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E se a nossa mente puder ser pirateada, lida ou partilhada?

Para além de aterrorizante, é difícil imaginar que, a médio prazo, as nossas memórias e pensamentos possam sair do único domínio que mantemos como privado: a nossa mente. Mas a verdade é que não estamos muto longe de tal poder vir a ser uma realidade. Com o anúncio feito por Elon Musk de que a telepatia está próxima, em conjunto com a promessa do Facebook de que, dentro de dois anos, poderemos partilhar os nossos pensamentos em vez de os “teclar”, dois investigadores suíços propuseram quatro novos direitos que visam preservar o que temos de mais íntimo. Antes que seja tarde demais

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"A mente é uma espécie de último refúgio de liberdade pessoal e de autodeterminação. E enquanto o corpo pode facilmente ser sujeito ao controlo ou domínio por parte de outrem, a nossa mente, em conjunto com os nossos pensamentos, está bem além desse constrangimento. Todavia, e com os avanços na engenharia neural, da imagiologia cerebral e da neurotecnologia, a mente poderá deixar de ser, mais brevemente do que julgamos, essa fortaleza inacessível".

Este excerto é retirado de um paper recente, perturbador e, à partida, alucinante, na medida em que não nos é possível ainda imaginar que, a médio prazo, as nossas memórias e pensamentos mais profundos possam sair do único domínio que ainda mantemos como privado: o nosso cérebro. Escrito por Marcello Ienca, especialista em neuro-ética e Roberto Andorno, advogado dos direitos humanos, estes dois investigadores suíços, das Universidades da Basileia e de Zurique, respectivamente, estão a propor quatro novos potenciais direitos humanos relacionados com a neurociência – ou mais precisamente com a neurotecnologia –, os quais servirão para proteger a liberdade cognitiva, a privacidade e a integridade mental, em conjunto com a denominada continuidade psicológica.


Intitulado "Towards new human rights in the age of neuroscience and neurotechnology" e divulgado em Abril último na revista Life Sciences, Society and Policya sua publicação coincidiu também com o anúncio, feito há poucas semanas, por Elon Musk, o multimilionário e CEO da Tesla Motors e da SpaceX, do lançamento da novíssima Neuralink, a sua nova aventura que pretende, através da construção de interfaces "implantáveis" ligar os computadores aos cérebros humanos, fazer da telepatia uma realidade, entre outras "incursões cerebrais" que já deram bons argumentos cinéfilos.

Com os avanços na engenharia neural, da imagiologia cerebral e da neurotecnologia, a mente poderá deixar de ser, mais brevemente do que julgamos, uma fortaleza inacessível


Mas a aposta no desenvolvimento "eficaz e real" da neurotecnologia não reside apenas na aparentemente louca massa cinzenta do homem que pretende colonizar Marte, estando também nos planos de curto prazo do Facebook: na sua estranha e futurista startup Building 8, a empresa de Mark Zuckerberg está a apostar forte também num interface cérebro-máquina, apesar de não invasivo que, garante, permitirá que as pessoas "teclem" o que pensam, simplesmente… pensando. O que, convenhamos e em muitos casos, não parece nada pacífico, antes pelo contrário.

Mas e supostas ficções científicas à parte, que "conteúdo" poderá existir nestes anúncios e até que ponto fará sentido alertar para a criação, antes que seja tarde de mais, de novos direitos humanos que protejam a nossa mente e os nossos pensamentos? Façamos primeiro uma breve incursão na complexa simbiose cérebro-máquina.

Preservar o cérebro enquanto último reduto da privacidade humana

Apesar de o tema parecer mera ficção científica, a verdade é que as tecnologias relacionadas com o cérebro e os interfaces cérebro-computador estão em pleno desenvolvimento. E só não estão mais – principalmente as que implicam implantes, ou seja, invasivas – porque, ao serem tão complexas, a maioria continua "fechada" entre as paredes dos laboratórios de investigação académicos. Mas não por muito tempo.

Em primeiro lugar, há que sublinhar que uma extensa quota da tecnologia relacionada com o cérebro deve o seu desenvolvimento à pesquisa médica e a necessidades físicas e psicológicas: algumas ferramentas de diagnóstico, bem como alguns tratamentos, precisam de "ler" a actividade cerebral e isso já é possível há alguns anos. As próteses de membros ou as cadeiras de rodas que podem ser controladas pelos pensamentos dos pacientes são também uma realidade e, para o mal, já existe também a possibilidade de se controlar, com a mente, vários tipos de armamento – em alguns casos, com as mesmas neurotecnologias que estão a ser utilizadas na pesquisa de doenças como o Alzheimer, por exemplo – ou como forma de tortura, através de frequências electromagnéticas que controlam a mente.

Em segundo lugar, as ondas cerebrais, e se bem que há muito que existem os electroencefalogramas (EEG), estão a ser cada vez melhor rastreadas, o que está a ajudar a mapear quais as partes do cérebro que estão envolvidas em determinados processos, diagnosticar traumatismos, "adivinhar" em que número uma pessoa está a pensar, ajudar as vítimas de ataques cardíacos a recuperarem as suas capacidades motoras, permitir que pessoas "fechadas" no interior do seu cérebro possam comunicar com o mundo exterior, entre um sem número de outras possibilidades. Por outro lado, a denominada estimulação magnética transcraniana (TMS, na sigla em inglês) permite, por exemplo, que se coloque uma espécie de "bobina" magnética na parte de trás do crânio, estimulando directamente o cérebro para intensificar ou melhorar a memória e a capacidade de aprendizagem, enviar mensagens, tratar enxaquecas e até fazer jogos.

Proteger a liberdade cognitiva, a privacidade e a integridade mentais, em conjunto com a denominada continuidade psicológica, torna-se crucial


Em particular, esta área de investigação e desenvolvimento tem tido excelentes resultados nos denominados "intensificadores de performance", o mesmo acontecendo com os interfaces de jogos e com os interfaces cérebro-máquina que, através das ondas cerebrais, já conseguem controlar aquilo que se lhes pede (pode ver aqui um exemplo). Já foi criado um robot que através de uma tecnologia de controlo cerebral permite a pessoas com deficiências motoras controlarem o mesmo através somente da sua concentração. Um grupo de cientistas já conseguiu, com sucesso, "ligar" os cérebros de três macacos, sincronizando-os e conseguindo que, em espaços separados, estes realizassem as mesmas tarefas, resultando numa espécie de "cérebro colectivo", ou seja, uma estrutura que resulta na combinação desses três mesmos cérebros. Estes mesmos engenheiros criaram também a sincronização de cérebros em ratos e ligaram dois humanos com "capacetes" cerebrais, permitindo, pelo menos, que estes comunicassem através de respostas de sim e não. E esta mesma "prática" já foi usada com sucesso em pessoas que sofrem da síndroma de encarceramento – aqueles cujos movimentos do corpo inteiro são paralisados com excepção dos olhos, mas cujas faculdades mentais se mantêm perfeitas – conseguindo que estas comunicassem.

Em princípio e porque o segredo continua a ser a alma do negócio, estima-se que este tipo de neurotecnologia que aposta nos interfaces computador-cerebro (BCI, na sigla em inglês, para Brain Computer Interface) seja aquela que está por detrás não só da Building 8, do Facebook, para permitir que as pessoas "pensem entre si" sem teclarem ou falarem e também da própria Neuralink de Musk, com objectivos mais ambiciosos ainda, ou seja, a "construção" de uma "terceira camada na mente humana" que proporcione uma fusão entre a inteligência humana e a inteligência artificial.



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