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Como lidar com uma força laboral que se tornará irrelevante?

Irrelevância e perda significativa de postos de trabalho é o que vaticinam os especialistas pessimistas que contribuíram para o mais recente estudo do Pew Research Center sobre o que nos reservam os tempos vindouros mergulhados em avanços tecnológicos sem precedentes. E o seu impacto, tanto a nível identitário, social e económico está longe de ser abordado. Mais uma urgência para a fila das prioridades globais

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No seguimento da análise do estudo divulgado recentemente pelo Pew Research Center e intitulado The Future of Jobs and Jobs Training e tendo em conta as perspectivas mais optimistas que pode ler no artigo "Estudante para sempre" será a única forma de manter o emprego", o que se segue não é propriamente animador.

Se não leu o antigo que se destaca nesta edição (o qual aconselhamos), o ponto de partida para esta "segunda volta" centra-se nos 30% de respondentes que não acreditam que, tal como outras revoluções anteriores, a revolução tecnológica, em particular no que respeita aos avanços céleres da Inteligência Artificial (IA) e da robótica/automação, irá criar mais – ou novos – postos de trabalho, antes pelo contrário.

Dos muitos especialistas inquiridos, um conjunto significativo acredita que a trajectória actual da tecnologia irá "esmagar" os mercados laborais e "matar" mais empregos do que aqueles que poderá gerar até 2026.

Os experts auscultados, provenientes de várias áreas do saber, perspectivam uma sociedade na qual os programas de IA e as máquinas farão grande parte do trabalho, ao mesmo tempo que levantam um conjunto de questões sobre o próprio sentido de identidade dos humanos, a par de divisões socioeconómicos que constituem já um elemento de forte perturbação, sobre a sua própria capacidade para assegurar as necessidades mais básicas e no que respeita a formas construtivas de utilizar o seu futuro "tempo livre" , antevendo, muito "no escuro", o impacto de todas estas transformações radicais nos sistemas económicos e sociais.

De sublinhar também que, mesmo os 70% de inquiridos que demonstraram ter uma visão menos apocalíptica do futuro, expressaram também algumas destas preocupações. Tal como escrevemos no primeiro artigo dedicado a este ainda insondável futuro do trabalho – ou do futuro sem trabalho – muitos depositam as suas esperanças num novo conjunto de competências "humanas" que poderão ser melhor treinadas para "vencer" as máquinas e na capacidade das plataformas de aprendizagem online poderem ajudar no processo de formação em grande escala que será decisivo para o novo ambiente laboral. Mas, e neste painel em particular que reúne os mais pessimistas, uma das questões que mostrou ter maior unanimidade prende-se com o facto de que, e a seu ver, o problema do trabalho no futuro não se irá prender apenas com questões de formação de competências, mas sim, e em particular, com a redução significativa dos postos de trabalho. Mergulhemos, então, neste mar opinativo bem mais gelado que o anterior.

© DR


Futuro: mais pessoas, menos empregos


Cory Doctorow, do Media Lab do MIT e co-fundador da Boing Boing afirma ser um "acto de fé" acreditar que a automação irá gerar mais postos de trabalho do que aqueles que vai eliminar (pelo menos a longo prazo), apesar de admitir que esta é uma "teoria livre" com base em booms prévios das tecnologias. Para o também activista, "a automação actual tem como base as tecnologias de ‘propósito geral – o machine learning, computadores "completos de Turing" [com capacidade para realizar qualquer tipo de função lógica computacional], uma arquitectura de rede universal que seja igualmente optimizada para todas as aplicações – existindo boas razões para acreditar que esta revolução será ainda mais disruptiva, criando um número reduzido de novos postos de trabalho, do que as demais que a antecederam".

