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Ouro: Quatro caminhos dourados

Como investimento, o ouro tem poucos trunfos. E sob algumas formas, o metal precioso pode mesmo ser uma aposta ruinosa.

19 de Abril de 2016 às 10:08
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Tal como muitos portugueses, é provável que já tenha investido em ouro ou, pelo menos, tenha ponderado essa hipótese. A tradição criou a ideia de que o ouro é um investimento seguro e garantido. Dito de outra forma, quem compra ouro tem a expectativa de que, algures no futuro, quando decidir vender receberá mais do que pagou inicialmente. Mas esta perceção de "aposta garantida" não corresponde à realidade. Em primeiro lugar, o valor do ouro é determinado pelo mercado, pelo que tanto pode subir como descer. Em segundo lugar, a "forma" de ouro escolhida pelo investidor tende a ser negligenciada mas, como poderá comprovar pelos resultados do nosso teste, tem uma resposta mais objetiva do que a primeira e impacta bastante no resultado do investimento.

A tradição

Durante muitos anos, a perceção de um ouro em perpétua valorização correspondeu à realidade. Antes da adesão de Portugal à zona euro, a taxa de inflação era muito elevada, o que corroía o poder de compra dos nossos escudos. As opções em termos de aplicações financeiras também eram mínimas e o ouro era uma escolha natural. Com o preço fixado numa moeda forte, o dólar, o ouro gerava automaticamente ganhos com a fraqueza do escudo.

Seguiu-se um período de estabilidade até que na primeira década do século XXI a febre do ouro atingiu proporções mais globais. O aumento da procura dos países emergentes, tradicionais compradores de ouro, e a multiplicação de produtos financeiros dedicados ao metal dourado levaram a cotação para a estratosfera. Em Portugal, o auge dessa febre coincidiu com a crise económica e as casas de compra de ouro surgiram como cogumelos. Muitos portugueses foram forçados a desfazerem-se do metal e essas entidades conseguiam comprá-lo muito abaixo de um valor de mercado em subida constante. Um negócio excelente para os compradores, mas inevitavelmente, como todas as febres acabou por desaparecer. Também para muitos portugueses, que venderam o ouro, poderá ter parecido uma boa decisão. Se o tivessem adquirido há décadas, decerto que, em termos nominais, receberam mais do que pagaram. Mas essa perceção não chega para fundamentar que o ouro é, em qualquer conjuntura, uma aposta de investimento garantida.

A pureza do ouro O ouro avalia-se em quilates (K), o que corresponde à sua pureza. O puro tem 24 quilates e é tão macio que pode ser moldado com as mãos. Mas para fazer jóias tem de ser misturado com outros metais (liga) para ganhar alguma rigidez de outra forma seria impossível trabalhá-lo. Quanto maior a mistura menor a pureza do ouro. Exemplo: um anel de ouro com 16 partes de ouro e 8 de cobre é um ouro de 16 quilates. É possível combinar vários metais (prata, cobre, paládio) com o ouro para obter variantes, como, por exemplo, ouro amarelo, rosa ou branco.

E a realidade atual? Nos últimos meses, a turbulência das bolsas voltou a colocar os valores de refúgio em destaque e impulsionou a cotação do ouro. Por grama, o metal dourado vale agora cerca de 36 euros grama, contra 30 euros há dois anos. No entanto, esta recuperação deve ser posta em perspetiva. A longo prazo, prever com relativa precisão a cotação do ouro é difícil, mas há vários fatores que desaconselham o ouro como forma de investimento.

O metal dourado não rende juro nem paga dividendos, pelo que só será rentável caso se valorize. Por um lado, o seu valor como matéria-prima depende, em parte, da procura para efeitos industriais. Por outro, a cotação está fortemente sujeita às oscilações no sentimento dos investidores e à especulação, amplificada pelos inúmeros produtos financeiros que permitem apostar no comportamento do ouro.


-76%
Prejuízo
Prejuízo obtido com o "investimento" num anel de ouro. As peças de ourivesaria não são minimamente adequadas para apostar no metal.

4,8%
Valorização
Valorização do ouro, em euros, no mercado internacional durante o momento da compra até à venda, 15 dias depois.


E atualmente sob estes prismas, as perspetivas para o metal dourado são pouco favoráveis. Em primeiro lugar, o abrandamento económico dos países emergentes, grandes importadores de ouro, tem um efeito claramente negativo sobre a procura. Em segundo lugar, o ouro protege teoricamente contra a erosão do poder de compra. Ora com um nível global de inflação muito baixo, esta vantagem é pouco relevante. Por fim, a subida dos juros nos Estados Unidos torna mais atrativas as obrigações soberanas norte-americanas. Estas também são vistas como um ativo seguro, mas que paga juros, ao contrário do ouro.

