Notícia
A força da vontade
Se é adepto da procrastinação, saiba que esta é considerada um vício universal. Se pensa que deixar aquele trabalho para o último minuto é inteligente porque trabalha melhor sob pressão, desengane-se.
01 de Março de 2012 às 15:23
Se não resiste à tentação de comer uma bolacha em vez de uma maçã, não acredite que tal não fará mal à sua dieta. Se acredita que a sua força de vontade não pode ser desenvolvida, leia este artigo: pesquisas neurocientíficas recentes asseguram que esta é como um músculo que pode ser exercitado e fortalecido
“As pessoas com pouca força de vontade usam-na para saírem das suas próprias crises; as que têm muita força de vontade utilizam-na para as evitar”. A frase é do psicólogo social norte-americano Roy F. Baumeister que, em parceria com o editor de ciência do The New York Times, John Tierney, escreveu um livro intitulado “Willpower: Rediscovering our Greatest Strenght”.
Dado que a preguiça, a incapacidade de controlar os nossos impulsos mais negativos, as tentações, a procrastinação ou a falta de vontade para terminar um determinado trabalho, seguir uma dieta ou ir regularmente ao ginásio são realidades que “atacam” o comum dos mortais, o VER decidiu partilhar com os seus leitores uma boa notícia: a força de vontade e o autocontrolo (que andam de mãos dadas) funcionam como um músculo que pode ser exercitado e fortalecido (v.Caixa).
Este é o principal argumento do livro de Baumeister que, há mais de três décadas, se dedica a estudar os mecanismos cerebrais responsáveis pela força de vontade (ou pela falta dela) e que afirma perentoriamente que esta constitui “a principal chave para a obtenção do sucesso e de uma vida feliz”.
Pese embora a diferente conotação que cada um de nós atribui ao significado de sucesso ou de felicidade, a verdade é que numa altura em que Portugal está mergulhado num alto muro de lamentações, ter a força e a vontade para continuar a lutar não é tarefa fácil. Antes de a crise eclodir, estimava-se que, em Portugal, 25% da população sofria de depressão, sendo que os psicólogos são unânimes em relacionar (o que não é de admirar) o declínio das condições de vida com o aumento dos estados depressivos, principalmente pela ausência de alternativas a curto-prazo.
Assim, saber que existem formas de exercitar este “músculo”, de o tornar mais forte e de melhorar a nossa capacidade para gerir desejos conflituosos e optar por escolhas mais adequadas constitui motivo suficiente para viajarmos neste livro (e recorrendo a outros estudos similares) que, ao contrário da simples literatura de autoajuda, está suficientemente sustentado em argumentos científicos. Iniciemos, então, o caminho para a descoberta de alguns mistérios relacionados com a temática da força de vontade.
A metáfora do músculo
Nos anos de 1960, o sociólogo Walter Mischel estava interessado em perceber a forma como as crianças, de tenra idade, resistiam à gratificação instantânea: com um conjunto de miúdos, deu-lhes a escolher entre receberem um marshmallow de imediato ou dois, caso esperassem 15 minutos. Décadas passadas e de acordo com os seus registos, o sociólogo descobriu que os miúdos, na altura com quatro anos, que tinham conseguido aguentar os 15 agonizantes minutos, se tinham transformado em adultos mais disciplinados, com menor propensão para o abuso de drogas, com uma autoestima mais elevada, relacionamentos mais saudáveis e duradouros, maior capacidade para lidar com o stress, melhores graus académicos e salários mais elevados.
As descobertas de Mischel ganharam nova relevância devido a um estudo notável, de longo prazo, realizado na Nova Zelândia e concluído em 2010. Ao longo de 32 anos, uma equipa composta por vários investigadores internacionais, seguiu 1000 pessoas, desde o seu nascimento, avaliando os seus níveis de força de vontade e de autocontrolo, mediante várias formas.
E o que descobriram foi que, mesmo tendo em conta diferenças em termos de inteligência, raça e classe social, aqueles que demonstraram maiores níveis de autocontrolo, se transformaram em adultos mais saudáveis, felizes e com maiores capacidades financeiras. Inversamente, os que apresentavam níveis baixos de controlo, tiveram um desempenho académico mais fraco, exerciam funções mal pagas, não tinham poupanças, demonstravam tendência para excesso de peso, bem como para problema com drogas e álcool e uma capacidade reduzida para manter relacionamentos estáveis. Mais ainda, a probabilidade para serem criminalmente condenados era quatro vezes superior quando comparada com os membros do primeiro grupo.
