Notícia
Investimento: “Faites vos jeux, rien ne vas plus!”
A pandemia trouxe para as bolsas apostadores desportivos e “robins dos bosques”, que podem estar a fazer mexer os mercados. Há empresas insolventes que dispararam nas bolsas. Cuidado!
28 de Outubro de 2020 às 11:00
Parafraseando Astérix, "estes romanos [mercados financeiros] são doidos". Nos últimos meses, assistimos às quedas e recuperações mais rápidas da história de alguns dos principais índices de referência. É já um estudo de caso. O FMI constatou num relatório de junho que a diferença entre as cotações dos títulos e os valores estimados para os ativos, com base nos seus dados fundamentais, está em máximos históricos ou perto disso, na maioria das economias desenvolvidas (com destaque para os Estados Unidos e Japão). Ou seja, nos últimos 30 anos, muitos mercados nunca estiveram (aparentemente) mais sobrevalorizados do que hoje.
Temos, porém, observado alguns casos que vão além de qualquer explicação minimamente racional, como mercados eufóricos por falta de alternativas, devido a taxas de juro zero nas economias desenvolvidas.
Apetite por empresas falidas
Um caso paradigmático é o da Hertz, uma das vítimas da pandemia.
O negócio de aluguer de viaturas foi profundamente afetado pela paralisação quase total do transporte aéreo e do turismo. A empresa não resistiu, apresentando a 22 de maio um pedido de insolvência para se proteger dos credores (o célebre "chapter 11" da legislação dos EUA). A cotação, que já tinha caído 82% face ao valor do início do ano, perdeu nessa sessão 80% do valor remanescente, caindo para 0,55 dólares.
Escassos dias depois, para surpresa do mundo financeiro, o valor da ação começou uma escalada vertiginosa, multiplicando por 10 o seu valor até ao fecho da bolsa de 8 de junho. Em apenas cinco dias valorizou 577%, sem nada que o justificasse. O caso tornou-se ainda mais surreal quando a Hertz anunciou uma oferta de 500 milhões de dólares em novas ações.
Algo praticamente inaudito para uma empresa que acabava de apresentar insolvência, pois o capital arriscava-se a passar diretamente dos acionistas para os credores. No prospeto apresentado à Securities and Exchange Comission (SEC, o regulador das bolsas), a própria Hertz alertava os potenciais investidores para a possibilidade de, após os procedimentos judiciais, as ações não terem qualquer valor.
Contudo, teve de ser a SEC a proteger os investidores deles próprios, forçando a empresa a desistir da oferta.
Há obrigações da Hertz, com maturidade nos próximos anos, que venderam por valores a rondar 40% do valor nominal. Ou seja, os investidores esperam recuperar menos de metade do valor das obrigações. Nestas condições, não sobrará nada para os acionistas e as ações valerão zero.
Há outros exemplos extremos. Veja-se o caso da Nikola, que acabou de chegar à bolsa. A empresa assume-se como uma Tesla versão 2.0, sendo que o presidente também se apresenta como um visionário, numa alusão a Elon Musk, da Tesla. Até o nome é o primeiro nome do inventor Nikola Tesla.
O CEO, Trevor Milton, pretende inovar com camiões movidos a hidrogénio (tecnologia de células de combustível), embora os planos também passem por veículos plug-in e 100% elétricos.
A empresa ainda não produziu nem vendeu um único veículo, mas o seu valor de mercado já está ao nível da Ford (24 mil milhões de dólares).
Sempre houve especulação nos mercados, mas, desta forma, é invulgar.
Compram-se ações de empresas falidas, ou que ainda nada vendem, mas que estão entre as mais valiosas do mundo. É quase como jogar no casino. Talvez não seja por acaso, como iremos ver.