Quem comprou aos preços de 2011 ou 2012, e vender agora, vai ter prejuízo. Na altura, o grama de ouro superou os 44 euros, contra os atuais 36 euros. E se considerarmos as comissões e as margens praticadas pelas entidades que negoceiam ouro físico, a perda sai agravada. Aliás, é bastante provável que até quem tenha adquirido anteriormente aos máximos, não consiga um preço agora mais elevado tendo em conta o diferencial que existe entre o valor da venda e da compra. Essa foi a principal conclusão do nosso teste.



Os quatro testados Comprámos um ETF na bolsa de Nova Iorque, subscrevemos um fundo de investimento, encomendámos uma barra de 10 gramas junto de um banco nacional e adquirimos um anel de ouro numa joalharia. Passados 15 dias, vendemos tudo pelos mesmos canais, exceto o anel. A loja que nos vendeu o anel não efetua recompras, pelo que nos dirigimos a um estabelecimento especializado em compra de ouro usado nas proximidades. Durante o período, a cotação internacional em euros subiu 4,8%, mas será que os nossos quatro investimentos captaram o ganho? Qual foi o produto que se terá saído melhor?


ETFO ETF (exchange traded fund) selecionado para o teste foi o SPDR Gold Shares. As carteiras dos ETF são constituídas de forma a replicar um determinado índice. Os mais comuns incidem sobre índices de ações como o norte-americano S&P 500 ou o pan-europeu Euro Stoxx, mas também existem ETF dedicados a reproduzir a evolução do valor das matérias-primas. Cotado na bolsa de Nova Iorque, o SPDR Gold Shares replica o valor do ouro e, além disso, detêm-o em termos físicos. O ETF é o único dos quatro produtos do teste cujo resultado é sensível ao montante aplicado devido a comissões fixas de negociação em bolsa. No período, o SPDR Gold Shares valorizou-se 4,2%. Um investimento de cerca de 5800 euros teria rendido 3,5%, mas como aplicámos apenas 580 euros, o resultado foi uma perda de 2,9%. Como são negociados da mesma forma do que as ações, use o nosso simulador (deco.proteste.pt/investe/custos-bolsa) para saber quais os bancos e corretoras com as comissões de corretagem mais baixas e os montantes necessários para diluir os custos. O resultado também será influenciado pela comissão de gestão anual e a diferença entre os preços de compra e venda. Mas o encargo anual é, por norma, baixo e o spread é de apenas alguns cêntimos na maioria dos ETF. A venda tem de ser declarada no IRS e a eventual mais-valia está sujeita a imposto.

Fundo de investimentoTrata-se de um produto financeiro que permite investir indiretamente nas bolsas. Pode ser subscrito, normalmente, a partir de algumas dezenas de euros. Como a carteira do fundo é composta por um número considerável de investimentos diferentes, existe sempre algum grau de diversificação. Para o teste, escolhemos o BlackRock World Gold E2 USD. Sendo um fundo "comum" não pode comprar diretamente o metal dourado, mas investe em ações de empresas cuja atividade está ligada ao ouro, nomeadamente a extração. De acordo com a última informação disponível investia em 51 empresas, sendo que as cinco com maior peso na carteira eram a Randgold Resources Limited, Franco Nevada Corp, Newcrest Mining, Fresnillo e Eldorado Gold Corporation. A sua valorização está bastante correlacionada com essa matéria-prima porque os lucros obtidos pelas empresas em que investe dependem da cotação do ouro. O ganho obtido foi de 9%. A operação de resgate tem de ser inscrita na declaração de IRS e a mais-valia está sujeita a imposto. Nos fundos de investimento em empresas auríferas, a ineficiência prende-se sobretudo com o facto de amplificarem a variação da cotação do ouro. Em 2013, o ouro caiu 30,5%, mas o fundo perdeu 51%. Com efeito, há mais fatores que influenciam as cotações, como as características de cada empresa (ex: competência da gestão, localização geográfica, tipo de atividade, etc.) e o sentimento geral dos mercados.