Mas afinal como funciona o autocontrolo e, por consequência, a força de vontade? Quando lutamos contra um desejo ou impulso, o esforço que fazemos para o combater é algo extenuante, muito similar a uma guerra travada no nosso cérebro entre duas forças antagónicas. Falamos na necessidade de uma enorme força de vontade, em nos forçarmos a irmos trabalhar ou a reprimirmo-nos para não deixarmos o “mau feitio” levar a melhor, como se fossemos um animal doméstico indisciplinado. E, nos últimos anos, o psicólogo Roy F. Baumeister demonstrou que esta metáfora forçada possui um núcleo de realidade neurobiológica.
Nas primeiras experiências divulgadas por Baumeister, em 1998, o psicólogo, em conjunto com os seus colaboradores, descobriu que a força de vontade, tal como um músculo, pode atingir um estado de extrema fatiga. Imediatamente após um grupo de estudantes se ter envolvido em tarefas que exigiam o controlo dos seus impulsos – resistir a bolachas enquanto tinham fome, serem obrigados a seguir uma exposição completamente aborrecida enquanto tinham de ignorar um vídeo humorista ou suprimir as suas emoções enquanto viam a famosa e triste cena de “Laços de Ternura”, filme no qual Debra Winger tem de se despedir dos seus filhos pois sabe que vai morrer – todos eles demonstraram lapsos significativos em tarefas subsequentes que também exigiam força de vontade, como a resolução de puzzles complexos ou guardarem o dinheiro recebido pela participação no estudo e não o gastarem de imediato em guloseimas. Baumeister apelidou este efeito como “esgotamento do ego”, utilizando o conceito freudiano do ego como a entidade mental que controla as paixões.
De seguida, e mantendo a mesma metáfora, Baumeister levou-a ainda mais longe demonstrando que um ego esgotado pode ser revigorado, sendo que uma das formas de o fazer é ingerir pequenas quantidades de açúcar, o que fornece ao cérebro uma dose extra de glucose, necessária para o exercício de um maior autocontrolo. Mas a sua maior descoberta consistiu no facto de que o autocontrolo apesar de ser, em parte, uma característica hereditária, poderá ser trabalhado através de vários exercícios. Assim, envolveu os estudantes em regimes que lhes exigiam que mantivessem um registo da sua alimentação, fizessem exercício regularmente, que utilizassem o rato do computador com a mão esquerda (pequenas tarefas a que não estamos habituados servem para melhorar o autocontrolo), que se expressassem com frases o mais completas possíveis, evitando o calão. Depois de várias semanas, os estudantes participantes no estudo demonstraram uma maior resistência à “exaustão do ego” em laboratório, a par de um maior autocontrolo das suas vidas. Fumavam, bebiam e comiam menos “snacks”, viam menos televisão e estudavam mais.
Mais ainda, os neurocientistas acreditam que este tipo de actividades, em conjunto, por exemplo, com a aprendizagem de uma nova língua ou com meditação, reforçam os caminhos neuronais no córtex pré-frontal do cérebro ajudando-nos a dizer “sim” aos nossos objectivos e “não” à procrastinação e às tentações.
Tal como Baumeister, a psicóloga Kelly McGonigal, da Universidade de Stanford e autora de um livro que está prestes a ser publicado, intitulado “The Willpower Instinct”, confirma que o exercício da força de vontade exige ao cérebro o dispêndio de grandes doses de energia sob a forma de glucose, especialmente quando sentimos fome ou não existe capacidade de este a metabolizar de forma tão eficaz quanto é normal, o que acontece em situações de ausência de horas de sono ou em casos de stress. Como afirmou ao The Globe, “todas estas situações causam uma disfunção moderada no córtex pré-frontal”, acrescentando que “é como se tivéssemos algum dano cerebral nas áreas em que precisamos de ter autocontrolo, o que nos transforma na pior versão de nós mesmos”, e nos faz gritar com os filhos, falhar um prazo de trabalho ou atacar o frigorífico e enchermo-nos de gelado.
Outros estudos recentes, que utilizam a imagiologia cerebral, indicam que diferentes regiões do córtex pré-frontal são responsáveis por elementos distintos da força de vontade. O seu lado esquerdo “puxa-nos” para cima e permite-nos cumprir pelo menos algumas das tarefas da nossa lista diária, enquanto o lado direito ajuda a evitar as tentações responsáveis pelo descarrilar das dietas, do trabalho ou do exercício. E existe ainda numa região mais pequena do cérebro, denominada córtex pré-frontal ventromedial, que ajuda a pesar todas as decisões que são feitas na nossa mente minuto a minuto. Será melhor ver o que se está a passar no Facebook ou escrever aquele memorando? Como uma bolacha de chocolate ou uma maçã? Como é que vou responder à birra do meu filho?