Da roleta para a bolsa
Na Europa, o mercado do jogo online faturou, em 2018, mais de 22 mil milhões de euros em receitas brutas, dos quais 42,5% resultaram de apostas desportivas. Sendo ilegais na maioria dos estados norte-americanos, as apostas desportivas só começaram a ser despenalizadas nesse ano. O que significa que o mercado legal é mais pequeno. Em meados de 2019, representava cerca de 10 mil milhões de dólares. Mas, como tudo o que é proibido propicia a ilegalidade, pensa-se que o mercado paralelo é muito maior, valendo cerca de 150 mil milhões de dólares. As apostas são feitas através dos infames "bookies", ubíquos nos filmes de Hollywood.
Ora, com a pandemia, muitos americanos ficaram, a partir de março, confinados em casa e com dinheiro na mão, graças aos cheques enviados pelo governo. Como a generalidade das competições desportivas estava suspensa, as apostas desportivas deixaram de ser uma opção. Em alternativa, os apostadores voltaram-se para os mercados financeiros, também eles proporcionadores de "emoções fortes".
O certo é que celebridades online ligadas às apostas passaram a dar dicas sobre ações, sem grandes preocupações de análise financeira.
É o caso de David Portnoy, que fundou um site de apostas desportivas chamado Barstool Sports. Com 1,5 milhões de seguidores no Twitter, Portnoy passou, num piscar de olhos, de apostador para "day trader", assumindo um estilo satírico e polémico. Incendiou as redes sociais ao dizer que Warren Buffet está acabado como investidor e ao comprar títulos tirando letras à sorte. Na sua opinião, "as ações só sobem".
Outro dado interessante é o desempenho de empresas de apostas online, que chegaram recentemente à bolsa.
Recordamos que a legalização de apostas nas competições desportivas é um processo recente nos Estados Unidos. Apesar da paragem das competições, as cotações estão a disparar.
A Penn Gaming, que detém o site de David Portnoy, subiu uns incríveis 551% entre 18 de março e 9 de julho.
Neste mesmo período, os ganhos do Nasdaq, que inclui as maiores cotadas tecnológicas, foram "só" de 51%. A Draftkings é outro exemplo. A empresa entrou em bolsa a 24 de abril, através de um processo pouco usual, ao fundir-se com uma companhia veículo que já estava cotada ("reverse merger"). Desde essa data até 1 de junho, as ações exibiram uma subida quase ininterrupta, valorizando 126% contra "apenas" 9% do Nasdaq.
Mas os novos investidores não foram, obviamente, os únicos novos investidores a chegar ao mercado. Como referimos há alguns meses, há uma nova tendência a atrair principiantes para o mercado: comprar e vender ações sem custos.
Os investidores Robinhood
No primeiro trimestre deste ano, especialmente em março, algumas das principais corretoras online americanas, como TD Ameritrade, E*Trade e Charles Schwab, anunciaram ter aberto um número recorde de novas contas. Além de disponibilizarem "apps" móveis, praticam comissões de transação de ações a custos muito baixos, em alguns casos zero, o que torna a negociação em bolsa mais acessível. O processo de investir é tão simples que se aproxima das apostas online.
No que toca a simplicidade e negociação sem custos, há um nome incontornável atualmente nos EUA.
A Robinhood propôs-se democratizar os mercados ao introduzir a possibilidade de comprar e vender títulos sem custos.
Esta start-up, agora a ser imitada pelas corretoras já estabelecidas, atrai uma camada demográfica semelhante à que vê e aposta em desporto: 80% dos clientes são homens, com uma idade média de 37 anos.
Com um "interface" simples (há quem o compare a um jogo móvel) e funcionalidades, como a compra de frações de ações, que permitem investir, por exemplo, 100 dólares num título da Amazon, que vale mais de 3 mil dólares, a transação nas bolsas é muito fácil. A Robinhood registou um crescimento extraordinário durante a pandemia, ao ponto de "investidor Robinhood" ser quase sinónimo de investidor sem grande experiência e capital.