Já Glenn Ricart, membro da Internet Hall of Fame, fundador e chief technology officer da US Ignite, declara que e até ao tempo presente, "a automação tem vindo a substituir os trabalhos mais pesados, e aqueles que implicam movimentos repetitivos – ou seja, coisas que podem e devem ser usadas para melhorar a qualidade das vidas profissionais das pessoas". Mas, e salvaguarda, "na próxima ou duas próximas décadas, é muito provável que exista uma quantidade significativa de inovação tecnológica no que respeita à inteligência das máquinas, a qual poderá ‘varrer’ muitos dos empregos que os humanos têm actualmente na educação, nos cuidados de saúde, nos transportes, na agricultura e na segurança pública". Assim, questiona: "quais são estes ‘novos trabalhos’ que queremos que as pessoas tenham? Se não fomos capazes de os inventar em resposta ao pactos de comércio internacionais, por que razão estaremos tão seguros de que os conseguiremos criar no futuro?".

Enquanto membro também da Internet Hall of Fame e presidente da Free Software Foundation, Richard Stallmn acredita que a pergunta – que novas funções serão criadas? – nem sequer faz sentido. "O que eu penso é que não vão existir postos de trabalho para um número significativo de pessoas daqui a poucas décadas e é isso que interessa. E, no que respeita às competências enumeradas (v. Estudante para sempre" será a única forma de manter o emprego) para a fracção empregada nos países avançados, acredito que as mesmas serão muito difíceis de ser ensinadas. Talvez praticando, mas não propriamente estudando", remata.

E é secundado nesta crença por Jennifer Zickerman, empreendedora, que coloca directamente o dedo na ferida: "o problema do futuro do trabalho não tem a ver com formação de competências – mas sim com a diminuição dos empregos". Ou e em suma, como poderemos agir perante uma força laboral que se tornará, crescentemente, irrelevante.

© DR


Como distribuir a riqueza num mundo em que muitas pessoas não terão de trabalhar?


Esta é outra questão que tem vindo a gerar muita discussão, nomeadamente com a abordagem do Rendimento Básico Incondicional, que muitos defendem ser a única solução para um "futuro sem trabalho" e que tem vindo já a ser testado (sem grandes resultados, na verdade) por alguns países ou regiões. E, tal como refere Nathaniel Borenstein, chief scientist na Mimecast, "o problema não reside em formar pessoas para trabalhos não existentes, mas sim em como se partilha a riqueza num mundo onde não vai ser necessário ter muita gente a trabalhar". Borenstein é directo a desafiar a premissa de que os humanos não precisam de ser treinados para os trabalhos do futuro, tão simplesmente porque, na sua perspectiva, "estes mesmos ‘trabalhos do futuro’ serão feitos por robots".

No que respeita à formação para o futuro, também Paul Davis, director de uma tecnológica sedeada na Austrália, afirma: "enquanto estes programas [plataformas online de aprendizagem] estiverem a ser desenvolvidos e aplicados em larga escala, tenho muitas dúvidas face à sua real eficácia. Os algoritmos, a automação e a robótica resultarão em capital que não terá necessidade de um mercado laboral para fazer avançar a agenda económica. O trabalho tornar-se-á, em muitos casos, um excedente para as exigências económicas". E, tal como também já é defendido por vários economistas, esta mudança poderá, e de forma dramática, transformar a noção de crescimento económico que hoje damos como adquirida e causará disrupções radicais nos contratos sociais. "A negociação de um contrato de trabalho será dramaticamente fragilizada", vaticina, e a natureza de todas estas alterações poderão exigir que o mundo mude para um modelo de "Crescimento Pós-Económico" para evitar a deslocação e disrupção social", acrescenta ainda.

Dúvidas similares – relativamente, em particular, ao tempo que demorará "ensinar"e apreender o tão falado conjunto de novas competências – tem o arquitecto de sistemas John Sniadowski. Ou seja, as competências que deveriam ser ensinadas serão suplantadas pela IA e por outras tecnologias robóticas e, "na altura em que os programas de formação estivessem amplamente disponíveis, essas mesmas competências já teriam perdido ‘validade’", declara ainda. Para Sniadowski, a ênfase da formação deverá ser direccionada para o desenvolvimento de competências para a vida pessoal e não para as abordagens tradicionais de carreira e profissão. E, complementarmente – e de importância extrema – "existe um impacto económico e sociológico massivo, provocado pela automação no geral e pela IA, o qual deverá ser seriamente abordado em termos de redistribuição de riqueza e enfoque nas competências "pessoais" e de "aprendizagem para a vida".


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