Barra de ouroCom uma pureza de 24K (quilates), as barras ouro são compostas por 99,9% de ouro e foram concebidas para servirem de reserva de valor, moeda de troca e naturalmente forma de investimento. Não possuem qualquer valor subjetivo e, em teoria, valem literalmente o seu peso em ouro. Comprámos uma barra de 10 gramas junto de um banco nacional por 37,5 euros/g, a qual revendemos, passados 15 dias, por 36,2 euros/g, ou seja, um valor mais baixo apesar da valorização do ouro (+4,8%). O metal dourado subiu, mas este "negócio" deu um prejuízo de 3,4%. Este resultado resulta dos spreads praticados pelos bancos: vendem acima do valor do mercado e compram abaixo. Seria necessário uma valorização mais significativa do ouro para que o investimento se tornasse rentável. A compra e venda de barras está isenta de IVA, não depende do montante aplicado nem implica outros custos além deste spread. Contudo, se quiser guardá-las num cofre no banco terá de incorporar o custo do aluguer nas suas contas. Na edição de outubro de 2013 publicámos um teste centrado no investimento em barras e concluímos que, no que dizia respeito à compra e ao respetivo preço, não existiam diferenças significativas na oferta de ouro entre os principais bancos nacionais. O mesmo não se podia extrapolar para outras entidades. Ao tentarmos vender essas barras a franchisings, obtivemos propostas muito díspares e muito aquém da cotação de referência.


Anel de ouroOs objetos de ourivesaria podem ser, naturalmente, bastante diversos. Por um lado, são menos puros que as barras. Por outro, têm uma componente artística subjetiva. Isto para não falar do valor sentimental que pode ter. Contudo, no momento de venda, dificilmente conseguirá que seja considerado algo além do peso e do grau de pureza. Aqui a ineficiência do método de investimento é sinónimo de catástrofe: as diferenças entre os valores de compra e venda são abismais. Mesmo que opte por ouro que incorpore um mínimo de trabalho, tal como fizemos ao escolher um simples anel, terá de desembolsar um preço por grama muito acima do de mercado. Logo à partida, quando compra tem de suportar IVA. No dia em que comprámos o anel, a cotação ajustada pela pureza, era de 28 euros/g. Pelo anel pagámos 59 euros/g, o que com o IVA ascendeu a 72. Na venda, o choque foi igual. A oferta de compra era, naquele dia, de 22 euros/g, uma perda superior a 70%! A cotação de referência de mercado para uma peça com 80% de pureza, como o anel, era de 29,6 euros/grama. É possível que, em outros estabelecimentos, o preço de um anel idêntico tivesse sido diferente, mas é pouco verosímil que conseguisse comprar por valores bastante mais baixos. O mesmo raciocínio se aplica à venda. Se optar por adquirir (ou vender) objetos de ouro, visite várias dezenas de lojas e compare os preços, tendo presente a pureza e o peso de ouro do objeto.


Conclusão: a segurança tem elevado um preço Os mais acérrimos defensores do ouro dirão que duas semanas não são suficientes para demonstrar o potencial do metal. Os investimentos devem ser avaliados numa ótica de longo prazo. No entanto, o que pretendemos demonstrar com o teste não foi a pertinência do ouro como investimento. O teste centrou-se na eficiência (ou a falta dela) das várias formas de aplicar neste metal precioso. Essa avaliação é relativamente independente do tempo decorrido entre a compra e a venda. Em quinze dias, a cotação de referência do ouro subiu 4,8%, mas as quatro formas de investimento geraram resultados bastante diferentes. E quanto mais ineficiente o produto escolhido, mais terá de subir o valor do ouro para que o investimento seja efetivamente rentável. Na comparação dos 4 caminhos dourados, o ETF será o mais eficaz a seguir o ouro desde que possa aplicar uns milhares de euros. Por seu turno, o investimento na peça de ourivesaria foi ruinoso. Então a solução para ganhar com o ouro será um ETF? Não necessariamente. Este protegeria num contexto de crise mundial ou de uma saída de Portugal da zona euro. Mas numa situação extrema de colapso do sistema financeiro global, os produtos financeiros (fundos, ETF, etc.) não estariam totalmente seguros, mesmo um ETF que detenha ouro em barras. Nesse cenário mais catastrofista, o refúgio teria de passar por ouro físico em barras. No entanto, se o sistema financeiro não implodir, o "seguro contra o pior" vai ter custos elevados. Durante o período do teste, a cotação do ouro subiu, mas o negócio das barras deu prejuízo. E ao optar pelo ouro está a prescindir de investimentos com rendimento garantido, como os Certificados do Tesouro, ou de elevado potencial de valorização como uma carteira de fundos ou de ações.
CALCULADORA
Quanto vale o ouro?

À semelhança de outros metais, o ouro é transacionado em bolsa. Desses negócios resulta o preço internacional do ouro puro em dólares por onça. Se está a pensar em comprar ou vender ouro, consulte o portal financeiro para saber o preço atual em euros por grama.

Use a nossa calculadora para saber o valor de referência da cotação do ouro



Este artigo foi redigido ao abrigo do novo acordo ortográfico.

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