As peças do puzzle parecem encaixar-se. Segundo a DataTrek Research, a Nikola chegou a ser a segunda ação mais detida e a Hertz a quarta pelos investidores da Robinhood, entre o final de maio e início de junho. As restantes, de um total de 20, incluíam companhias vítimas da pandemia, como linhas aéreas e companhias de cruzeiro, e tecnológicas populares, como a Apple, Amazon ou a construtora automóvel Tesla. Quanto às empresas de apostas online, apesar de recém-chegadas às bolsas, são atualmente a 63.ª (Draftkings) e a 66.ª (Penn Gaming) mais populares entre os investidores Robinhood.
Por enquanto, os "robins dos bosques" têm feito jus ao nome, batendo, no curto prazo, os analistas financeiros, dado que estas ações têm tido um bom desempenho face ao mercado.
A situação não irá, porém, manter-se para sempre. Voltando à Nikola e à Hertz, os dados da Robinhood mostram que a 6 de julho estas ações caíram, entre as 100 mais detidas, para 51.ª e 52.ª, respetivamente. Os gráficos da popularidade ao longo do tempo revelam também que o abrandamento na entrada de novos investidores coincidiu com a inversão da tendência positiva das cotações. Os clientes da Robinhood podem estar a seguir uma estratégia ingénua de comprar o que mais sobe. O certo é que, temporariamente, parece resultar.
E em Portugal?
É sabido que os portugueses gostam de jogos de azar, mas a bolsa é menos popular do que nos Estados Unidos e noutros países europeus mais ricos.
Ainda assim, questionámos várias corretoras online e as respostas sugerem um interesse acrescido pelos mercados financeiros. A Degiro, que opera em vários países, registou, no primeiro semestre do ano, um aumento de 265%, face a 2019, de novas contas abertas. Embora não divulgue números por país, confirmou-nos que Portugal também teve uma subida.
O Banco Carregosa informou-nos que, no segundo trimestre, a abertura de novas contas cresceu 50% e a negociação aumentou 120%, face ao mesmo período do ano passado. Já a XTB, corretora mais dedicada a CFD e Forex, conquistou mais do dobro dos clientes nos meses de confinamento por comparação com a média de janeiro e fevereiro, com um pico de 183% em abril.
As criptomoedas, um investimento especulativo particularmente popular entre os investidores mais jovens, podem também ter beneficiado deste interesse acrescido pelos mercados. A "app" de pagamentos Revolut teve, em abril e maio, um aumento de 60% na negociação de criptomoedas. Contudo, este dado deve ser contextualizado: antes, negociar criptomoedas era uma possibilidade exclusiva dos planos pagos da Revolut, tendo sido agora aberta aos clientes gratuitos.
É sempre perigoso tentar explicar os movimentos do mercado com um único dado. Há vários fatores muito mais poderosos que levaram às valorizações atuais, como a falta de alternativas de investimento devido às políticas de juros baixos, ou as diversas tendências que favorecem as empresas tecnológicas (a própria pandemia foi benéfica a diversas níveis).
Mas ignorar os dados fundamentais das empresas e investir aleatoriamente em ações é um risco muito elevado que pode trazer dissabores.
Não embale em modas se não tem muita experiência em mercados financeiros.
A nossa recomendação
Resista às modas
Não cometa o erro clássico de transformar um investimento especulativo que corre mal num investimento a longo prazo, para evitar assumir perdas.
• Afaste-se de títulos como a Nikola e, especialmente, Hertz. São especulativos e têm tudo para correr mal.
• Cuidado com empresas cujas cotações caíram muito devido à pandemia, mas cujo negócio foi também muito afetado, como as linhas aéreas ou companhias de cruzeiros. Podem não estar necessariamente baratas, pois o negócio pode não voltar aos níveis pré-crise e, nalguns casos, podem ocorrer falências. Não inclua demasiados títulos destes na sua carteira, e prefira os que estão financeiramente mais fortes, com menos dívida (consulte a autonomia financeira, a proporção do balanço que é financiado pelos capitais próprios) e mais capacidade de pagar os juros (monitorize a cobertura dos juros da dívida pelo EBITDA).
