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Conselhos de Administração ainda funcionam a preto e branco
Teoricamente dispostos a embarcar na onda da mudança, os membros dos conselhos de administração das maiores empresas dos Estados Unidos continuam a navegar perto da costa do seu conforto e agarrados ao leme da tradição. A esmagadora maioria afirma acreditar no sucesso da diversidade, num maior diálogo com os investidores e em responsabilidades acrescidas na era da disrupção. Mas continuam a preferir não ter mulheres sentadas ao seu lado, a assobiar para o lado face ao aumento do tom de voz dos accionistas activistas e a considerar que a carga de trabalho que têm nos ombros é perfeitamente gerível face ao antigamente
Se todos os dias ouvimos dizer que o mundo da gestão está em acelerada mudança, natural seria que essa mudança se estendesse a todas as suas esferas, nomeadamente às salas dos conselhos de administração, onde se sentam os grandes senhores das empresas. Mas a verdade é que são os mesmos grandes senhores – e não senhoras – que continuam a ocupar a esmagadora maioria dos assentos dourados, mesmo que os senhores afirmem que a diversidade é saudável e que poderá trazer mais-valias ao negócio.
E esta afirmação é verdadeira e absolutamente mensurável. Como escreve o The Washington Post, as empresas que possuem uma maior percentagem de mulheres nos seus conselhos de administração (CA) têm uma maior rentabilidade dos capitais próprios, mais lucros nas vendas, maior retorno do capital investido, pagam menos na aquisição de outras firmas e gozam de menor volatilidade no preço das suas acções. Adicionalmente, os CA que têm mais mulheres sentadas nas suas mesas são igualmente menos propensos a sofrerem de "controvérsias", nomeadamente no que respeita a fraudes ou subornos.
Mas e se de acordo com um estudo acabado de lançar pela PricewaterhouseCoopers, 96% dos respondentes concordam que a diversidade nos CA é importante, esse grau de importância depende, e muito, a quem se pergunta: dos 884 membros de conselhos de administração que integram o universo de pesquisa do mais recente PwC’s 2016 Annual Corporate Directors Survey, apenas 24% dos inquiridos homens consideram que ter mulheres (ou outras "minorias") nos CA melhora a performance corporativa, ao mesmo tempo que 89% das suas pares femininas acreditam veementemente que sim.
E não, este não é apenas mais um artigo sobre a desigualdade de género – apesar de existir material suficiente para o ser – mas sim sobre os bastidores do "pensamento" vigente, e em muitos casos, obsoleto, comum a muitos conselhos de administração de grandes empresas, os quais e apesar de alguns passos em frente, continuam a cheirar a bafio e a fazer lembrar os velhos clubes de homens onde mulher não entra. Apesar de, e obviamente, o estudo conter um conjunto de resultados interessantes – e sobre os quais versará este artigo – a verdade é que a questão da diversidade – ou da sua inexistência – acaba por ser uma das realidades mais gritantes no mesmo, sublinhada logo no início da sua caracterização: "(…) dos 884 respondentes, 71% serve nos CA de empresas com mais de mil milhões de dólares de receitas anuais, sendo que 73% são homens e 17% são mulheres".
Em termos de grandes tendências, o relatório aponta para uma influência sem precedentes por parte dos investidores no que respeita não só aos CA, mas também à forma como as equipas de gestão operam, sublinhando que, ao contrário do modelo "centrado no board" que se enraizou depois dos escândalos empresariais da década de 90, aposta-se agora num modelo mais "centrado no investidor". O estudo revela que os investidores institucionais ou os "accionistas activistas" têm vindo a aumentar a sua voz, de uma forma sem precedentes, no que respeita à composição dos CA, às compensações dos executivos e até à forma como as empresas escolhem alocar o seu capital. De acordo com a PwC, o relatório agora publicado foi estruturado para avaliar o "sentimento" dos membros dos conselhos de administração das empresas em causa nesta nova era do "empowerment" dos accionistas.
Contextualizando e no que respeita ao ambiente em que se movem as empresas da actualidade, afirmar que a sua supervisão é tudo menos fácil seria dizer pouco. Seja porque as tecnologias disruptivas estão a alterar por completo os modelos de negócio tradicionais, seja porque vivemos em constante tumulto geopolítico, com impacto directo nas cadeias de fornecimento e nas oportunidades de investimento, ou porque a crescente complexidade regulatória está a afectar a inovação, a verdade é que os conselhos de administração, caso pretendam ser realmente eficazes, têm que estar a par de todas estas alterações. Mas e mesmo assim, a grande maioria dos entrevistados não afirmou sentir-se "sobrecarregado" de trabalho, o que não deixa de ser surpreendente. Esta e outras grandes conclusões serão analisadas de seguida, comprovando, no final, que apesar de o mundo estar em mudança contínua, são muitos os conselhos de administração que continuam a acreditar que os seus confortáveis assentos não podem, nem devem dar lugar a grandes inovações.
Colados à cadeira e pouco convencidos sobre as qualidades dos pares
Uma das conclusões sublinhadas pelo estudo da PwC refere que a composição dos boards nem sempre é do agrado de todos os membros que os incluem. Na verdade, 35% dos entrevistados afirmaram considerar "útil" a substituição de algum dos seus ‘colegas’, em especial devido a motivos relacionados com a falta de preparação para as reuniões, com a ausência das competências mais adequadas, com algum abuso no que respeita a ultrapassar os limites da posição em causa e, também, devido à idade. Esta última "razão" pode explicar por que motivo são os membros mais novos aqueles que mais gostariam de ver um par a ser substituído (39% dos que exercem funções administrativas há menos de dois anos versus 29% dos que o fazem há mais de uma década) e está igualmente relacionada com o facto de 69% das mulheres entrevistadas acreditaram que a reforma obrigatória poderia ajudar a que"vagassem" lugares nos conselhos de administração, muitos deles ocupados por homens com idade avançada.
Mas a verdade é que desde 2012 que este sentimento de substituição do ‘colega do lado’ se mantém como uma das principais queixas dos entrevistados e nem com a introdução, em muitos CA, de ferramentas de auto-avaliação que podem ser usadas para repensar a sua composição e avaliar as más performances dos membros que os integram, têm surtido efeitos. Pelo contrário, 51% dos inquiridos declararam que os conselhos de administração em que estão inseridos não procederam a qualquer tipo de alteração como resultado do seu mais recente processo de auto-avaliação.
Um outro problema igualmente identificado diz respeito ao facto de "sangue novo" continuar a não ser muito bem acolhido nesta espécie de clubes com portas pouco abertas às mudanças. A maioria dos inquiridos afirmou nem sequer se dar ao trabalho de "procurar mais longe" potenciais novos membros e, como se escreve no relatório, a fonte mais comum (para esta "procura" ou para a sua ausência") continua a ser a de "olharem para si mesmos". Ou seja, continua-se a privilegiar as recomendações dos próprios membros do board (91% face a 87% em 2012), com apenas 18% a levarem em conta as recomendações dos investidores e 11% a optarem pela "busca em bases de dados públicas".
Desta forma, não é surpreendente que os CA sejam objecto de críticas no que respeita à repetição contínua de "velhas, velhas histórias" e que a questão da diversidade só seja eleita na teoria, mas muito pouco na prática. Todavia, os autores do estudo alertam para pequenos sinais positivos que poderão levar à mudança: não só as recomendações (e consequente aceitação) por parte dos investidores aumentaram sete por cento face a 2012, como os apelos crescentes a uma maior diversidade estão a surtir alguns efeitos na utilização de novas formas de recrutamento em detrimento das mais tradicionais.
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