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O bolo e as migalhas

Indignamo-nos quando ficamos a saber que a riqueza conjunta de 62 super-ricos é equivalente à de mais de 3,5 mil milhões da população mundial. Mas acabamos por aceitar esta realidade na medida em que, de seguida, encolhemos os ombros face à inevitável desigualdade que sempre existiu. Mas não devíamos. O fosso parece intransponível, mas existem formas de o estreitar. Mesmo que consideremos tal tarefa impossível depois de mergulharmos mais a fundo nas estatísticas – inacreditáveis – que se seguem

22 de Janeiro de 2016 às 20:00
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relatório anual sobre desigualdade que a organização sem fins lucrativos Oxfam, especializada nesta temática, divulgou no início da semana, dias antes da reunião mundial de líderes em Davos, aproveitou o poder das estatísticas para chocar – pelo menos ao longo de algumas horas – o comum dos mortais. Se a riqueza combinada de 62 super-ricos iguala a de metade da população mais pobre da humanidade – cerca de 3,6 mil milhões de pessoas – é caso para indignação.

Mas talvez maior indignação causaria saber que uma outra estatística já bem conhecida da população mundial – a de que 1% dos habitantes do planeta Terra têm tanto dinheiro como os restantes 99% – foi oficialmente "atingida", um ano antes das previsões da própria Oxfam, que esperava que tal proeza fosse alcançada apenas neste ano de 2016. Esta oficialização foi divulgada pelo Credit Suisse, no seu 6º Relatório sobre Riqueza Global, e sobre o qual o VER escreveu em Outubro de 2015, e como o efeito de proximidade aumenta proporcionalmente os níveis de revolta face a injustiças, saber que fazemos parte desses 99% terá talvez mais impacto do que se pensarmos que, todos os dias, uma em cada nove pessoas vai para a cama com fome. Com quantidades cada vez maiores de fermento, uma boa analogia para esta realidade poderá passar por imaginarmos um bolo inteiro versus umas ínfimas migalhas que caíram para debaixo da mesa.

Todavia, o discurso estatístico ajuda, sem dúvida, a bem colocar esta desigualdade em perspectiva: desde 2010 (quando o mundo ainda atravessava o deserto da crise económica e financeira, com alguns oásis pelo meio), a riqueza de 50% da humanidade decaiu em cerca de um trilião de dólares, sendo que esta queda de 41% (em cinco anos) foi acompanhada pelo aumento da população mundial em cerca de 400 milhões de pessoas. Dados para o mesmo período indicam que a riqueza das 62 pessoas mais ricas do mundo aumentou em mais de meio trilião de dólares, para 1,76 triliões, com apenas nove mulheres a fazerem parte desta selecta elite (até entre os mais ricos existe desigualdade de género, sublinhe-se também).


Escavando ainda mais fundo no fosso da desigualdade, em 2010, eram 388 os multimilionários que tinham nas mãos a riqueza de metade da população mais pobre da humanidade; em 2011, o clube baixou o seu número de membros para 177 e "expulsou" mais uns quantos em 2012, passando para os 159; a tendência da redução do número de super-ricos que concentra a riqueza nos seus bolsos manteve-se estável, com 92 em 2013 e 80 em 2014. E eis que em 2015, a elite dos multimilionários encolhe mais uma vez, cifrando-se agora em 62 super-criaturas.

Banquetes de boas intenções com sobremesa de promessas falhadas

A questão da desigualdade – e do seu aumento brutal – tem sido tema obrigatório nos diversos eventos organizados pelo Fórum Económico Mundial (FEM). Se é verdade que a organização fundada por Klaus Schwab tem o seu mérito, na medida em que produz informação de qualidade sobre as grandes tendências mundiais, alerta para a necessidade de as mesmas serem debatidas em circunstâncias diversas, reúne grupos de trabalho meritórios que se esforçam por minimizar os seus impactos negativos e junta em Davos, todos os anos, mais de 2500 representantes dos mais diversos quadrantes da sociedade, e mesmo que seja impossível escapar às críticas de quem se revolta com o ambiente faustoso em que decorrem estes debates, será que deles sai alguma acção verdadeiramente positiva para se pôr cobro às divisões crescentes que grassam no mundo?

Pelos vistos, não. Se no ano passado a "tendência para o aprofundar da desigualdade" foi considerada como um dos problemas mais graves do estado actual da humanidade –tendo constado, aliás, como a "preocupação número 1" identificada pelo próprio FEM, poderemos recuar ainda mais atrás – três anos – e recuperar uma citação de David Cameron, na qual fala sobre o "problema" dos paraísos fiscais (em particular dos que constam do seu "território" como é o caso das Ilhas Caimão ou das Ilhas Virgens Britânicas) e do seu contributo para o agravamento da desigualdade: "Precisamos de acabar com a era dos paraísos fiscais que tem vindo a contribuir para que os indivíduos mais ricos e muitas multinacionais se escusem de cumprir com as suas responsabilidade para com a sociedade ao ‘esconderem’ quantidades crescentes de dinheiro em offshores", afirmou, exactamente em Davos, em 2013.


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