• As tecnológicas têm muitos pontos fortes. Mas a subida das cotações de alguns títulos é cada mais suportado por expectativas sobre planos futuros e valorizações passadas do que pela realidade. Vejamos o caso da Apple: regista um grande crescimento e rentabilidade, mas não é muito barata. A Amazon é outro exemplo. Apesar do crescimento, é menos rentável e a ação está cara. A Tesla é um caso paradigmático. O valor de mercado quase duplicou desde o início de junho, com base, sobretudo, em declarações de Elon Musk. A euforia nem sempre é boa conselheira. Invista a longo prazo (mais de 5 anos) e diversifique por vários mercados e setores. Seja seletivo.
Temos, porém, observado alguns casos que vão além de qualquer explicação minimamente racional, como mercados eufóricos por falta de alternativas, devido a taxas de juro zero nas economias desenvolvidas.
Um caso paradigmático é o da Hertz, uma das vítimas da pandemia.
O negócio de aluguer de viaturas foi profundamente afetado pela paralisação quase total do transporte aéreo e do turismo. A empresa não resistiu, apresentando a 22 de maio um pedido de insolvência para se proteger dos credores (o célebre "chapter 11" da legislação dos EUA). A cotação, que já tinha caído 82% face ao valor do início do ano, perdeu nessa sessão 80% do valor remanescente, caindo para 0,55 dólares.
Escassos dias depois, para surpresa do mundo financeiro, o valor da ação começou uma escalada vertiginosa, multiplicando por 10 o seu valor até ao fecho da bolsa de 8 de junho. Em apenas cinco dias valorizou 577%, sem nada que o justificasse. O caso tornou-se ainda mais surreal quando a Hertz anunciou uma oferta de 500 milhões de dólares em novas ações.
Algo praticamente inaudito para uma empresa que acabava de apresentar insolvência, pois o capital arriscava-se a passar diretamente dos acionistas para os credores. No prospeto apresentado à Securities and Exchange Comission (SEC, o regulador das bolsas), a própria Hertz alertava os potenciais investidores para a possibilidade de, após os procedimentos judiciais, as ações não terem qualquer valor.
Contudo, teve de ser a SEC a proteger os investidores deles próprios, forçando a empresa a desistir da oferta.
Há obrigações da Hertz, com maturidade nos próximos anos, que venderam por valores a rondar 40% do valor nominal. Ou seja, os investidores esperam recuperar menos de metade do valor das obrigações. Nestas condições, não sobrará nada para os acionistas e as ações valerão zero.
Há outros exemplos extremos. Veja-se o caso da Nikola, que acabou de chegar à bolsa. A empresa assume-se como uma Tesla versão 2.0, sendo que o presidente também se apresenta como um visionário, numa alusão a Elon Musk, da Tesla. Até o nome é o primeiro nome do inventor Nikola Tesla.
O CEO, Trevor Milton, pretende inovar com camiões movidos a hidrogénio (tecnologia de células de combustível), embora os planos também passem por veículos plug-in e 100% elétricos.
A empresa ainda não produziu nem vendeu um único veículo, mas o seu valor de mercado já está ao nível da Ford (24 mil milhões de dólares).
Sempre houve especulação nos mercados, mas, desta forma, é invulgar.
Compram-se ações de empresas falidas, ou que ainda nada vendem, mas que estão entre as mais valiosas do mundo. É quase como jogar no casino. Talvez não seja por acaso, como iremos ver.
Da roleta para a bolsa
Na Europa, o mercado do jogo online faturou, em 2018, mais de 22 mil milhões de euros em receitas brutas, dos quais 42,5% resultaram de apostas desportivas. Sendo ilegais na maioria dos estados norte-americanos, as apostas desportivas só começaram a ser despenalizadas nesse ano. O que significa que o mercado legal é mais pequeno. Em meados de 2019, representava cerca de 10 mil milhões de dólares. Mas, como tudo o que é proibido propicia a ilegalidade, pensa-se que o mercado paralelo é muito maior, valendo cerca de 150 mil milhões de dólares. As apostas são feitas através dos infames "bookies", ubíquos nos filmes de Hollywood.