Para os investigadores, o facto de as pessoas que apresentam níveis mais elevados de autocontrolo geralmente tomarem melhores decisões, considerando os objectivos de longo prazo em detrimento da gratificação instantânea, deve-se, muito possivelmente, a uma melhor coordenação entre todas estas regiões cerebrais envolvidas na força de vontade.
Para continuar a ler o artigo clique aqui
“As pessoas com pouca força de vontade usam-na para saírem das suas próprias crises; as que têm muita força de vontade utilizam-na para as evitar”. A frase é do psicólogo social norte-americano Roy F. Baumeister que, em parceria com o editor de ciência do The New York Times, John Tierney, escreveu um livro intitulado “Willpower: Rediscovering our Greatest Strenght”.
Este é o principal argumento do livro de Baumeister que, há mais de três décadas, se dedica a estudar os mecanismos cerebrais responsáveis pela força de vontade (ou pela falta dela) e que afirma perentoriamente que esta constitui “a principal chave para a obtenção do sucesso e de uma vida feliz”.
Pese embora a diferente conotação que cada um de nós atribui ao significado de sucesso ou de felicidade, a verdade é que numa altura em que Portugal está mergulhado num alto muro de lamentações, ter a força e a vontade para continuar a lutar não é tarefa fácil. Antes de a crise eclodir, estimava-se que, em Portugal, 25% da população sofria de depressão, sendo que os psicólogos são unânimes em relacionar (o que não é de admirar) o declínio das condições de vida com o aumento dos estados depressivos, principalmente pela ausência de alternativas a curto-prazo.
Assim, saber que existem formas de exercitar este “músculo”, de o tornar mais forte e de melhorar a nossa capacidade para gerir desejos conflituosos e optar por escolhas mais adequadas constitui motivo suficiente para viajarmos neste livro (e recorrendo a outros estudos similares) que, ao contrário da simples literatura de autoajuda, está suficientemente sustentado em argumentos científicos. Iniciemos, então, o caminho para a descoberta de alguns mistérios relacionados com a temática da força de vontade.
A metáfora do músculo
Nos anos de 1960, o sociólogo Walter Mischel estava interessado em perceber a forma como as crianças, de tenra idade, resistiam à gratificação instantânea: com um conjunto de miúdos, deu-lhes a escolher entre receberem um marshmallow de imediato ou dois, caso esperassem 15 minutos. Décadas passadas e de acordo com os seus registos, o sociólogo descobriu que os miúdos, na altura com quatro anos, que tinham conseguido aguentar os 15 agonizantes minutos, se tinham transformado em adultos mais disciplinados, com menor propensão para o abuso de drogas, com uma autoestima mais elevada, relacionamentos mais saudáveis e duradouros, maior capacidade para lidar com o stress, melhores graus académicos e salários mais elevados.
As descobertas de Mischel ganharam nova relevância devido a um estudo notável, de longo prazo, realizado na Nova Zelândia e concluído em 2010. Ao longo de 32 anos, uma equipa composta por vários investigadores internacionais, seguiu 1000 pessoas, desde o seu nascimento, avaliando os seus níveis de força de vontade e de autocontrolo, mediante várias formas.
E o que descobriram foi que, mesmo tendo em conta diferenças em termos de inteligência, raça e classe social, aqueles que demonstraram maiores níveis de autocontrolo, se transformaram em adultos mais saudáveis, felizes e com maiores capacidades financeiras. Inversamente, os que apresentavam níveis baixos de controlo, tiveram um desempenho académico mais fraco, exerciam funções mal pagas, não tinham poupanças, demonstravam tendência para excesso de peso, bem como para problema com drogas e álcool e uma capacidade reduzida para manter relacionamentos estáveis. Mais ainda, a probabilidade para serem criminalmente condenados era quatro vezes superior quando comparada com os membros do primeiro grupo.
Mas afinal como funciona o autocontrolo e, por consequência, a força de vontade? Quando lutamos contra um desejo ou impulso, o esforço que fazemos para o combater é algo extenuante, muito similar a uma guerra travada no nosso cérebro entre duas forças antagónicas. Falamos na necessidade de uma enorme força de vontade, em nos forçarmos a irmos trabalhar ou a reprimirmo-nos para não deixarmos o “mau feitio” levar a melhor, como se fossemos um animal doméstico indisciplinado. E, nos últimos anos, o psicólogo Roy F. Baumeister demonstrou que esta metáfora forçada possui um núcleo de realidade neurobiológica.
