locais de trabalho, a ultrapassar as doenças cardiovasculares, vasculares e oncológicas -, mas tem vindo a agravar-se significativamente ao longo do último ano. Por outro lado, Portugal ocupava, e de acordo também com dados pré-pandémicos publicados num outro estudo realizado em 2019, um preocupante primeiro lugar, em 15 países, no que respeita à incidência do burnout na sua força laboral.
Esta realidade inquietante, acompanhada de perto pela Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, constituiu também motor para o estudo "Saúde mental em tempos de pandemia" [sobre o qual o VER escreveu], coordenado pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) e que apurou, na altura, que 34% da população geral apresentava sinais de sofrimento psicológico. Como refere a médica psiquiatra relativamente ao elevado índice de burnout presente na sociedade portuguesa, "a verdade é que já tínhamos uma população cansada, esgotada, exausta, ao que se juntou uma pandemia com todas as necessidades de adaptação inerentes".
Ou seja, existiu aqui "uma necessidade de reajustamento de paradigma a partir do momento em que passámos para o teletrabalho, a tele-escola, a tele-medicina e a tele-psiquiatria e, tudo acoplado, resultou nesta experiência de efeito pandémico que extravasa da educação para o trabalho, invade o nosso equilíbrio familiar, tem efeitos na economia, sendo muitas as pessoas que começaram – e com razão – a ficar antecipadamente preocupadas e com pensamentos catastrofistas em relação aquilo que iria ser o desfecho da sua vida no médio prazo". Desta forma, e como sublinha Susana Sousa Almeida "tudo isto torna muito difícil gerir e alimentar a esperança, tendo em conta o enorme depauperamento da nossa rede de apoio, com stress nas famílias, muito sobrecarregadas por todos estarmos em casa, nem sempre nas melhores condições, e sem o suporte dos amigos e da nossa rede alargada".
A médica psiquiatra apresentou igualmente dados relativos a vários estudos que já foram feitos tendo em conta o impacto do Sars-cov-2 – e que mostram que há efeitos directos neuro-psiquiátricos do vírus no sistema nervoso central – mas também as consequências que o deflagrar da pandemia teve e está a ter na sociedade portuguesa, com um alerta que, em Fevereiro de 2021, se estimava que pelo menos um quarto da população geral adulta estava assolada por problemas de saúde mental, particularmente de stress, ansiedade, depressão e até de perturbação de stress pós-traumático. "E não estamos a falar de coisas light, mas de moderadas a graves", acrescenta ainda.
Adicionalmente e como referiu também, a Covid-19 teve um efeito particularmente dramático nas populações mais pobres. "Sabemos que as populações com menos recursos de saúde, mais obesas, que não fazem desporto, são as mais vulneráveis a quadros mais graves, com uma maior prevalência de co-morbilidades, ou seja, uma população com mais problemas económicos, com transtornos trazidos pelo contexto pandémico, com alterações dos seus ritmos de sono, dos seus ritmos nutricionais – a alimentação mudou muito durante a pandemia – com dificuldades de concentração e de adaptação às novas realidades, com ausência de recursos, de exercício físico e de capacidade de compreender até como alimentar e fomentar a sua saúde mental". Tudo isto contribuiu para uma cascata de efeitos catastróficos, que "começam por ser de stress, mas rapidamente se transformam em problemas de ansiedade e depressão".
A título de exemplo, e citando igualmente um outro estudo realizado nos Estados Unidos, concluiu-se que a depressão na época pandémica atingiu níveis de prevalência três vezes superiores à era pré-Covid e, factor relevante, dados resultantes de uma análise alargada feita na Austrália, demonstram que "em risco de maior vulnerabilidade psicológica continuam a estar as mulheres, em particular as que vivem sozinhas, em famílias monoparentais, com menos recursos socioeconómicos e financeiros e que muitas vezes têm de cuidar de descendentes e ascendentes com muito pouco tempo para se preocuparem com a sua saúde física e mental".
Susana Sousa Almeida referiu ainda que o aumento do tabaco e do consumo de álcool camuflado e envergonhado foram associados a maiores níveis de depressão e de stress, alertando que é imprescindível existir uma literacia para a saúde, com estratégias de promoção de bem-estar, directas e indirectas, que fomentem a adopção de melhores estilos de vida e comportamentos que sejam mais apropriados e que possam "cuidar da saúde antes de uma ameaça".
Acabar com o estigma associado às doenças mentais nas empresas é imprescindível
Pegando no enquadramento realizado por Susana Sousa Almeida, a partner da Pwc, Maria Antónia Torres começou por enfatizar a importância de as empresas reflectirem, e cada vez mais, sobre o papel que podem, querem e devem ter junto das suas pessoas, famílias e comunidades onde se inserem no que a esta problemática diz respeito. Afirmando que é inegável o facto de estarmos num período de transição e que as empresas devem estar no centro das mudanças a que estamos a assistir, apresentou ainda duas razões por excelência para o caminho que há a trilhar em termos de saúde mental e do bem-estar dos seus trabalhadores: uma que tem a ver com o propósito e outra relacionada com o próprio negócio.
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