Ora, com a pandemia, muitos americanos ficaram, a partir de março, confinados em casa e com dinheiro na mão, graças aos cheques enviados pelo governo. Como a generalidade das competições desportivas estava suspensa, as apostas desportivas deixaram de ser uma opção. Em alternativa, os apostadores voltaram-se para os mercados financeiros, também eles proporcionadores de "emoções fortes".
O certo é que celebridades online ligadas às apostas passaram a dar dicas sobre ações, sem grandes preocupações de análise financeira.
É o caso de David Portnoy, que fundou um site de apostas desportivas chamado Barstool Sports. Com 1,5 milhões de seguidores no Twitter, Portnoy passou, num piscar de olhos, de apostador para "day trader", assumindo um estilo satírico e polémico. Incendiou as redes sociais ao dizer que Warren Buffet está acabado como investidor e ao comprar títulos tirando letras à sorte. Na sua opinião, "as ações só sobem".
Outro dado interessante é o desempenho de empresas de apostas online, que chegaram recentemente à bolsa.
Recordamos que a legalização de apostas nas competições desportivas é um processo recente nos Estados Unidos. Apesar da paragem das competições, as cotações estão a disparar.
A Penn Gaming, que detém o site de David Portnoy, subiu uns incríveis 551% entre 18 de março e 9 de julho.
Neste mesmo período, os ganhos do Nasdaq, que inclui as maiores cotadas tecnológicas, foram "só" de 51%. A Draftkings é outro exemplo. A empresa entrou em bolsa a 24 de abril, através de um processo pouco usual, ao fundir-se com uma companhia veículo que já estava cotada ("reverse merger"). Desde essa data até 1 de junho, as ações exibiram uma subida quase ininterrupta, valorizando 126% contra "apenas" 9% do Nasdaq.
Mas os novos investidores não foram, obviamente, os únicos novos investidores a chegar ao mercado. Como referimos há alguns meses, há uma nova tendência a atrair principiantes para o mercado: comprar e vender ações sem custos.
Os investidores Robinhood
No primeiro trimestre deste ano, especialmente em março, algumas das principais corretoras online americanas, como TD Ameritrade, E*Trade e Charles Schwab, anunciaram ter aberto um número recorde de novas contas. Além de disponibilizarem "apps" móveis, praticam comissões de transação de ações a custos muito baixos, em alguns casos zero, o que torna a negociação em bolsa mais acessível. O processo de investir é tão simples que se aproxima das apostas online.
No que toca a simplicidade e negociação sem custos, há um nome incontornável atualmente nos EUA.
A Robinhood propôs-se democratizar os mercados ao introduzir a possibilidade de comprar e vender títulos sem custos.
Esta start-up, agora a ser imitada pelas corretoras já estabelecidas, atrai uma camada demográfica semelhante à que vê e aposta em desporto: 80% dos clientes são homens, com uma idade média de 37 anos.
Com um "interface" simples (há quem o compare a um jogo móvel) e funcionalidades, como a compra de frações de ações, que permitem investir, por exemplo, 100 dólares num título da Amazon, que vale mais de 3 mil dólares, a transação nas bolsas é muito fácil. A Robinhood registou um crescimento extraordinário durante a pandemia, ao ponto de "investidor Robinhood" ser quase sinónimo de investidor sem grande experiência e capital.
As peças do puzzle parecem encaixar-se. Segundo a DataTrek Research, a Nikola chegou a ser a segunda ação mais detida e a Hertz a quarta pelos investidores da Robinhood, entre o final de maio e início de junho. As restantes, de um total de 20, incluíam companhias vítimas da pandemia, como linhas aéreas e companhias de cruzeiro, e tecnológicas populares, como a Apple, Amazon ou a construtora automóvel Tesla. Quanto às empresas de apostas online, apesar de recém-chegadas às bolsas, são atualmente a 63.ª (Draftkings) e a 66.ª (Penn Gaming) mais populares entre os investidores Robinhood.
Por enquanto, os "robins dos bosques" têm feito jus ao nome, batendo, no curto prazo, os analistas financeiros, dado que estas ações têm tido um bom desempenho face ao mercado.