Nas primeiras experiências divulgadas por Baumeister, em 1998, o psicólogo, em conjunto com os seus colaboradores, descobriu que a força de vontade, tal como um músculo, pode atingir um estado de extrema fatiga. Imediatamente após um grupo de estudantes se ter envolvido em tarefas que exigiam o controlo dos seus impulsos – resistir a bolachas enquanto tinham fome, serem obrigados a seguir uma exposição completamente aborrecida enquanto tinham de ignorar um vídeo humorista ou suprimir as suas emoções enquanto viam a famosa e triste cena de “Laços de Ternura”, filme no qual Debra Winger tem de se despedir dos seus filhos pois sabe que vai morrer – todos eles demonstraram lapsos significativos em tarefas subsequentes que também exigiam força de vontade, como a resolução de puzzles complexos ou guardarem o dinheiro recebido pela participação no estudo e não o gastarem de imediato em guloseimas. Baumeister apelidou este efeito como “esgotamento do ego”, utilizando o conceito freudiano do ego como a entidade mental que controla as paixões.
De seguida, e mantendo a mesma metáfora, Baumeister levou-a ainda mais longe demonstrando que um ego esgotado pode ser revigorado, sendo que uma das formas de o fazer é ingerir pequenas quantidades de açúcar, o que fornece ao cérebro uma dose extra de glucose, necessária para o exercício de um maior autocontrolo. Mas a sua maior descoberta consistiu no facto de que o autocontrolo apesar de ser, em parte, uma característica hereditária, poderá ser trabalhado através de vários exercícios. Assim, envolveu os estudantes em regimes que lhes exigiam que mantivessem um registo da sua alimentação, fizessem exercício regularmente, que utilizassem o rato do computador com a mão esquerda (pequenas tarefas a que não estamos habituados servem para melhorar o autocontrolo), que se expressassem com frases o mais completas possíveis, evitando o calão. Depois de várias semanas, os estudantes participantes no estudo demonstraram uma maior resistência à “exaustão do ego” em laboratório, a par de um maior autocontrolo das suas vidas. Fumavam, bebiam e comiam menos “snacks”, viam menos televisão e estudavam mais.
Mais ainda, os neurocientistas acreditam que este tipo de actividades, em conjunto, por exemplo, com a aprendizagem de uma nova língua ou com meditação, reforçam os caminhos neuronais no córtex pré-frontal do cérebro ajudando-nos a dizer “sim” aos nossos objectivos e “não” à procrastinação e às tentações.
Tal como Baumeister, a psicóloga Kelly McGonigal, da Universidade de Stanford e autora de um livro que está prestes a ser publicado, intitulado “The Willpower Instinct”, confirma que o exercício da força de vontade exige ao cérebro o dispêndio de grandes doses de energia sob a forma de glucose, especialmente quando sentimos fome ou não existe capacidade de este a metabolizar de forma tão eficaz quanto é normal, o que acontece em situações de ausência de horas de sono ou em casos de stress. Como afirmou ao The Globe, “todas estas situações causam uma disfunção moderada no córtex pré-frontal”, acrescentando que “é como se tivéssemos algum dano cerebral nas áreas em que precisamos de ter autocontrolo, o que nos transforma na pior versão de nós mesmos”, e nos faz gritar com os filhos, falhar um prazo de trabalho ou atacar o frigorífico e enchermo-nos de gelado.
Outros estudos recentes, que utilizam a imagiologia cerebral, indicam que diferentes regiões do córtex pré-frontal são responsáveis por elementos distintos da força de vontade. O seu lado esquerdo “puxa-nos” para cima e permite-nos cumprir pelo menos algumas das tarefas da nossa lista diária, enquanto o lado direito ajuda a evitar as tentações responsáveis pelo descarrilar das dietas, do trabalho ou do exercício. E existe ainda numa região mais pequena do cérebro, denominada córtex pré-frontal ventromedial, que ajuda a pesar todas as decisões que são feitas na nossa mente minuto a minuto. Será melhor ver o que se está a passar no Facebook ou escrever aquele memorando? Como uma bolacha de chocolate ou uma maçã? Como é que vou responder à birra do meu filho?
Para os investigadores, o facto de as pessoas que apresentam níveis mais elevados de autocontrolo geralmente tomarem melhores decisões, considerando os objectivos de longo prazo em detrimento da gratificação instantânea, deve-se, muito possivelmente, a uma melhor coordenação entre todas estas regiões cerebrais envolvidas na força de vontade.
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