A situação não irá, porém, manter-se para sempre. Voltando à Nikola e à Hertz, os dados da Robinhood mostram que a 6 de julho estas ações caíram, entre as 100 mais detidas, para 51.ª e 52.ª, respetivamente. Os gráficos da popularidade ao longo do tempo revelam também que o abrandamento na entrada de novos investidores coincidiu com a inversão da tendência positiva das cotações. Os clientes da Robinhood podem estar a seguir uma estratégia ingénua de comprar o que mais sobe. O certo é que, temporariamente, parece resultar.
E em Portugal?
É sabido que os portugueses gostam de jogos de azar, mas a bolsa é menos popular do que nos Estados Unidos e noutros países europeus mais ricos.
Ainda assim, questionámos várias corretoras online e as respostas sugerem um interesse acrescido pelos mercados financeiros. A Degiro, que opera em vários países, registou, no primeiro semestre do ano, um aumento de 265%, face a 2019, de novas contas abertas. Embora não divulgue números por país, confirmou-nos que Portugal também teve uma subida.
O Banco Carregosa informou-nos que, no segundo trimestre, a abertura de novas contas cresceu 50% e a negociação aumentou 120%, face ao mesmo período do ano passado. Já a XTB, corretora mais dedicada a CFD e Forex, conquistou mais do dobro dos clientes nos meses de confinamento por comparação com a média de janeiro e fevereiro, com um pico de 183% em abril.
As criptomoedas, um investimento especulativo particularmente popular entre os investidores mais jovens, podem também ter beneficiado deste interesse acrescido pelos mercados. A "app" de pagamentos Revolut teve, em abril e maio, um aumento de 60% na negociação de criptomoedas. Contudo, este dado deve ser contextualizado: antes, negociar criptomoedas era uma possibilidade exclusiva dos planos pagos da Revolut, tendo sido agora aberta aos clientes gratuitos.
É sempre perigoso tentar explicar os movimentos do mercado com um único dado. Há vários fatores muito mais poderosos que levaram às valorizações atuais, como a falta de alternativas de investimento devido às políticas de juros baixos, ou as diversas tendências que favorecem as empresas tecnológicas (a própria pandemia foi benéfica a diversas níveis).
Mas ignorar os dados fundamentais das empresas e investir aleatoriamente em ações é um risco muito elevado que pode trazer dissabores.
Não embale em modas se não tem muita experiência em mercados financeiros.
A nossa recomendação
Resista às modas
Não cometa o erro clássico de transformar um investimento especulativo que corre mal num investimento a longo prazo, para evitar assumir perdas.
• Afaste-se de títulos como a Nikola e, especialmente, Hertz. São especulativos e têm tudo para correr mal.
• Cuidado com empresas cujas cotações caíram muito devido à pandemia, mas cujo negócio foi também muito afetado, como as linhas aéreas ou companhias de cruzeiros. Podem não estar necessariamente baratas, pois o negócio pode não voltar aos níveis pré-crise e, nalguns casos, podem ocorrer falências. Não inclua demasiados títulos destes na sua carteira, e prefira os que estão financeiramente mais fortes, com menos dívida (consulte a autonomia financeira, a proporção do balanço que é financiado pelos capitais próprios) e mais capacidade de pagar os juros (monitorize a cobertura dos juros da dívida pelo EBITDA).
• As tecnológicas têm muitos pontos fortes. Mas a subida das cotações de alguns títulos é cada mais suportado por expectativas sobre planos futuros e valorizações passadas do que pela realidade. Vejamos o caso da Apple: regista um grande crescimento e rentabilidade, mas não é muito barata. A Amazon é outro exemplo. Apesar do crescimento, é menos rentável e a ação está cara. A Tesla é um caso paradigmático. O valor de mercado quase duplicou desde o início de junho, com base, sobretudo, em declarações de Elon Musk. A euforia nem sempre é boa conselheira. Invista a longo prazo (mais de 5 anos) e diversifique por vários mercados e setores. Seja seletivo.